Jornal de Negócios
O primeiro European Packaging Waste Meeting, organizado pela Sociedade Ponto Verde, debateu o estado da reciclagem nos Estados membros da União Europeia.
Reciclar mais é urgente em Portugal e na Europa
As metas de reciclagem fixadas para 2025 pela UE arriscam não ser cumpridas. Os desafios e o futuro do setor foram debatidos no primeiro European Packaging Waste Meeting, organizado pela Sociedade Ponto Verde.
O ambiente, a sustentabilidade e a economia circular foram os grandes temas em torno dos quais se centrou a primeira edição do European Packaging Waste Meeting. Organizado pela Sociedade Ponto Verde (SPV), reuniu, no passado dia 7 de novembro, no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, académicos, políticos e empresários, de vários países da UE, com o intuito de discutir o estado e o futuro do setor.
António Nogueira Leite, presidente da Sociedade Ponto Verde, acredita que, com a colaboração de todos, ainda será possível atingir as metas de reciclagem fixadas para 2025 pela União Europeia (UE).
Apontando a atualidade do debate, não só em Portugal, como na Europa, Nogueira Leite lembrou os dados preocupantes do relatório divulgado em junho deste ano pela Comissão Europeia: são 18 os Estados-membros que correm o risco de não cumprir uma ou mais metas, fixadas para 2025, de preparação para a reutilização, de reciclagem de resíduos urbanos e de reciclagem de todos os resíduos de embalagens, assim como a meta de deposição em aterro para 2035. Portugal é um desses 18 países, fazendo parte de um grupo intermédio de oito Estados-membros que, apesar de bem encaminhados nas metas para a reciclagem de resíduos de embalagens, está em risco de não cumprir as restantes metas.
Todos os anos os europeus produzem, em média, 530 quilos de resíduos urbanos por pessoa, dos quais cerca de 50% são reciclados ou compostados e 23% são depositados em aterros. Mas, entre 2013 e 2020, a quantidade de resíduos de embalagens produzidos aumentou 15% na União Europeia, atingindo quase 80 milhões de toneladas. Sendo certo que 64% desses resíduos de embalagens são reciclados, essa percentagem varia de acordo com o material: mais de 75% das embalagens de papel, cartão e metal são recicladas mas as de plástico não chegam aos 40% – um problema na maioria dos países da UE.
Olhando para o alto risco de incumprimento das metas projetadas para 2025, Nogueira Leite assegura: “Apesar da boa performance das embalagens no nosso país, não podemos descansar. Há muito por fazer. É preciso melhorar e repensar o sistema de recolha de resíduos urbanos. Temos a obrigação de ser mais exigentes.” E temos de ter como objetivo “colocar Portugal no grupo dos nove países que lideram o processo. É possível, desde que todos estejam interessados.”
Na Sociedade Ponto Verde, acrescentou, “defendemos que precisamos de mais transformação, mais inovação e mais ambição. O sistema pode criar valor, estimular novos negócios, incentivar a academia e proporcionar emprego qualificado”.
Salientando que os números mostram o compromisso do país com a reciclagem, Nogueira Leite apontou os fundos europeus disponíveis para a área da sustentabilidade como uma oportunidade para mobilizar as instituições públicas, as empresas e os consumidores a colocar Portugal no bom caminho para cumprir todas as metas de reciclagem. “É uma ambição desafiante, mas absolutamente possível se todos colaborarem e todos estiverem interessados. E todos o devemos estar. Precisamos da colaboração de todos.”
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A defesa do planeta é uma obrigação de todos
António Nogueira Leite, presidente da Sociedade Ponto Verde, quer pôr Portugal na liderança europeia do processo da reciclagem. Para tal, quer um sistema o mais eficiente possível, que recicla alinhado com as melhores práticas europeias, como referiu, em entrevista ao Negócios. Como sair do grupo dos oito e passar para o grupo dos nove?
A política de transparência, concorrência e inovação presente em que atuamos, as embalagens, tem de estar presente no resto da cadeia de valor, do trabalho das câmaras ao da indústria. Há muitas autarquias empenhadas para que possamos ter um sistema que integre as boas práticas do segmento das embalagens em todo o conjunto da enorme cadeia de valor. E é preciso que o sistema seja o mais eficiente possível. Se não for, vai-nos custar muito mais a todos nós ter um sistema como merecemos: um sistema que recicla em regra com as melhores práticas europeias.
O que explica o sucesso das embalagens?
Há uma prática, instituída há muitos anos, de grande colaboração. A generalidade das empresas estão muito envolvidas, olhando para a SPV como o seu centro de compliance, em matéria ambiental, para a questão das embalagens. É preciso que essa mentalidade colaborativa e transparente possa ser expandida. E temos a sorte de estar a gerir hoje um sistema que começou bem há 25 anos.
Quais os grandes desafios da Sociedade Ponto Verde para os próximos anos?
Ter a capacidade de progredir e responder aos novos desafios, sempre com eficácia crescente. E ter a capacidade de mobilizar os nossos acionistas e os nossos stakeholders para continuar a cumprir os objetivos que a União Europeia nos põe e com os quais estamos 100% de acordo.
O que pode a população fazer para contribuir para esse esforço?
A defesa do planeta, o deixarmos aos nossos filhos e netos um planeta onde as pessoas possam viver, é uma obrigação de todos. Não é apenas uma obrigação das empresas ou dos governos. E começa quando nós em nossa casa temos o cuidado de separar as coisas adequadamente.
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Moedas quer os turistas a pagar mais pela limpeza de Lisboa
Carlos Moedas, presidente da Câmara de Lisboa, na talk com Ivone Rocha, presidente da Plataforma para o Crescimento Sustentável
O presidente da Câmara de Lisboa quer aumentar a taxa turística a partir de janeiro para que “o turista contribua para a cidade, pagando, por exemplo, a sua limpeza”. E vai tomar medidas concretas e com a adesão da população para ter a capital neutra em carbono até 2030.
As smart cities vieram para ficar e Lisboa é uma delas. Uma cidade inteligente é aquela que, usando a tecnologia, tem o cidadão, e o seu bem estar como foco principal. E estão as Smart Cities a crescer ao ritmo necessário? Foi para dar resposta a esta questão que Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), conversou com Ivone Rocha, presidente da Plataforma para o Crescimento Sustentável, abordando temas que foram desde o plano de drenagem de Lisboa, à pressão turística, passando pelos superquarteirões, as Jornadas Mundiais da Juventude e pela Fábrica de Unicórnios.
Há dois problemas que estão na ordem do dia em Lisboa: a pressão turística e a limpeza urbana: “As pessoas têm de ver que o turismo contribui para a cidade. Como? Temos que aumentar a taxa turística. Para quê? Para que o turista contribua para a cidade, pagando, por exemplo, a sua limpeza. Os cruzeiros não pagam taxa turística. É inaceitável”, sublinhou Carlos Moedas, garantindo que tudo fará para inverter esta situação.
“A minha vontade de ser presidente da Câmara teve a ver com o que vivi, como comissário europeu, na área climática. Falta-nos, muitas vezes, passar das grandes ideias e medidas europeias ao concreto”, afirmou. O autarca contou que, como Comissário Europeu, integrou o grupo de trabalho que criou A Missão Cidades Inteligentes e com Impacto Neutro no Clima, com o objetivo de trazer medidas concretas para as cidades. E, quando assumiu a presidência da CML, foi altura de candidatar Lisboa a integrar essa lista de 100 cidades neutrais em carbono em 2030. “Queremos dizer que medidas vamos tomar para podermos ser neutrais em carbono em 2030. A ideia é que sejam tão claras que permitam uma grande e imediata adesão dos cidadãos. Foi por isso que começamos com uma simples: transportes púbicos gratuitos para os jovens e a terceira idade. Quisemos convencer uma grande fatia da população a usar os transportes públicos.”
Para Carlos Moedas, sem este tipo de medidas é impossível atingir as metas. “Pode haver muita sensibilização, medidas óbvias para os cientistas, mas se não tocarem as pessoas não vai funcionar. Precisamos de todos, seja na reciclagem seja nas emissões de CO2”.
Os recursos hídricos são outra prioridade. Carlos Moedas contou que, ao tomar posse, uma das suas primeiras medidas foi olhar para as despesas da autarquia com água: “Pagamos 4 milhões em água potável. 75% dessa água é usada para lavar ruas e regar jardins. Não faz sentido. Quisemos mudar isso. O Parque Tejo já foi regado com água não potável.” Também parte da água da chuva que será captada pelos túneis de drenagem de Lisboa vai ser tratada e depois usada na cidade.
“Temos uma população a crescer e queremos dar o direito a essas pessoas a ter uma vida boa, temos que lhes dar serviços que lhe permitem ter qualidade de vida. Para esses serviços é necessária energia, que está a emitir CO2. Então temos que criar uma forma de essa energia não emitir CO2. Como? Através de tecnologia e inovação. É a única resposta para o futuro”.
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São as pessoas que vão salvar o planeta
É preciso olhar com atenção para os comportamentos, escolhas e necessidades dos consumidores, por forma a criar soluções que deem à população as opções sustentáveis que desejam.
“São as pessoas que vão salvar o planeta, não são os políticos”. Quem o diz é Jeremy Schwartz, chairman da Kantar e Keynote Speaker desta 1ª edição da European Packaging Waste Meeting. Numa palestra na qual desafiou a audiência a pensar e a ter a coragem de se desafiar para ir mais longe e pensar em novas soluções para a sustentabilidade, Schwartz lembrou o seu percurso profissional, tendo estado em empresas como a Coca-cola, a L’oréal e a Body Shop. Integrou a equipa responsável pelo lançamento da Coca-cola Zero e é conhecido no marketing por transformar as empresas em negócios mais sustentáveis.
“Temos sempre que nos desafiar a fazer amanhã qualquer coisa melhor do que fizemos ontem”, disse, exortando a sala a tentar procurar novas formas de contribuir para a sustentabilidade dos seus respetivos negócios. E salientou que, para ter sucesso na busca dessas novas soluções, é sempre necessário uma análise exaustiva, quase forense, dos dados e informação disponível, questionando sempre os motivos que levam às escolhas e preferências dos consumidores. Só assim se pode responder e dar aos consumidores a solução certa.
“80% da população portuguesa diz querer viver uma vida sustentável. Mas apenas 25% dessas pessoas assume ter mudado o seu comportamento para atingir essa mesma vida sustentável. Mas porquê apenas 25%? “, questionou? “40% acha que mudar para produtos sustentáveis é muito caro. 30% acha que não há informação suficiente para saber que escolhas fazer e 25% diz não encontrar escolhas sustentáveis”. Chegando a este ponto, Schwartz é perentório: “É aqui que entra a liderança: É preciso desafiar o status-quo. Temos sempre que inovar e continuar a fazer melhor, se queremos permanecer na fila da frente”.
Mostrando que o sustentável não é necessariamente mais caro – sendo possível ir buscar dinheiro a outras variáveis – e que não representa um obrigatório prejuízo nos lucros (para o que exemplificou com o seu trabalho na Body Shop), Schwartz deixou o repto: “Não é preciso pensar fora da caixa. Mas é preciso uma caixa maior. Como se diz no ténis: ‘Better never stops’”.
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A transição verde da Europa está sob ameaça
Atingir uma economia circular total em 2050 só é possível com alianças com investidores e outras regiões, concluíram responsáveis europeus na mesa redonda: “Está a Europa a Responder à Emergência Climática?”
Atingir a neutralidade carbónica em 2050 só é possível com esforços conjuntos. “O nosso planeta terra está numa encruzilhada, enfrentando uma tripla crise planetária, de alterações climáticas, de perda de biodiversidade e de poluição. A Europa está na vanguarda dos esforços para enfrentar estes desafios, mas ainda há muito por fazer”, afirmou Leena Ylä-Mononen, diretora executiva da Agência Europeia para o Ambiente (AEA), numa mensagem de vídeo que serviu de introdução para a mesa redonda: “Está a Europa a Responder à Emergência Climática?”. O debate foi moderado pela professora e investigadora Luísa Schmidt, e contou com a participação de Eero Yrjö-koskinen, diretor executivo do IEEP – Institute for European Environmental Policy, Justin Wilkes, diretor executivo do ECOS – Environmental Coalition on Standards e Stephan Morais, Managing General Partner da Indico Capital Partners.
A responsável da AEA salientou ainda que diminuir e gerir os resíduos é uma tarefa de importância vital e que, nesse sentido, o setor das embalagens tem um papel fundamental para desempenhar. “Desde 1994, a União Europeia desenvolveu um conjunto abrangente de legislação sobre resíduos, com um foco particular nas embalagens. As regras abordam temas que vão desde a restrição aos sacos de plástico até ao estabelecimento de metas ambiciosas de reciclagem e implementação de medidas que responsabilizam o produtor”.
Alertando para a necessidade de reduzir o consumo de matérias- primas virgens, Leena Ylä-Mononen referiu um estudo desenvolvido pela União Europeia (EU) que concluiu que 40% dos plásticos e 50% do papel utilizados pelos países da UE são usados para produzir embalagens. “É imperativo que abordemos o impacto ambiental do setor e aumentemos a sua sustentabilidade. Estudos recentes preveem um aumento do uso de embalagens, particularmente de plástico, em toda a UE. Estas tendências são contrárias ao Pacto Ecológico Europeu e ao Plano de Ação para a Economia Circular”, frisou, notando, porém, que um novo regulamento está perto de ser aprovado pelo Parlamento e Conselho Europeu, o que representará uma mudança significativa de abordagem. “As embalagens são um elemento chave num conjunto de
“Estudos recentes preveem um aumento do uso de embalagens, particularmente de plástico, em toda a UE. Estas tendências são contrárias ao Pacto Ecológico Europeu e ao Plano de Ação para a Economia Circular. LEENA YLÄ-MONONEN diretora executiva da Agência Europeia para o Ambiente (AEA)
mudanças complexas na nossa sociedade. Avançar para uma economia circular significa abandonar os modelos lineares de produção e de consumo, prevenindo e reduzindo o desperdício e prolongando a vida útil dos produtos”, concluiu.
“O Pacto Ecológico Europeu é a jóia da coroa da Comissão Europeia” disse Eero Yrjö-koskinen. “A União Europeia está em plena transição verde, que é essencial para o nosso futuro. Infelizmente, o que estamos a fazer não é suficiente. Enfrentamos ameaças existenciais, a um nível global, que ainda têm que ser resolvidas. Mas muito já melhorou e tenho uma visão otimista. Apesar de estarmos longe de atingir os objetivos de Paris, nos últimos oito anos já conseguimos reduzir o excesso de aquecimento global em um grau. Não chega, mas significa que estamos a ir na direção certa. A EU lidera o que está a ser feito no mundo para mitigar os efeitos das alterações climáticas. Mas ainda há muito a ser feito”.
Quanto às embalagens “estamos no bom caminho para atingir as metas”, acredita o responsável do IEEP – Institute for European Environmental Policy. Mas já se torna mais difícil quando se fala do objetivo global de ter, em 2050, uma economia circular na Europa. “Uma economia circular europeia total implica que todos os setores cumpram a sua parte e, nesse aspeto, não estou tão certo de que o consigamos atingir. Nem todos os setores estarão prontos para ir nessa
direção. Atingir a circularidade no setor da energia, mudar das energias fósseis para as energias limpas, parece-me complicado e um desafio enorme. Não temos matérias-primas na Europa, metais e minerais, para o fazer”.
Há uma conjugação de esforços e negociações multilaterais que terão de acontecer para responder à emergência climática global.
“A Europa não pode resolver sozinha as ameaças climáticas globais. Estamos a liderar em vários aspetos mas há outros continentes e regiões que têm que dar um passo em frente. O problema é que, para se dar resposta, é preciso abdicar de outras coisas essenciais para o desenvolvimento e nem todos o estão dispostos a fazer – o que é compreensível”, referiu, por sua vez, Stephen Morais, quando questionado por Luísa Schmidt sobre se estamos a investir o necessário para atingir a neutralidade carbónica em 2050.
É necessário ter um orçamento robusto e investir fundos consideráveis. “A nível tecnológico, a União Europeia não está a liderar. Somos bons na regulação mas, ao mesmo tempo, é importante não impor demasiadas regulações, para que as negociações respeitem as várias visões, e evitar as retaliações – que já existem. Há muitos movimentos contra, em várias regiões e países, incluindo os Estados Unidos, contra as regulações”.
Boa parte da resposta estará no investimento privado em novas tecnologias. “As novas tecnologias estão a ser desenvolvidas mas é preciso investimento, com capitais privados, para que possamos usufruir delas. Na Europa, precisamos de fundos privados para transformar a pesquisa que está a ser feita em produtos e soluções que possam dar resposta a estes problemas levantados pelas alterações climáticas. Não podemos ter apenas fundos públicos a financiar o desenvolvimento de novas tecnologias”, concluiu Stephen Morais.
O padrão das políticas públicas
Para Justin Wilkes, diretor executivo do ECOS – Environmental Coalition on Standards, as políticas públicas são extremamente necessárias para guiar os mercados livres, de forma a que estes sirvam a sociedade e os consumidores da melhor forma. “No que toca às embalagens, as empresas precisam de normas e diretivas que lhes permitam produzir corretamente e cumprir o necessário para ir de encontro aos critérios de sustentabilidade. As políticas públicas têm de ser usadas para guiar o mercado. A economia circular não é, nem pode ser, um fim em si mesma, deve servir para garantir a sustentabilidade”.
Regulação que, como aponta Eero Yrjö-koskinen, tem de ser atualizada, uma vez que há muitas discrepâncias na forma como é aplicada pelos vários Estados membros, estando sujeita a interpretação. “É preciso que os Estados membros que estão a ficar para trás na implementação destas novas regras usem amplamente os fundos disponíveis para que possam acelerar e juntar- se ao grupo que lidera na aplicação da legislação europeia”.
Melhorar na reciclagem total
Mas serão as embalagens assim tão relevantes para responder à emergência climática, questiona Luísa Schmidt. “Sim, porque 40% dos plásticos usados na UE e 50% do papel vão para as embalagens. É extremamente importante que a reciclagem destes materiais melhore e eventualmente consigamos atingir a reciclagem total”, respondeu o diretor executivo do IEEP.
Mas será a reciclagem um setor interessante e atraente do ponto de vista do investimento? voltou a questionar a investigadora. “Absolutamente. Quando olhamos para oportunidades de investimento queremos ver novas soluções, que sejam melhores que quaisquer outras, em mercados com grande potencial. E o mercado da reciclagem é bastante grande. Costuma- se dizer que quando há uma necessidade, há uma solução a ser criada. Os capitais privados podem ser uma solução para problemas públicos ou para tragédias públicas, como é a emergência climática. Há aqui uma grande oportunidade de mercado. E também uma obrigação para se investir nesta área. Não há outra forma de responder a esta crise”, afirma Stephan Morais, salientando que as soluções verdes não implicam menores lucros. “Se há quem esteja disposto a pagar, como é o caso, o lucro é o mesmo.
Os investidores globais querem soluções verdes, não só por serem a escolha certa mas porque são um bom negócio”. Além disso, e com os olhos postos no futuro, o responsável da Indico Capital Partners conclui: “Há muitos empreendedores ligados à ciência e à engenharia que fazem parte de uma geração em que os temas da sustentabilidade e da emergência climática estão no topo das suas preocupações. E portanto o seu trabalho tem esses temas como foco. Assim surgirem novas soluções, e que houver necessidade no mercado dessas soluções, o dinheiro irá chegar. É preciso investir no talento. A ciência e os cientistas são a resposta para os desafios colocados pelas alterações climáticas”.
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As embalagens são a única área da reciclagem que efetivamente corre bem em Portugal
Com metas europeias para acabar com os aterros até 2035, nem todos os países europeus estão no mesmo ponto da corrida. Faltam políticas nacionais claras e firmes, legislação, investimento e criação de infraestruturas.
Jornal de Negócios16 Nov 2023
O mote para a mesa redonda “Os Resíduos Urbanos são o Novo Ouro Negro?” foi dado por Ana Trigo Morais, CEO da Sociedade Ponto Verde: “Quarenta por centro dos resíduos em Portugal vão para aterro. O sistema tem de ser desafiado”. O painel foi moderado pela jornalista Alexandra Costa e reuniu especialistas de vários países da União Europeia ( EU) para discutir aquele que é um dos mais complicados setores do sistema: da Alemanha, Michael Wiener, chairman Supervisory Board, da Green Dot Global; da Áustria, Martin Prieler, CEO da ARA Ag; e, de França, Jean Hornain, diretor-geral da Citeo.
Para perceber o caso de sucesso alemão, líder na reciclagem de resíduos urbanos, é necessário recuar aos anos 80 do século passado. “É preciso analisar como é que o sistema foi criado. Na Alemanha acreditamos na indústria. Pelo que tornámos a indústria responsável pelos custos de gestão de resíduos”, lembra Michael Wiener. A partir daí, “fomos alcançando objetivos e aumentando as metas à medida que as alcançávamos”, sem nunca descansar à sombra dos bons resultados, destacou Wiener, que é presidente do conselho de supervisão da Green Dot Glocal e ocupou vários cargos de gestão na área da economia circular ( como, por exemplo, diretor-geral do grupo de gestão de resíduos Eberhard Mayr, em Estugarda, ou diretor- geral da Fischer Entsorgung Gmbh).
Mas a indústria não foi, de todo, a única responsável pelos bons resultados alemães na reciclagem de resíduos urbanos. É no consumidor que tudo começa. É ele a mais importante peça da equação. E pode ser visto de duas formas: ou como o culpado, aquele que produz centenas de quilos de lixo por ano, ou como o que resolve o problema, separando o lixo e ajudando no esforço nacional da reciclagem. Na Alemanha, não houve dúvidas. “Quisemos tornar o consumidor parte da solução e não parte do problema. E, para isso, gastámos muito dinheiro em educação. Tudo começa pela separação do lixo em casa. Essa é a peça-chave da solução”, sublinhou Wiener.
Com um grande avanço relativamente ao resto do mundo, a Alemanha quer continuar na liderança do processo de reciclagem e, para tal, continua a contar com os seus principais aliados: indústria e consumidor. “No futuro o mercado estará cada vez mais maduro. Temos que continuar, acima de tudo, a convencer o consumidor de que ele é parte da solução. E temos metas muito ambiciosas: queremos 63% de reciclagem em 2035”.
Do país vizinho, a Áustria, Martin Prieler apresentou argumentos similares. “O que não se recolhe não se pode separar”, afirmou Prieler, que é membro do conselho executivo da ARA Ag, principal organização de responsabilidade do produtor de embalagens na Áustria. Foi também responsável pelas reservas estratégicas de petróleo da Áustria e diretor de mercado da Stena Yechnoworld, empresa líder de reciclagem de REEE – resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos.
Se o consumidor não fizer uma adequada separação do lixo em casa, não há muito que possa ser feito depois. E como convencer o consumidor? Além de perceber qual a melhor forma de comunicar com ele (quer para alertar para a necessidade de reciclar como para explicar qual a forma mais adequada de o fazer), a chave é apenas uma: “É preciso conveniência. A reciclagem tem de ser um processo simples para o consumidor”.
Se a Alemanha e a Áustria se encontram no grupo dianteiro no que toca ao processo de reciclagem, bem mais atrás está a França. Isso mesmo confirma Jean Hornain que, depois de uma carreira ligada à imprensa, se mudou para o setor das embalagens. Na Citeo, tem- se dedicado a desenvolver o eco-design, a reutilização
e a reciclagem, com o objetivo de adaptar a produção, distribuição e consumo à proteção do planeta, dos seus recursos, biodiversidade e clima. “Em França, a taxa de reciclagem de plástico é de apenas 25%. E a de alumínio também. Temos que subir muito as metas”, admitiu, questionando: “Mas porque está a França tão atrás no que toca às metas e números de reciclagem? Desde logo porque começámos tarde. Fazíamos gestão de resíduos mas não apostámos, por exemplo, na reutilização”.
Hoje, diz, o país está longe de ser um bom exemplo. “Ainda não convencemos os municípios de que é preciso incentivos à população, como as taxas de depósitos. Sem estes não vamos atingir as metas. Sem um sistema de depósitos não vai funcionar”, avisa Hornain. Um dos grandes problemas passa pela falta de confiança dos consumidores franceses no processo de reciclagem. “As pessoas não confiam no sistema. Não acreditam que as embalagens vão realmente para a reciclagem, não acreditam que as empresas façam efetivamente esse trabalho. Acham que se vai tudo misturar no camião do lixo. Temos que trabalhar esse aspeto, é urgente trabalhar a confiança”. Nem tudo, porém, passa pela reciclagem, salienta o diretor-geral da Citeo. Acima de tudo, é preciso consumir e produzir menos. “Temos que reduzir o impacto das embalagens e o impacto carbónico. Temos que reduzir o impacto na biodiversidade. Como é que podemos fazer menos? Essa é a grande questão, temos mesmo que fazer essa mudança, reduzir os resíduos e aumentar a reutilização. Essa tem de ser a aposta”.
Só somos bons a reciclar embalagens
Ana Trigo Morais, CEO da Sociedade Ponto Verde, também é crítica quando olha o trabalho desenvolvido em Portugal, chamando todos a assumir responsabilidades e a aceitar os desafios colocados para o futuro, exortando a que todos na cadeia de valor tentem fazer a sua parte o melhor possível, sem contemplações. Na reciclagem de embalagens Portugal tem bons números, mas falta fazer muito mais: “As embalagens são a única área da reciclagem que corre efetivamente bem em Portugal, com exceção do vidro. Mas estamos a tentar melhorar esses sistema, estamos a investir. Temos que sentar todos os intervenientes à mesma mesa e discutir, de forma muito séria, a questão: o que vamos fazer com os resíduos? Temos um grande problema: em Portugal, 40% dos resíduos vão para aterro. O sistema tem de mudar, tem de ser desafiado”.
A CEO da SPV salienta que é preciso transparência no setor. “Temos que discutir os custos do sistema, que provavelmente vão duplicar no próximo ano, e temos que ser claros e transparentes quanto a esses custos. É preciso dizer a verdade ao consumidor. São os consumidores que estão a pagar o sistema. É preciso explicar às pessoas quanto é que pagam pela gestão de resíduos em Portugal. E depois é preciso é fazer campanhas de sensibilização, apostar na educação e ser transparentes. O desafio é grande, mas estamos dispostos a colaborar com todos para mudar o sistema”.
O que parece ser claro é que, sem decisões políticas firmes, dificilmente se alcançarão bons resultados. Na Alemanha, conta Michael Wiener, os resíduos que vão para aterro são já residuais. E isso só foi possível graças a uma visão política clara: “Na Alemanha temos uma visão clara sobre os resíduos e sobre os aterros. No final dos anos 80 do século passado houve uma decisão política e uma lei que definiu que, em maio de 2025, se iria acabar com os aterros. Foi uma decisão política. Uma vez tomada a decisão, foi dito à industria: têm 25 anos para se preparar para o fim dos aterros. O que é que isso significa? Criar infraestruturas para o tornar possível. Foi o que se fez. Houve segurança política, fizeram-se os investimentos necessários e tudo foi posto em marcha. Em maio de 2025 serão encerrados todos os aterros. É preciso orientação política, segurança, planeamento e criação de infraestruturas”.
Também na Áustria, assegura Martin Prieler, acabar com os aterros foi uma decisão política. “Dissemos que os aterros iriam acabar em 2024. A segurança política foi crítica para o conseguir. Mas a legislação não chega. Não basta proibir. É preciso possibilitar. Ou seja, a acompanhar a legislação é preciso criar infraestruturas e soluções tecnológicas que permitam por a legislação em pratica. É preciso criar alternativas aos aterros”. Uma visão partilhada também por Jean Hornain, que acrescenta: “É preciso decisões políticas firmes. Os políticos têm que tomar decisões não para as próximas eleições, mas para a próxima geração. Se tudo estiver sempre a mudar, ninguém vai investir”.
Ana Trigo Morais é clara: em Portugal cerca de metade dos resíduos municipais são enviados para aterro. “Temos de olhar muito atentamente para estas questões a trabalhar em conjunto para tentar resolver o problema. Senão, é possível que cheguemos a 2035 ainda a enviar grandes quantidades de resíduos para aterro. Precisamos de um guião político para a próxima década. Temos que ter uma estratégia, uma visão. Precisamos de investir, e muito, em educação para a reciclagem, para a sustentabilidade. É preciso fazê- lo todos os anos. Precisamos de mais e melhor serviço e precisamos de mais conveniência”.
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Apesar do sucesso na reciclagem de embalagens, ainda há muito trabalho a fazer
Criar e cumprir um plano estratégico é essencial para que Portugal possa atingir as metas patentes no Pacto Ecológico Europeu. Para Ana Trigo Morais, CEO da Sociedade Ponto Verde, o país precisa de carregar no acelerador.
Colaboração, tecnologia, inovação, literacia e transparência. E um grande trabalho conjunto. Só através desses grandes eixos se pode alcançar, em Portugal, um sistema de recolha e triagem de resíduos eficiente. E só assim se podem alcançar as metas definidas pela União Europeia no Pacto Ecológico Europeu. Quem o defende é Ana Trigo Morais, CEO da Sociedade Ponto Verde, e responsável pela Sessão de Encerramento esta primeira edição da European Packaging Meeting.
“A gestão de resíduos tem de ser vista de uma perspetiva integrada e colaborativa. A União Europeia está perto de aprovar um novo regulamento sobre embalagens, e resíduos de embalagens, um processo que visa reforçar a circularidade desde o design à eficiência dos processos de reciclagem. É mais um passo no caminho inovador que a Europa traçou para atingir metas ambientais muito ambiciosas. Mas não basta a legislação. Precisamos de sistemas de recolha e de triagem eficazes. Se olharmos para Portugal de uma perspetiva do sistema de recolha e triagem precisamos de ser claros: há muitas deficiências para corrigir. O que passa por apostar mais na colaboração, na tecnologia, na inovação, na literacia e na transparência”, defendeu Ana Trigo Morais.
Depois de lembrar que foi a Sociedade Ponto Verde a criar, em 1996, um sistema de gestão de resíduos de embalagens que, ainda hoje, permanece em funcionamento e com grande adesão por parte da população e eficiência, com 70% dos lares portugueses a colocar as suas embalagens nos mais de 70 mil ecopontos distribuídos pelo país, Ana Atrigo Morais salientou: “A evolução tem sido notável neste setor, apesar de os últimos dados indicarem alguma estagnação, o que nos preocupa e torna urgente acelerar o ritmo para conseguirmos inverter esta tendência”.
Mas, apesar do sucesso alcançado no setor das embalagens, nos restantes eixos ainda muito trabalho está por fazer, estando Portugal longe de alcançar as metas propostas pela União Europeia. “Sabemos que globalmente não estamos bem. Portugal está longe de cumprir as metas de reciclagem para os resíduos urbanos e até nas embalagens continua a aterrar 31 milhões de euros de recicláveis por ano. Até quando vão aguentar os nossos aterros?”, questionou a responsável pela Sociedade Ponto Verde. “Globalmente, Portugal ainda envia 54% de todos os resíduos urbanos que produz para aterro. Se pensarmos que o país tem como meta reduzir este valor para 10% em 2035, temos aqui a escala da nossa tarefa”, disse, colocando a questão: “O que falta fazer?”.
Para a gestora, a resposta passa pela necessidade de carregar no acelerador por forma a cumprir com os objetivos e metas. Salientando que o país tem vindo a mostrar conseguir fazer planos, legislação e documentos bem feitos e bem intencionados, Ana Trigo Morais avisou que isso, por si só, não chega para mudar a realidade do setor. “Desde que estou no setor dos resíduos não vi um plano estratégico a ser cumprido. Temos agora mais um que se afirma como decisivo, o Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos de 2023, para o qual o maior desafio vai ser o mesmo de sempre: a sua execução e operacionalização. Contamos também com instrumentos financeiros relevantes e por isso temos cada vez menos desculpas para nada fazermos”, disse.
Os dados, no entanto, não estão de feição. A CEO da Sociedade Ponto Verde foi clara: “Os indicadores europeus continuam a colocar Portugal numa posição difícil. Um relatório recente da Comissão Europeia relativo à gestão de resíduos, já tantas vezes mencionado, deve-nos chamar para agir. Tendo em conta o desafio que temos pela frente, quer os poderes públicos, quer as entidades privadas, terão de encontrar formas de tornar o sistema mais eficaz, moderno e eficiente. Eu sei que a expressão quase caiu em desuso mas, na gestão de resíduos precisamos, mesmo, de aumentar as parcerias entre o setor público e o setor privado”
São essas parcerias, assegura Ana Trigo Morais, que vão tornar possível desenvolver “sistemas digitais que melhorem o serviço prestado ao cidadão, criar uma estrutura mais eficaz de recolha de resíduos, por exemplo, porta a porta, intensificando os princípios do eco-design e do design para reciclagem das embalagens, alargar a rede de recolha e de ecopontos, tornando-os mais próximos dos consumidores, desenvolver uma gestão colaborativa entre os municípios e os operadores de gestão de resíduos privados e finalmente uma política pública nacional mais comprometida e mais ativa nos cumprimento das regras ambientais”.
Mas há um outro aspeto que foi sendo falado ao longo de toda a conferência. Não é possível atingir as metas sem a colaboração dos cidadãos. E estes só vão colaborar se confiarem no sistema. E para que essa confiança exista é necessário que haja transparência. “A transparência é crítica para a modernização do sistema. Este é um aspeto que tanto se aplica à forma como é calculada e cobrada ao consumidor a taxa de gestão de resíduos como aos valores de contrapartida que pagamos aos sistemas municipais ou ao cumprimento das regras ambientais em Portugal. Não podemos continuar reféns de freeriders e de quem não paga o sistema. Isso distorce a concorrência e cria disfunções que depois acabam por se refletir na forma como o sistema funciona e é financiado, introduzindo profundas injustiças entre operadores económicos, especialmente aqueles que não abdicam das suas responsabilidades ambientais e, pagando por si, acabam por pagar por todos”.
Mais de 70% dos lares portugueses colocam as suas embalagens nos mais de 70 mil ecopontos distribuídos pelo país, destacou Ana Trigo Morais.