Água & Ambiente
A articulação e a cooperação entre os sistemas integrados de gestão de resíduos e os operadores de resíduos são decisivas para alcançar as metas de reutilização, reciclagem e valorização a que Portugal está vinculado por força da legislação europeia. Mas há que refletir sobre como se podem promover essas parcerias.
Como afirmou António Lorena, Managing Partner da 3drivers, em jeito de conclusão do Painel III da Conferência Reciclagem&Valorização, que teve como mote ‘Entidades Gestoras e Municípios: Como Promover Parcerias com a Indústria da Reciclagem‘, é preciso “deixar de falar de planos e começar a falar de pactos”. Para António Lorena, “o setor tem de se juntar e discutir pactos estratégicos” de forma convergente “nestas ideias dos grandes desafios nacionais”. E “todas as pontas da cadeia são fundamentais para esta discussão”, sublinhou, sobre a cooperação entre os diferentes intervenientes. Ainda segundo o Managing Partner da consultora 3drivers, deviam ser discutidos mais instrumentos e menos metas: “Não é por existir uma meta que as coisas acontecem. É pela combinação da TCR – Taxa de Gestão de Resíduos, dos valores de contrapartida e de muitos outros instrumentos que Portugal não tem neste momento. E é aí que, a meu ver, devíamos concentrar a discussão”.
“A colaboração tem de ter resultados e evidências”
Começando também por tratar o tema principal do Painel III, Ana Trigo Morais, CEO da Sociedade Ponto Verde (SPV), alerta que “a colaboração tem de ser muito mais do que palavras”, implica maior disponibilidade, cedências e o entendimento de que “todos trabalhamos para um fim comum”. Essa cooperação tem ainda de ter “resultados e evidências” e trazer melhorias ao sistema. Neste âmbito, a oradora destacou a disponibilidade que a SPV tem demonstrado ao longo dos anos neste campo e as parcerias que tem formado.
“Temos orientado o investimento da nossa área de Investigação & Desenvolvimento (l&D) para desenvolver projetos com os nossos parceiros, para aumentar eficiência, eficácia, desenvolver novas metodologias e projetos. Também é verdade que a necessidade que temos vindo a sentir de transformar o sistema é cada vez maior, porque aquele não está a dar as respostas que gostaríamos. Portanto, essa prática colaborativa, mesmo tendo sido acelerada nos últimos 3/4 anos, tem, obviamente, de continuar”. Ana Trigo Morais lembra que foi a colaboração que esteve na origem da SPV: “Foi graças a um grupo de empresas que se juntaram e colaboraram, com o Governo, com as autarquias e os seus representantes, e que criaram a SPV. E as embalagens, com exceção do vidro, são o único fluxo específico que cumpre metas em Portugal”.
Quando questionada por João Pedro Rodrigues, CEO da GIBB Portugal, moderador do painel III, sobre o alinhamento dos incentivos económicos, a CEO da SPV acredita que eles têm de existir para todos, não apenas para o consumidor, mas também para outros atores, como os parceiros e prestadores de serviços, “Mesmo do ponto de vista das campanhas de sensibilização da SPV, os resultados têm de estar alinhados com os incentivos económicos”, diz. No entanto, reflete ainda, aos Valores de Contrapartida (VC) falta-lhes modelização para que possam ser verdeiros incentivos económicos. Isto porque, acrescenta, “o VC não é um sistema de rendas, estes têm de ter o racional de prestação de serviço para acompanhar aquilo que deve ser efetivamente pago pelo consumidor”.
Relativamente ao cumprimento das metas do PERSU 2030, Ana Trigo Morais critica o facto de não existir uma abordagem diferenciada: “Quase sabemos que não é possível chegar àquelas metas porque não há uma abordagem diferenciada, nem a nível metodológico, nem dos instrumentos de financiamento necessários para lá chegarmos. Parece que tratamos o país como se fosse todo igual e nem sequer diferenciamos as diferentes ‘velocidades’ e características, nem os níveis de desempenho diferentes”.
“O alargamento da RAP nas embalagens traz desafios”
Carlos Raimundo, Assessor da Direção da Associação das Empresas Portuguesas para o Setor do Ambiente (AEPSA), inicia a intervenção com uma reflexão sobre um desafio futuro: o alargamento da Responsabilidade Alargada do Produtor (RAP) a todas as embalagens: “Isto é um mundo novo e o principal incremento é haver um novo fluxo financeiro que vai ser captado para incentivar e promover uma maior reciclabilidade e uma economia mais circular”. E, disse, vários desafios aqui se colocam: “creio que o principal enfoque das Entidades Gestoras (EG) no futuro vai ser atacar os elos mais fracos da cadeia de valor”, que são a segregação na origem e a descontaminação.
Assim, para “conseguirmos atingir estes elevados níveis de reciclabilidade e de incorporação dos materiais de novo no ciclo produtivo — ou seja, os que são produzidos a partir dos resíduos —, eles precisam de ter qualidade. Por isso, um dos grandes objetivos daquele fluxo financeiro deve ser para garantir e incentivar a segregação na origem”. E, quando falamos na segregação na origem, vai ser mais fácil trabalhar com as grandes empresas e grandes operadores, mas temos também de atingir os pequenos: “Por exemplo, o pequeno empreiteiro que vai a nossa casa fazer uma cozinha”, exemplifica Carlos Raimundo.
Isto porque, referiu, neste campo, a construção é um dos setores críticos: “Se olharmos para um contentor perto de uma obra, verificamos que, dentro daquele, mais de 60% dos resíduos estão todos misturados e, consequentemente, não vão ter qualquer aproveitamento, são embalagens. Porque o mundo hoje circula todo embalado”. Mas, de acordo com o Assessor da Direção da AEPSA, aquele fluxo financeiro deve ainda ser canalizado para garantir que mais materiais possam ser reciclados através da descontaminação. “Hoje temos uma gama de produtos que não são reciclados porque estão contaminados. Por exemplo, as sacas de cimento, que, no fundo, são sacas de papel, mas não são recicladas porque têm vestígios de cimento. Mas se financiarmos a descontaminação dessas sacas de cimento, esse papel é perfeitamente reciclável”, explica.
“Monitorizamos os nossos números diariamente”
Uma das principais ferramentas implementadas aquando do início de atividade da Porto Ambiente foi, como referiu Luís Assunção, Vice-Presidente da Porto Ambiente, a monitorização diária dos números/dados da recolha e reciclagem. E isso veio fazer toda a diferença, informou o responsável. Inserido na realidade da Lipor, a Porto Ambiente foi fundada em 2017 e, segundo os dados apresentados por Luís Assunção, muito mudou desde esse momento. Apesar do aumento global de produção de resíduos (+1,32%), os resíduos recolhidos seletivamente aumentaram 43,2% e o indiferenciado reduziu 7,8%. Quanto à recolha seletiva de embalagens aumentou 63%, o papel 48% e o vidro 27%. No que concerne à recolha seletiva de resíduos alimentares subiu 81%.
O que mudou para alcançarem estes números? O Vice-Presidente da Porto Ambiente esclarece: “Aumentámos brutalmente o número de ecopontos na cidade. Nos locais de casas unifamiliares, temos vindo a implementar sistemas de porta a porta. No comércio, principalmente no centro do Porto, temos vindo a aumentar o sistema de porta a porta na recolha de embalagens. No canal HORECA, fazemos, desde 2009, recolha dos resíduos alimentares, no âmbito do qual temos vindo a aumentar o número de aderentes”. Ainda, como afirmou Luís Assunção, há locais onde os resíduos alimentares são recolhidos duas vezes ao dia. Isto porque muitos estabelecimentos não têm espaço para guardar os resíduos e se a recolha não for realizada duas vezes, vão acabar por colocar os resíduos no contentor de proximidade. O orador deixa outros exemplos de medidas tomadas pela Porto Ambiente: “Quando fazemos a recolha porta a porta, retiramos o contentor de proximidade e só recolhemos indiferenciados uma vez por semana. Desde 2019, já reduzimos quatro circuitos de indiferenciados.”
Já nos locais onde foi implementada a recolha seletiva de orgânicos, a recolha seletiva de embalagens, vidro e papel aumentou exponencialmente: “Tanto que fomos obrigados a aumentar circuitos de recolha seletiva para garantir que os ecopontos têm sempre capacidade de os receber”. Quanto ao tema dos incentivos, Luís Assunção esclarece que quando a Porto Ambiente entrega na Lipor um resíduo que não é indiferenciado, não paga o tratamento. “E é esse objetivo que prosseguimos todos dias, mantendo a cobertura de custos e podendo, assim, ter uma tarifa adequada para o cidadão”.
A recolha continua a ser o parente pobre da gestão de resíduos
Durante a sessão de perguntas e respostas do Painel Ill, Luís Realista, Membro do Conselho de Administração da AVE – Gestão Ambiental e Valorização Energética S.A., interveio referindo que a recolha, a intensificação de circuitos e a progressividade dos valores de contrapartida são essenciais para aumentar taxas de separação e reciclagem rumo ao cumprimento de metas. “É no ato de recolher, na disponibilidade do ecoponto e no valor da remuneração de tonelada de recolha, de vidro, de papel ou embalagem”, que se pode fazer a diferença. E acrescentou ainda: com valores de contrapartida por escalões de progressão, há “um incentivo, uma atração direta a fazer mais, a ter competitividade na recolha, a investir mais nos cadernos de encargos das prestações de serviços”. Por outro lado, lembrou Luís Realista, não podemos deixar de ter em conta a sazonalidade da gestão de resíduos: “Temos muito a aprender na gestão de resíduos de acordo com o que a distribuição faz, ou como os supermercados se aprovisionam. Se virmos as prateleiras dos supermercados reforçadas, passados três dias esses produtos vão estar no contentor”.