Jornal Económico
Pedro Nazareth, CEO do Electrão, assume que o país tem um longo caminho a percorrer no tema da reciclagem, numa altura em que a União Europeia aprovou um novo regulamento para as pilhas e baterias portáteis. “Há materiais de grande perigosidade que estão a ficar enterrados todos os anos e sem possibilidade de recuperação”, refere. O novo regulamento europeu para pilhas e baterias foi aprovado e publicado a 28 de julho e entrará em vigor nos próximos 20 dias. O regulamento fixa metas ambiciosas de recolha de pilhas e baterias portáteis em fim de vida (63% até final de 2027 e 73% até final de 2030) e introduz um objetivo específico de recolha de baterias de meios de transporte ligeiros (51% até final de 2028 e 61% até final de 2031). Por outro lado, a meta de valorização do lítio a partir de resíduos de pilhas e baterias é de 50% até 2027 e de 80% até final de 2031, o que poderá ser ainda alterado através de atos delegados em função da evolução do mercado e da tecnologia e da disponibilidade de lítio. Já a meta de reciclagem para as baterias de níquel-cádmio é fixada em 80% até ao final de 2025 e em 50% até ao final de 2025 para outros resíduos de baterias. Em Portugal, a associação de gestão de resíduos Electrão acompanhou todo o processo de forma a adaptar o sistema aos novos requisitos e acredita que as medidas a implementar são globalmente positivas. Contudo, em entrevista ao Jornal Económico (JE), Pedro Nazareth, CEO do Electrão, deixa vários alertas para os “maus resultados de Portugal na reciclagem”, em particular das pilhas e baterias portáteis, onde o país recicla sensivelmente 20% do que é colocado no mercado. Como olham para este regulamento? Este regulamento de alguma forma tem um contexto que já não é novo, por assim dizer. Bruxelas já tinha um conjunto de ambições ambientais para a gestão de fim de vida, das baterias e das pilhas usadas, que era a diretiva de baterias, que foi publicada em 2006. Aí pela primeira vez houve uma iniciativa política com um conjunto de ambições ambientais para promover a recolha e a reciclagem das pilhas e baterias que eram descartadas. Tem sido sensivelmente este o pacote legislativo que tem norteado a ação da gestão de resíduos nos Estados membros da União Europeia. Especificamente sobre baterias muito mais tarde, em 2018 e já num contexto muito atual surge um plano de ação para o desenvolvimento da cadeia de valor das baterias na Europa, porque aí já se reconhecia um conjunto de questões, sobretudo de natureza geoestratégica. A Europa procurou colocar aqui um plano de ação para o estabelecimento de uma cadeia de valor no espaço europeu. Recentemente começou a ser trabalhado o regulamento das baterias que viu a sua publicação no dia 28 julho e que vai entrar em vigor 20 dias depois. É verdade que é um diploma que não entra logo em vigor no seu conjunto de disposições, há um conjunto de derrogações. Diria que nos próximos dois, três anos vamos começar a sentir este diploma diretamente, não por assim dizer, “rodriguinhos nacionais”. É letra de lei e os Estados-Membros têm de se conformar e organizar os seus mercados nesse sentido. Porque surgiu este regulamento? Começou-se a reconhecer que para operar esta transição de modelo económico alinhada com a descarbonização e a estratégia de reforço da mobilidade elétrica, havia uma grande dependência europeia de um conjunto de materiais e de um conjunto de cadeias de valor, de produção de elementos e de tecnologias que não tinham expressão no solo europeu. Estou a falar não só da mineração do cobre, do níquel, do cobalto, do lítio, da grafite, de terras raras. Há todo um conjunto de elementos que a Europa não tem ou, tendo, não estava a aproveitar no seu subsolo. Isto é uma limitação do ponto de partida, a que se soma uma limitação de não ter no espaço europeu também uma capacidade instalada para a produção destes componentes e materiais e para a manufatura destas tecnologias que são imprescindíveis para a tal transição digital e verde. Quais são essas tecnologias? Estou a falar dos fotovoltaicos, cuja produção está toda centrada na China, na produção das baterias de iões de lítio. O lítio apesar de não estar na China, a verdade é que toda a capacidade de produção destas baterias está em solo chinês. Basicamente há um conjunto de orientações estratégicas que dizem “vamos então operar isto e entrar no novo modelo económico”. Mas este modelo económico tem por base um conjunto de tecnologias, que têm por base um conjunto de fábricas de manufatura e de mineração e de acesso a elementos que a Europa não tem. É uma forma de tentar travar esta dependência da Europa em relação à China? Não diria que é um problema chinês. É um problema de geoestratégia. Ou seja, sem dúvida que há determinadas tecnologias ou elementos que estão muitíssimo concentrados, sendo que a China é um player incontornável, mas há mais aspetos. Se falar do cobalto consigo dizer que é um elemento imprescindível nas baterias de iões de lítio e a mineração de 80% ou 90% do cobalto está na República Democrática do Congo. Num contexto onde queremos descarbonizar, reforçar a mobilidade elétrica e tecnologias verdes para operar a transição do modelo económico, têm que se procurar estratégias alternativas para combater ou criar caminhos para a Europa poder ser autossuficiente nesta transição do modelo económico. Os materiais que não estão no subsolo não os podemos extrair, mas pode diversificar-se a política de abastecimento destes materiais. Pode incentivar-se a uma reindustrialização da Europa para ter alguma capacidade de processamento destes materiais em solo europeu. Pode olhar-se para as minas urbanas que temos em nossas casas. São os produtos que consumimos e que já têm estes materiais lá. Não são as minas tradicionais de subsolo ou escavação, são os milhões de toneladas de produtos de bens de consumo que já incorporam um conjunto de materiais que nós estamos à procura: o cobre, o níquel, o cobalto, o lítio, as terras raras. A União Europeia está preparada para estes desafios ou depende daquilo que é a sensibilidade de cada país para o tema da reciclagem? Vou responder de três formas. Primeiro dizer que o tema é tão relevante no quadro da União Europeia, que já há inclusive iniciativas legislativas, como é o caso da diretiva das matérias-primas críticas que estão em discussão neste momento. Ou seja, já não se está somente a ir por via da reciclagem de produtos, já estão com iniciativas que identificam quais as suas matérias-primas críticas e que estabelecem objetivos em concreto relativamente ao aproveitamento, à diversificação e autossuficiência no abastecimento de matérias-primas críticas. Por outro lado, dizer que, mesmo que haja sensibilidades diversas de diferentes Estados-Membros, a verdade é que penso que é consensual a estratégia de descarbonização, os compromissos de descarbonização da economia europeia e em particular, estribados na mobilidade elétrica. Só estas duas estratégias e só o compromisso da maior parte dos países europeus para estes dois objetivos de transição do modelo económico implicam necessariamente que a reciclagem seja vista com outros olhos, porque a reciclagem, numa fase inicial do seu estabelecimento enquanto sector de atividade económica, procurava responder a dois grandes desafios: um era a acumulação insustentável de resíduos, temos que lhes dar algum destino e o segundo era ao aproveitamento e ao tratamento de alguns materiais que estavam em presença nesses resíduos. Como é vista a reciclagem atualmente? Já não é só uma questão da reciclagem em si, da acumulação insustentável de resíduos, da defesa da saúde humana e do ambiente. A reciclagem em si é uma atividade que permite reduzir a pegada carbónica e alinhar com os objetivos que temos em matéria de descarbonização. Por outro lado, uma reciclagem ajustada, bem-feita, permite aceder a matérias-primas críticas, sem as quais não vamos conseguir operar esta transição de modelo energético, mobilidade elétrica e das tecnologias de suporte a esta alteração do modelo económico. Em que posição está Portugal em termos de reciclagem? Temos um desafio enorme enquanto país em matéria de reciclagem. A grande maioria destes resíduos inserem-se nos resíduos urbanos, ou seja, os resíduos que produzimos em nossas casas. Portugal produz sensivelmente cinco milhões de toneladas todos os anos. Enterra três milhões, recicla um milhão e valoriza energeticamente outro milhão de toneladas. Dentro destes resíduos temos os elétricos, as pilhas e embalagens. Os resultados efetivamente não são bons. Portugal não tem conseguido organizar-se para ter sistemas de recolha e reciclagem e entregar os resultados à altura das emissões que temos. As baterias não são exceção, temos boas e más novidades no sistema elétrico hoje em Portugal, em que o Electrão participa na recolha e reciclagem de pilhas e baterias. Dividimos isto em dois mundos: as pilhas e baterias portáteis e as pilhas industriais. Efetivamente, nas pilhas portáteis temos maus resultados de reciclagem. Portugal recicla sensivelmente 20% do que é colocado no mercado destas pilhas e baterias. Portugal tem então de abreviar caminho… Sem dúvida. Nós enquanto Electrão temos crescido as quantidades, somos um agente importante no sistema, na medida em que financiamos toda esta atividade. Recolher, reciclar e tratar de pilhas e baterias tem um custo. Entidades como o Electrão que são organizadores do funcionamento deste sistema e não o fazem autonomamente, naturalmente, mas somos organizadores e financiadores do sistema. Falei dos maus resultados nas pilhas portáteis. Deixe-me falar dos bons resultados nas pilhas industriais. Portugal funciona bastante bem, temos cumprido recorrentemente a meta de 100%. A dificuldade tem sido sobretudo com as pilhas de casa, do cidadão e empresas. Infelizmente muitas pessoas não se mobilizam e despejam estas pilhas diretamente no balde do lixo, o que significa que estas pilhas estão a ser enterradas no subsolo português. É um crime ambiental para não dizer um crime económico. Há materiais de grande perigosidade que estão a ficar enterrados todos os anos e sem possibilidade de recuperação. Têm feito contactos com o Governo, nomeadamente o Ministério do Ambiente para criar algum tipo de sinergia para com estes desafios? Sim, temos tido diversos contactos ao nível da secretaria de Estado do Ambiente e do Turismo. Regra geral tocamos o tema dos elétricos e das pilhas em conjunto, porque os problemas são muito semelhantes. Há muita eletrónica de consumo que também não é reciclada e as pilhas vão em conjunto para o lixo comum. Este é um dos problemas que estamos a querer atacar. Agora temos o impulso deste novo regulamento. Não é para amanhã, são 24 meses até os países implementarem estas alterações e reformarem estes temas. Admito que este regulamento vá dar um verdadeiro impulso para que estes números da reciclagem descolem.