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A presidente do regulador da água e resíduos defende que os preços destes serviços devem aumentar e deixar de ser subsidiados, o que não poria em causa a acessibilidade económica dos serviços. A presidente da Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos (ERSAR), Vera Eiró, defende que as tarifas dos serviços que a ERSAR regula devem deixar de ser subsidiadas no seu custo de exploração, e que tal decisão não poria em causa a acessibilidade económica do serviço. Este ano, estas tarifas deveriam mesmo aumentar, recomenda, ao mesmo tempo que nota que, sobretudo nos serviços não empresarializados, as decisões tarifárias são por vezes influenciadas por “pressões não técnicas”, ou seja polítocas, que podem pôr em causa a sustentabilidade de serviço. Revela ainda que, tal como foi estimado no âmbito do plano estratégico para o setor da água para a próxima década, cuja Avaliação Ambiental foi colocada esta terça-feira em consulta pública, será necessário investir cerca de 5.500 milhões de euros para garantir a qualidade de serviço, uma quantia que não necessitaria de outro financiamento senão um aumento sustentado das tarifas Quais são as prioridades da ERSAR para 2023? A principal prioridade é conseguirmos manter o trabalho que fazemos. Porque manter é difícil. Além disso, temos que melhorar, que é a segunda prioridade. Outro tema que consideramos fundamental nestes serviços é a governança. A boa governança significa que as instituições e todas as pessoas que trabalham neste setor se conseguem relacionar bem, de uma forma equilibrada. É imprescindível. E a terceira prioridade: temas críticos do setor. Há um caminho que Portugal pode fazer nos ganhos de eficiência. A eficiência é como se fosse um cenário zero para a melhoria. Temos mesmo que avançar por aqui . Logo, uma prioridade da ERSAR é disponibilizar instrumentos e informação para que as entidades gestoras possam monitorizar melhor as perdas reais de água nos seus sistemas, e assim incentivar um maior investimento na manutenção e reabilitação das redes, para que haja menos perdas reais de água. Outra prioridade, que se liga com a governança e as perdas, é ajudar as entidades a organizarem-se melhor, sobretudo ajudar entidades que servem menos consumidores a agregarem-se para terem maior capacidade técnica. Na gestão de resíduos sólidos urbanos temos também muitos desafios. Aqui o tema dos biorresíduos é muito relevante e a passagem para o tarifário PAYT [Pay As You Throw, em que cada um paga por aquilo que consome de resíduos] também. Na governança, que problemas vê? Neste setor temos muitos intervenientes, só na água são 255 entidades gestoras. Regulamos um total de 354 entidades, somando a água, saneamento e resíduos urbanos. É imenso. Há uma diversidade imensa de modelos de gestão e, portanto, é um setor muito complexo. Da perspetiva da ERSAR não existe uma preferência por nenhum modelo de gestão. O importante é que os serviços tenham qualidade e sejam sustentáveis. O que notamos, porém, é que quando os serviços não são empresarializados, a sua gestão nem sempre assenta em critérios técnicos e profissionais . Não aumentar tarifas, baixar a tarifa em ano pré-eleitoral, são mensagens que os consumidores podem gostar, mas porque não estão a ver para além do que é visível; podem não estar a ver que a qualidade do seu serviço está pior, que estes serviços estão a ser subsidiados e que, no que respeita à sustentabilidade económica e financeira, este tipo de decisões são um risco enorme e põem em causa aquilo que vão entregar aos seus filhos. Da perspetiva da entidade reguladora, seria preferível, a bem dos serviços e a bem dos consumidores, os de hoje e os de amanhã, que o regulador pudesse ter uma maior intervenção quando os tarifários estão a sofrer estas pressões, que não são pressões técnicas. Outra questão importante é garantir que quando os municípios se juntam e se agregam, há incentivos para se manterem juntos e para prescindirem de alguma forma do poder que têm, em benefício do serviço e da qualidade de vida das pessoas. O valor médio do metro cúbico de água, que são 1.000 litros, corresponde a três cafés. É preciso pôr em perspetiva. As tarifas deviam deixar de ser subsidiadas? Sim. Na minha opinião, sim. Mas esta resposta não pode ser dada sem termos presente uma questão importantíssima: estes são serviços públicos essenciais. Estamos a tratar de um direito fundamental, o que significa que ninguém pode ficar para trás. Portanto, a minha resposta é sim: as tarifas devem deixar de ser subsidiadas e devem traduzir o custo real do serviço. Mas tem que haver uma tarifa social que garanta que quem não pode pagar este serviço público essencial não deixa de lhe ter acesso. No entanto, há uma mensagem que também não é muito popular e que importa passar: a verdade é que, mesmo aumentando as tarifas para garantir a cobertura real de gastos do serviço, o que a ERSAR calcula é que não ficará em causa, em termos gerais, a acessibilidade económica ao serviço. Genericamente, não estamos a falar de tarifas que não sejam suportáveis pela generalidade da população. Quando pensamos na conta da água, a maioria das pessoas não sabe exatamente quanto é que paga de água e não sabe, por exemplo, que o valor médio do metro cúbico de água, que são 1.000 litros, corresponde a três cafés. É preciso pôr em perspetiva. A verdade é que nós estamos a falar de uma conta que pode ser cinco vezes inferior face à conta que pagamos pelas telecomunicações. Estamos a falar de água e de gestão de resíduos urbanos e de saneamento. Portanto, não estou a menorizar quaisquer aumentos que ocorram, mas é também necessário dar a perspetiva de que estes serviços, para serem sustentáveis, não devem, em princípio, ser subsidiados. Os grandes investimentos podem ser objeto de subsidiação mas, o que corresponda à operação do sistema, deve ser garantido através do princípio do utilizador-pagador. Apesar de não ser decisão da ERSAR, este ano deverão haver aumentos de preços? A decisão final tarifária em baixa [a conta que recebemos em casa] é tomada apenas pelos municípios e ainda não temos os dados finais sobre essas opções para 2023. Podemos para já referir o que vai acontecer no abastecimento de água em alta, que é uma parte da tarifa que chega aos consumidores. Temos o setor dividido em alta e em baixa. A alta está relacionada com a captação e tratamento na origem. Depois chega à baixa, para os municípios distribuírem pelos consumidores. E no abastecimento de água em alta temos nota de uma atualização tarifária em torno dos 2% Os custos no abastecimento de água em baixa são diferentes e podem justificar aumentos superiores, que acomodem mais do que o aumento em alta. Às vezes acontece que, por força das pressões que já referi, há municípios que não aumentam tarifários ou que não cobram tarifa de saneamento. E depois, o que vemos na prática, infelizmente, não corresponde àquilo que deveria ser. Mas pelo menos o aumento da tarifa no abastecimento em alta deveria ser contabilizado na tarifa de abastecimento em baixa. As tarifas [da água] devem deixar de ser subsidiadas e devem traduzir o custo real do serviço. (…) não ficará em causa a acessibilidade económica. Que investimento é necessário para dar resposta às prioridades da ERSAR em 2023? Não somos nós que fazemos os investimentos nestas atividades do setor, são as entidades gestoras. A ERSAR dispõe de receitas próprias para as suas atividades, taxas de regulação, e há dez anos que as nossas receitas não aumentam. Temos conseguido desenvolver as nossas atividades com bastante sucesso, porque conseguimos ganhos de eficiência muito relevantes. Conseguimos que as nossas atividades fossem cada vez mais digitais e mais integradas, o que nos permitiu fazer mais com menos. Estamos numa fase em que seria necessário fazer uma atualização do nosso orçamento. Agora não existe uma situação equitativa no que respeita às entidades que contribuem para o orçamento da ERSAR. Há entidades que regulamos e que não estão legalmente sujeitas a taxas de regulação. Seria adequado garantir que todas estão sujeitas , sem aumento da taxa. Isso já nos daria para implementar os sistemas que entendemos que deveríamos implementar, o que permitiria, por exemplo, termos indicadores de qualidade de serviço em tempo real . Isso implica uma adaptação enorme dos sistemas informáticos e um enorme esforço de monitorização e auditoria dos dados que nos são reportados. Os investimentos que são necessários para garantir a qualidade do serviço que se pretende para o abastecimento de água e tratamento de águas residuais, estão na ordem dos 5.500 milhões de euros. Apesar de não ser a ERSAR a fazer todos os investimentos, tem uma estimativa do que seria necessário para concretizar as prioridades? Aquilo que nós sabemos, e porque tivemos também diretamente envolvidos na preparação do PENSAARP [Plano Estratégico para o Setor da Água, de Abastecimento e de Saneamento], é que os investimentos que são necessários para garantir a qualidade do serviço que se pretende estão na ordem dos 5.500 milhões de euros É um investimento bastante considerável para um cenário que não é o ideal, mas é um bom cenário de desenvolvimento dos serviços. Segundo o plano estratégico, é possível garantir este investimento com o aumento dos tarifários e com tarifas que garantem a acessibilidade económica dos serviços. Esses 5.500 milhões de euros podiam ser financiados na totalidade só através de tarifas? Sim. Essa conta é feita no PENSAARP. Mas implica, claro, muita coragem. (Entrevista realizada a 23 de janeiro para publicação na revista anual do Capital Verde, o Yearbook, que estará em breve nas bancas)