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Na sua primeira entrevista desde que é secretário de Estado do Ambiente, Hugo Pires reconhece que muitos aterros nacionais “estão a chegar ao seu limite”. A solução, inscrita no PERSU2030, passa por reduzir a produção de resíduos e a sua deposição em aterro dos atuais 56% para 10% em 2035. Quando o tema é lixo e aterros, Portugal não fica bem na fotografia. Depois de o próprio ministro Duarte Cordeiro já ter admitido no Parlamento que o país aumentou a sua produção de resíduos urbanos em 72 quilos por habitante, reconhecendo que o Governo não se orgulha da situação, o secretário do Ambiente, Hugo Pires, também confirmou o problema, em entrevista ao Negócios. Por ano, cada português produz mais de meia tonelada de lixo (1,4 kg/dia) que, na sua maioria, vai parar invariavelmente a um dos 34 aterros que existem no país, um deles inaugurado em 2021. O governante não põe de parte que novos aterros venham a surgir no país e admite que, a médio prazo, muitos deles estão mesmo a chegar ao seu limite. “Não estamos a dizer que nunca mais existirão aterros. Para não abrirmos novos temos de acelerar as políticas de redução” De acordo com dados do novo Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PERSU 2030), em 2021 Portugal já só tinha disponível menos de um quarto (24%) da capacidade de deposição em aterro (15,4 milhões de toneladas). “Facilmente se conclui que este não é um cenário confortável”, diz o próprio documento. E acrescenta que “a diminuição da vida útil dos aterros já um problema em algumas zonas do país”. O PERSU 2030 prevê mesmo a realização de um estudo para “avaliar a autossuficiência do país em matéria de capacidade de aterros, assim como localizações para a construção de novos aterros”. Quanto ao lixo importado de outros países, o seu volume acabou por reduzir-se nos últimos anos: em 2021 entraram 264,8 mil toneladas de resíduos em Portugal, vindos de Itália (32,3%), Reino Unido (18,9%), França (10,7%), Países Baixos (8,6%), entre outros países, o que representa uma queda de 103,7 mil toneladas (-28,1%) relativamente a 2020. Em sentido contrário, o país exportou 72,6 mil toneladas de lixo (sobretudo resíduos perigosos) para Espanha (97,4%). Só 10% em aterro em 2035 O secretário de Estado diz que “é verdade que nos últimos anos Portugal aumentou a produção de resíduos para para 513 quilos por habitante/ano, mas isso aconteceu porque há crescimento económico e um maior consumo. Um dos grandes objetivos do PERSU 2030 é dissociar o crescimento económico do consumo de recursos, passando para uma economia mais circular”, disse o governante na sua primeira entrevista desde que tomou posse, em janeiro. De acordo com os dados do INE e da Agência Portuguesa do Ambiente, em 2021 foram produzidos e recolhidos 5,3 milhões de toneladas de resíduos urbanos, sendo a meta do Governo reduzir esse valor para metade. Em 2035 apenas 10% dos resíduos deverão ser direcionados para aterro, enquanto neste momento essa percentagem está nos 56%. “É evidente que não estamos satisfeitos com o percurso feito até aqui queremos acelerar, sermos mais ambiciosos e fazer melhor”, disse Hugo Pires. Para isso, o PERSU avalia que serão necessários investimentos totais na ordem dos 809 milhões de euros. Isto só no que diz respeito às 23 entidades gestoras de resíduos urbanos (SGRU) em alta, que vão depois fazer refletir esse custos nas tarifas que vão cobrar aos municípios que lhes entregam os resíduos para tratar. Destes 809 milhões, 475 milhões serão investidos para aumentar a capacidade de tratamento de resíduos e reconverter instalações, somando-se ainda mais 334 milhões de euros “para adaptação das unidades de tratamento mecânico e biológico e investimento em novas valorizações orgânicas”, no contexto de obrigatoriedade de recolha seletiva de biorresíduos a partir de 1 de janeiro de 2024. No entanto, este valor pode ainda aumentar, tendo em conta que “as necessidades de investimento em baixa só serão conhecidas em sede de apresentação dos planos de ação no âmbito do PERSU, que os municípios vão estar a preparar durante este ano”. E de onde virá todo este dinheiro para construir ou ampliar instalações de triagem para receberem resíduos da recolha seletiva multimaterial (biorresíduos, papel, cartão, plástico, vidro, indiferenciado), e para aumentar as instalações de valorização orgânica para terem capacidade de processar biorresíduos? Hugo Pires esclarece: “Estão previstos 600 milhões de euros para investir. Será sobretudo dinheiro do PT2030, cerca de meio milhão, o restante virá de outras fontes. O Ministério do Ambiente, em articulação com o Ministério da Coesão Territorial, identificará as prioridades em vários pontos do país para investir”. As verbas deste pacote financeiro serão geridas pelas respetivas comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR) tendo em conta “as fragilidades e necessidades de cada região, em articulação com as metas do PERSU”. O investimento necessário no setor dos resíduos virá também da devolução da Taxa de Gestão de Resíduos (TGR) às entidades gestoras para reinvestirem em projetos que promovam a recolha seletiva e tratamento de biorresíduos. “A prevenção da produção de resíduos é o primeiro ponto estratégico que nós temos no PERSU. Isto faz-se com o plano de ação para a economia circular, com o combate ao desperdício alimentar, com o fomento de um programa de compras para a administração pública”, garante Hugo Pires, acrescentando que “a grande novidade deste plano é a corresponsabilização dos municípios na separação do lixo indiferenciado e dos biorresíduos”. Os números mostram que 37% dos resíduos urbanos em Portugal são biorresíduos. “Temos que conseguir separar esses resíduos sólidos orgânicos para a produção de biogás, fertilizantes, etc. E depois há também todo o restante fluxo multimaterial. A nossa meta é chegarmos a 2030 com 60% desse material reciclável”, diz o secretário de Estado.