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Maus resultados da recolha de equipamento eléctrico e electrónico em fim de vida preocupam associação ambientalista e entidades gestoras. Falta de fiscalização é parte do problema. Quando os dados da Eurostat sobre a quantidade de resíduos de equipamento eléctricos e electrónicos (REEE) recolhidos em 2020 pelos Estados-membros da União Europeia (UE) foram publicados, em Novembro do ano passado, o mau resultado de Portugal foi notícia . O país tinha recolhido apenas 32,89% em relação à média dos três anos anteriores, ficando muito abaixo da meta europeia de 65%. O maior problema desta prestação tão baixa não é a falha na reciclagem em si dos materiais. “O que está em causa é a parte perigosa dos REEE para o ambiente e para a saúde. Ou seja, o sistema de reciclagem garante que os resíduos sejam recolhidos em condições e que sejam encaminhados para empresas que façam o tratamento bem feito”, explica ao PÚBLICO Rui Berkemeier, ambientalista da associação Zero. “Se isto fosse só metal, o metal segue o seu caminho.” Mesmo que o metal seja reciclado no mercado paralelo e não no oficial, ele acabará por ser reciclado. Mas se os resíduos não forem bem tratados, então os contaminantes vão entrar no ambiente. No caso das lâmpadas fluorescentes, o mercúrio pode contaminar solos e lençóis freáticos. No caso dos gases de refrigeração dos frigoríficos, estes podem ir para a atmosfera alimentando o efeito de estufa Um exemplo positivo que tínhamos estava no tratamento e da reciclagem de lâmpadas fluorescentes. Mas a Ambicare Industrial, que desde 2003 fazia o tratamento de lâmpadas fluorescentes, já anunciou que em Abril vai deixar de realizar esta actividade por falta de material. “As lâmpadas fluorescentes e os resíduos dos frigoríficos eram os problemas mais importantes que as entidades gestoras deviam tratar”, diz António Costa de Almeida, sócio-gerente da Ambicare Industrial, referindo-se ao trabalho das três entidades gestoras de resíduos que trabalham em Portugal: o Electrão, a ERP Portugal e a E-Cycle. Revisão da directiva? Entre 2016 e 2018, a meta europeia da recolha de REEE era de 45%: para dado ano, cada Estado-membro da UE tinha de recolher em REEE 45% do peso equivalente à média do peso em EEE colocado no mercado nos três anos anteriores. Por exemplo, a média anual de equipamentos eléctricos e electrónicos que entrou no mercado português no triénio de 2014, 2015 e 2016 foi de 129.980 toneladas. Por isso, em 2017, Portugal tinha de ter recolhido em REEE pelo menos 45% daquele valor, 58.491 toneladas. O pensamento que está por trás desta conta é que os novos equipamentos que chegam ao mercado e são adquiridos pelos consumidores vão substituir, numa boa parte dos casos, o equipamento antigo. Se tudo correr bem, esse equipamento antigo entra no ciclo de reciclagem oficial e é tratado como deve de ser. Mas em 2019 a meta europeia passou a ser de 65%. Houve uma subida na exigência do que se espera que os Estados-membros recolham e reciclem. Poucos países conseguiram acompanhar aquele aumento de 20%. A prestação de Portugal em 2020 revelou-se particularmente baixa A pandemia não explica os resultados, já que em 2019 a percentagem recolhida foi praticamente igual, de 33,01%, ficando até abaixo da meta dos 45%. O Ministério do Ambiente e Acção Climática tenta contextualizar os números. “As metas a cumprir são um desafio ao qual Portugal tem de responder, tendo presente que o consumo de EEE tem aumentado significativamente nos últimos anos e que estes não se transformam em resíduos no mesmo ano em que são colocados no mercado”, segundo um esclarecimento enviado ao PÚBLICO. No entanto, a meta comunitária não exige a recolha de 100% da média dos três anos anteriores, mas de 65%, ficando assim acautelado os casos em que os consumidores estão a comprar um equipamento pela primeira vez. Além disso, o patamar de Portugal está muitíssimo abaixo dos 65%, o que esvazia o argumento. “Em 2020, apenas três Estados-membros da UE cumpriram a meta comunitária, tendo a UE já suscitado a necessidade da revisão da directiva”, acrescenta ainda o Ministério do Ambiente. Rui Berkemeier desconhece aquele facto, mas critica a posição do ministério. “Que eu saiba não há nenhuma consulta pública sobre a directiva”, diz. “Mas parece que Portugal acha bem que se recolha menos de 65% dos frigoríficos. Acham bem porque não querem fazer nada. Estão do lado dos lobbies em vez de estarem do lado do ambiente e da saúde pública.” Falta de fiscalização Há novas medidas em andamento. Já entrou em vigor a “obrigatoriedade de entrega de REEE de categorias perigosas na rede da entidade gestora”, de acordo com o Ministério do Ambiente. E está em preparação um despacho para o “estabelecimento de contrapartidas para os sistemas de gestão de resíduos urbanos e distribuição diferenciada pela qualidade do resíduo”. Além disso, o ministério defende uma aposta na informação e na comunicação, para que os consumidores não retenham os equipamentos electrónicos velhos em casa. Mas a questão do mercado paralelo é uma das maiores preocupações tanto das entidades gestoras, como dos ambientalistas, que acusam as autoridades de não estarem a fazer o suficiente. “O mercado paralelo é endémico, ele funciona à margem da lei, ele processa irregularmente os resíduos“, disse em Fevereiro Pedro Nazareth, director-executivo do Electrão, na Comissão de Ambiente e Energia na Assembleia da República. A declaração foi dada durante uma audição sobre o tratamento de REEE, onde Rui Berkemeier foi ouvido enquanto representante da Zero, além de responsáveis da Associação Portuguesa de Operadores de Gestão de Resíduos e Recicladores (Apoger), da Associação das Empresas Portuguesas para o Sector do Ambiente (AEPSA) e das três entidades gestoras. Os frigoríficos são um exemplo paradigmático, já que são um bem cobiçado por causa do seu metal. Em 2021, uma operação lançada pelas entidades gestoras em parceria com as comissões de coordenação e desenvolvimento regionais, o Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente, a Polícia de Segurança Pública e a APA, tentou avaliar a percentagem de REEE que iam parar ao mercado paralelo. Para isso, instalou-se dispositivos de GPS em equipamentos como frigoríficos e outros REEE, que foram colocados para reciclar pelos meios disponibilizados aos cidadãos. O resultado da experiência mostrou a dimensão do problema. “Cerca de 65% dos REEE recolhidos eram desviados para operadores ilegais, tendo essa situação sido comunicada às autoridades ambientais”, lê-se num comunicado que a Zero lançou há algum tempo, onde avaliava a gestão portuguesa dos REEE. A questão também foi levantada durante a audição. “Não há recolha, nem há fiscalização. Está tudo bem, quem sofre é o ambiente. Nisso o Ministério do Ambiente tem culpa a 100%”, desabafa Rui Berkemeier ao PÚBLICO, questionando se os operadores com actividades ilegais descobertos durante aquela operação foram alvo de fiscalização, já que poderiam se tornar em casos exemplares do risco de se enveredar no mercado paralelo. O ministério não deu uma resposta concreta sobre esta questão: “Este projecto encontra-se finalizado, encontrando-se em curso a compilação de toda a informação para elaboração do relatório final.”