Jornal Económico online 12/11/22
Os problemas com falta de água não estão lá longe, mas também por cá. Atores do sector apresentam soluções para evitar a escassez e melhorar a eficiência em Portugal. Mais de mil milhões de pessoas (incluindo 450 milhões de crianças) vivem em áreas de elevado risco de falta de água. Em Portugal, no final de outubro 32 das 59 albufeiras registavam níveis inferiores a 40% do volume total. A situação era mais dramática nas albufeiras do Barlavento (apenas 9% do total face à média histórica de 55%), Mira (35% vs 68%), Sado (36% vs 43%) e Arade (36% vs 37%). Mas se estes são os valores mais baixos, existem outras albufeiras onde, apesar dos valores serem mais altos, o intervalo é maior face à média histórica: Guadiana (60% vs 73%), Tejo (47% vs 62%), Douro (47% vs 57%), Oeste (44% vs 50%) e Cávado (47% vs 59%). O JE contactou com reguladores, empresas e especialistas para avaliar a atual situação em Portugal e tentar procurar soluções para o tema da falta de água. A presidente da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) destaca que a “água é um bem escasso. É verdade que ela existe por todo o país, mas os seus usos são conflituantes e os custos necessários para a levar até à torneira dos 10 milhões de consumidores são significativos, havendo todo um conjunto de atividades necessárias para garantir que essa água é segura, que o serviço é prestado com boa qualidade e a preços acessíveis. Começando por este último aspeto, os preços da água em Portugal são economicamente acessíveis. Em média, o encargo para os utilizadores finais com os serviços de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais é de cerca de 20€/mês, o que constitui um valor inferior a 1% do rendimento médio disponível das famílias em todos os municípios, um valor considerado internacionalmente como sendo acessível. A água em Portugal é também perfeitamente segura para o consumo humano: 99 % das análises realizadas em Portugal estão em conformidade com os padrões mais exigentes definidos a nível europeu. No que respeita à qualidade do serviço, temos uma situação mais heterogénea entre as várias entidades, pelo menos no que diz respeito à eficiência operacional, em particular no que diz respeito às perdas de água. Existem operadores que estão ao nível dos melhores a nível internacional, mas existem também outros que, por falta de conhecimentos técnicos, por falta de priorização destes investimentos, ou por falta de recursos financeiros para o fazer, porque possivelmente não estão a cobrar uma tarifa que permita assegurar esse financiamento, se encontram no nível de qualidade de serviço insatisfatória definido pela ERSAR”. No sector privado, o presidente da Associação das Empresas Portuguesas para o Sector do Ambiente (AEPSA), destaca que seca extrema que vivemos, em consequência das alterações climáticas, exige uma gestão adequada das redes públicas de abastecimento por parte das entidades gestoras. É preciso alterar a governance, já que não há qualquer justificação para o desperdício que se verifica na maioria das redes públicas. As empresas privadas concessionárias conseguiram atingir perdas da ordem de 17% e algumas registam mesmo perdas inferiores a 10%. No entanto, as entidades gestoras públicas, no seu conjunto, têm um valor médio de perdas de cerca de 31%, havendo municípios com perdas superiores a 70%. Só em perdas reais, verifica-se um valor anual de 170 Mm3, ou seja cerca de 20.000 m3 por hora. Reduzir o nível de perdas de água a nível nacional para os valores médios há muito conseguidos pelas concessionárias privadas, corresponde a um ganho de mais de 80 milhões de euros por ano e a água poupada dá para abastecer cerca de 1,5 milhões de portugueses. Acresce uma economia energética anual da ordem de 69 MKWh e uma redução de libertação de CO2 de 16.000 toneladas. A melhor e mais rápida solução para reduzir o desperdício são contratos em regime de remuneração por desempenho e incorporando uma garantia mínima de eficiência. Ainda subsiste a ideia errada que para reduzir perdas são necessários grandes investimentos de substituição de condutas. No entanto, é com a operação e manutenção adequadas da rede, envolvendo softwares específicos e investimentos muito inferiores na sectorização da rede e no controlo de pressões, que rapidamente se conseguem os objetivos”, segundo Eduardo Marques. Pelas empresas, a Indaqua defende que é “preciso uma alteração total a perspetiva setorial sobre os desperdícios de água, atribuindo responsabilidades às entidades gestoras. Isto é, em vez de o foco estar colocado apenas do lado do controlo do consumo (dos pequenos aos grandes consumidores), é fundamental que os operadores apresentem e implementem soluções para reduzir drasticamente o desperdício que acontece ao longo do abastecimento. Garantir o futuro da água começa na gestão e manutenção eficiente das redes, que deve ser cada vez mais auxiliada por tecnologias de monitorização que permitam uma identificação e resolução rápida de situações que levem ao desperdício – roturas, fugas, roubos de água. Para além disso, este sentido de compromisso e responsabilidade tem de ser alargado às entidades setoriais e governamentais, que devem implementar mecanismos que premeiem a eficiência. Este tema das perdas de água começa a marcar a agenda do setor. Contudo, o facto de a média de Água Não Faturada do país rondar, há pelo menos uma década, os 30% mostra a inércia e ineficiência crónicas que é necessário contrariar com grande urgência”, segundo Pedro Perdigão, presidente executivo da companhia. Por sua vez, a Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas (APDA) sublinha a necessidade de “aplicar com urgência as medidas previstas no PNUEA – Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água que estabelece como objetivos a alcançar como limites para as perdas de água, 20% no sector urbano, 35% na agricultura e 15% na indústria. Neste momento, a nível nacional, os indicadores de perdas conhecidos correspondem a 70% na agricultura, 30% na indústria e 30% no setor urbano. Há que envolver também os consumidores e os cidadãos em geral nas ações de combate ao desperdício e fomento do uso sustentado da água, agindo em permanência através de uma sensibilização de todos os estratos da população, que deverá começar nas escolas, incluindonos programas a preservação e valorização deste recurso central nas nossas vidas”, disse o seu presidente Rui Godinho. Já Carlos Coelho da Associação Portuguesa de Recursos Hídricos (APRH), começa por destacar o que se pode fazer para reduzir perdas no sector urbano: “passa pela renovação e reabilitação das infraestruturas degradadas, mas também pela otimização e gestão de pressões e a implementação de zonas de medição e controlo nos sistemas. É também fundamental reduzir as perdas de água e aumentar a eficiência no setor agrícola, atividade responsável pela maioria dos consumos em Portugal. Esta redução pode ser conseguida através da modernização e reabilitação das infraestruturas de regadio coletivo, pelo aumento da eficiência de rega, pela profissionalização e capacitação do sector, por aumentar e melhorar a monitorização dos consumos de rega e melhorar a gestão dos sistemas para reduzir as perdas de água”. Ao mesmo tempo, é preciso também “promover a utilização de água residual tratada/águas para reutilização (ApR), através de novos sistemas de desinfeção e do desenvolvimento de sistemas de distribuição de ApR, promover a dessalinização de água do mar e refletir sobre um tarifário que promova a poupança da água”.