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Ainda não há métodos eficazes para fazer reciclagem de têxteis. Governo prepara-se para cumprir estratégia e metas europeias com projeto-piloto de recolha seletiva. Milhares de toneladas de roupa usada continuam todos os anos a ser deitadas ao lixo pelos portugueses. No ano passado, mais de 230 mil toneladas foram produzidas e consideradas resíduos, ou seja, sem utilidade, segundo a Agência Portuguesa do Ambiente . São mais de quatro toneladas em cada uma das 52 semanas do ano. Não é possível fazer a triagem e a reciclagem dos têxteis no pós-consumo, sendo a maioria dos resíduos valorizados energeticamente (ou seja, incinerados). O Ministério do Ambiente vai iniciar projetos-piloto de recolha seletiva de roupa “a curto prazo”, tal como acontece com o plástico, o vidro e o papel. Em 2025, será obrigatória na União Europeia. Até 27 de novembro, está a decorrer a Semana Europeia da Prevenção de Resíduos: este ano dedicada aos têxteis. Apesar do peso diminuto no total de resíduos em serviços intermunicipais de tratamento e gestão como a Lipor (Grande Porto) ou a Valorsul (Grande Lisboa e região do Oeste), a quantidade de têxteis colocada no lixo é tida como significativa pelos especialistas. Em 2021, a Lipor recebeu mais de 20 mil toneladas (5% do total), já a Valorsul aceitou em média 16 mil toneladas por ano (2%). “São números acima [do desejado]”, afirma Sara Fernandes, gestora do projeto de circularidade de têxteis da Lipor. Além dos têxteis pós-consumo – todos os que são produzidos, adquiridos, usados e descartados -, a Lipor estima receber materiais de pré-consumo na recolha indiferenciada, geralmente restos da produção de “pequena confeção”. “Pode ser uma razão para termos uma percentagem tão elevada”, diz. Não é possível saber quanta da roupa deitada fora é, afinal, desperdício têxtil. Isto é, materiais que foram colocados no lixo e que podiam ter uma vida útil mais longa e continuar a ser usados, doados, reaproveitados ou reciclados. A Comissão Europeia estima que apenas 1% do vestuário mundial é reciclado como roupa. Menos de 5% para aterro “Há pessoas que nem colocam a roupa no contentor, mas à volta, caso alguém queira aproveitar. Os camiões passam e colocam tudo nos resíduos indiferenciados. Uma parte podia ir para reutilização ou doação. A reciclagem da roupa é algo novo e que ainda não existe em condições efetivas”, explica Sara Fernandes ao JN. Por não haver, ainda, um sistema montado de triagem e de reciclagem de roupa em Portugal, a maioria dos têxteis é valorizada energeticamente, através de um processo de queima controlada que permite produzir energia elétrica. Tanto na Lipor como na Valorsul, menos de 5% dos resíduos vai para aterro. Existem empresas privadas que recebem e encaminham a roupa usada para doação, reutilização ou vendem para o estrangeiro. A Lipor está a trabalhar numa candidatura do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que consiste na descoberta de uma solução de “triagem semiautomática” para reciclar roupa. Há, também, um projeto focado na produção de fibras têxteis de base biológica. Para ajudar as marcas, a especialista em comunicação e moda sustentável Joana Campos Silva tem sensibilizado as empresas a pensar no “fim” das roupas, através da adoção de novas matérias-primas e do design circular. “Só é possível reciclar matérias da mesma tipologia”, alerta. Um par de calças de ganga, por exemplo, tem diversos componentes como a ganga, os botões e os fechos. A solução passa por desenhar peças com um só material ou facilitar a desagregação das mesmas, caso contrário a circularidade ficará comprometida. “O mercado de segunda mão poderá explodir”, antevê. — Paula Policarpo, presidente da associação Dariacordar/Zero Desperdício Como é que a associação alargou o foco do desperdício alimentar ao têxtil? Nunca foi intenção ficar só na área alimentar. Queríamos alargar a áreas em que existisse desperdício e evitar que fosse resíduo. Assim que tivemos apoio do Fundo Ambiental, constituímos uma rede de recuperação têxtil, que ainda está em fase embrionária. Qual a nossa relação com a roupa? A “fast fashion” e as compras online vieram agravar [o desperdício]. Compramos roupa, porque queremos seguir as tendências. Somos comodistas, temos tudo à porta e tudo isto tem pegada ecológica e gera mais desperdício de embalagens e de peças. A roupa deixou de ser só um bem necessário e passou a ser um bem de consumo. Quais os impactos para o ambiente? A cadeia de valor do têxtil utiliza recursos naturais e transformados e tem pegada social. A maior parte do têxtil que consumimos é produzida muito longe, em territórios onde os direitos humanos e a proteção laboral não existem. Pagamos o preço justo? Uma t-shirt de algodão tem uma pegada hídrica de 2700 litros de água, a quantidade que cada pessoa bebe em dois anos e meio. Podemos pagar cinco euros por essa t-shirt. O preço é muito abaixo do custo real na cadeia de produção.