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Falta de precipitação em Portugal é “um problema que veio para ficar Desde 2000 que Portugal tem registado valores de precipitação inferiores à média histórica – “e isso é resultado das alterações climáticas”, disse-se ontem numa conferência dedicada à água, em Lisboa Cláudia Carvalho Silva Apesar de ontem ter sido um dia chuvoso, foi dia de se falar sobre escassez de água e seca – e “a chuva não tirou acuidade ao tema”, comentou em tom de brincadeira o presidente da organização Oikos, João José Fernandes, na Fundação Oriente, em Lisboa. E o tema é sério: os dados mostram que os níveis de precipitação têm vindo a diminuir ao longo dos anos e isso “não são boas notícias”, afirmou o investigador e especialista em alterações climáticas, Filipe Duarte Santos, um dos convidados principais da conferência “Água – As principais vulnerabilidades de Portugal face às alterações climáticas”, que decorreu na tarde de ontem. “É um problema que veio para ficar”, rematou. Todo o país tem registado uma redução da precipitação, e o cenário também se vai “agravando na Europa”. A única solução é remediar o problema das alterações climáticas, disse Filipe Duarte Santos, e isso passa por fazer projecções para se saber como vai ser o clima do futuro e desenhar estratégias de adaptação. É “essencial” que não haja desperdícios, em particular na agricultura, realçou. E reconheceu que o sistema para a mudança sofre de “lentidão” e que é preciso olhar para outras alternativas, como a reutilização de águas residuais e a dessalinização. Apesar de haver cerca de 400 milhões de euros previstos no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) destinados a melhorar a escassez hídrica (dos quais 45 milhões destinados à construção de uma central dessalinizadora no Algarve para transformar a água do mar em água potável), Filipe Duarte Santos deixou uma crítica à falta de atenção que é dada aos recursos hídricos: “É surpreendente que a água não tenha tido mais impacto no PRR.” Além disso, a escassez de água e os reduzidos níveis de precipitação “são tendências que não se verificam só em Portugal”. As secas, explicou Filipe Duarte Santos, são um dos fenómenos que mais causam perdas económicas – e são ainda mais “significativas em termos de prejuízo humano”, sobretudo em países mais pobres. Os climas estão a mudar e muitos ficam mais secos. “É como uma doença” que se propaga, comparou o também presidente do Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CNADS). Todas essas mudanças têm impactos palpáveis na vida das pessoas. A jurista Catarina Albuquerque, presidente executiva da parceria global Sanitation and Water for All (Saneamento e Água para Todos) disse na conferência que existem “desigualdades significativas” no acesso a água potável e a saneamento. Numa intervenção por videochamada, referiu que os “usos pessoais e domésticos devem ser priorizados” em relação a outros que busquem lucros. Para que “não nos falte água nem hoje, nem no futuro”, é preciso ter consciência da disponibilidade de água e ter “políticos com a coragem para tomar as decisões necessárias, mesmo que não sejam populares”. É, portanto, “urgente” passar das palavras para a acção, asseverou o presidente da associação Zero, Francisco Ferreira. “Temos muitos documentos, mas em termos de acção não se está a passar para o terreno”, considerou o também professor na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. “Talvez precisemos da dessalinização, mas precisamos muito mais da eficiência” e de políticas à escala local e regional. Esta conferência decorreu quando se sabe que o território continental português se encontra todo em seca, ainda que tenha havido uma melhoria da situação de seca até 30 de Setembro, mês considerado “chuvoso”: 3,3% do país está em seca fraca; 64,3% em seca moderada; 32,2% em seca severa e 0,2% em seca extrema, segundo os dados mais recentes do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). Mas o problema não é de agora e a “culpa” não é só da seca. “Estamos a sofrer e continuaremos a sofrer os impactos das alterações climáticas”, afirmou o professor Rodrigo Proença de Oliveira, do Instituto Superior Técnico (IST) e coordenador de um estu- do sobre as disponibilidades actuais e futuras de água, que mostra que a disponibilidade de água se reduziu em 20% nos últimos 20 anos. O problema não é a seca, “é a situação de escassez” de água. A escassez, explicou, é uma situação causada pelos humanos em que a procura da água se aproxima da disponibilidade da água. Já a seca é um fenómeno temporário em que os valores de precipitação se situam abaixo dos níveis de referência. “A nossa preocupação deve ser a escassez”, afirmou. Desde 2000, Portugal tem registado “valores de precipitação francamente inferiores à média histórica – e isso é resultado das alterações climáticas”, afirmou o investigador Rodrigo Proença de Oliveira. “Estamos numa situação crítica, é verdade: não devido [apenas] à seca, mas devido à escassez hídrica.” Estava previsto que o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, estivesse presente na sessão de encerramento da conferência, mas foi substituído pelo secretário de Estado do Ambiente e da Energia, João Galamba. “Até ao final do século, vai chover ainda menos”, disse, daí que seja necessário poupar água e usá-la de forma regrada. E a dessalinização não deve ser encarada como “uma solução mágica para todos os problemas”. A gestão da água exige reflexão, disse João Galamba, e é muito importante “olhar para a questão da água como um sistema”. No final, questionado pelo PÚBLICO sobre uma possível revisão das medidas de poupança de energia do Governo, o secretário de Estado escusou-se a fazer comentários.