Água & Ambiente 01/09/2022
Eduardo Marques, Presidente da Direção da AEPSA – Associação das Empresa Portuguesas para o Setor do Ambiente
Sem dúvida que a reiterada insustentabilidade financeira da maioria das entidades gestoras dos serviços de água em baixa (da ordem de 70% das entidades gestoras) é o principal problema do setor, que acarreta incapacidade de realização dos investimentos necessários, quer em infraestruturas (que nessas entidades está sempre dependente da subsidiação dos Fundos Comunitários), como na melhoria da qualidade de serviço, que deveria ser alavancada na evolução tecnológica e na capacitação dos recursos humanos. Nestas entidades o equilíbrio orçamental é assegurado através de sistemáticas transferências dos orçamentos municipais, portanto dos impostos de todos os contribuintes, que erradamente têm tarifas subsidiadas de forma transversal, por norma exclusivamente por razões de natureza política. Se dúvidas houvesse, o PENSAARP 2030 veio de forma cristalina e, diga-se, muito corajosa, evidenciar inequivocamente a necessidade de implementar significativos aumentos tarifários, até para se cumprir o princípio obrigatório, mas muito esquecido, do utilizador pagador. Para o cenário preconizado pelo PENSAARP 2030 como o ideal, será necessário um aumento médio de tarifas da ordem dos 56% para cobrir quer o déficit atual, que na baixa (água e saneamento) ronda os 1 20 M anuais no conjunto das entidades gestoras que não cobrem custos, bem como para financiar as necessidades de investimento futuras, nomeadamente a nível de reabilitação dos ativos. Isto é, passar de uma tarifa média atual (AA+AR) de 2,57 /m3 para 4 /m3, ou se quisermos apenas para os clientes domésticos, passar de 2,06 /m3 para 3,28 /m3. Claro está que se trata de um aumento médio de tarifas, sendo certo que em muitas entidades gestoras serão obrigatórios aumentos superiores a 100%, em todas aquelas, e são muitas, em que a cobertura de custos (ver dados do RASARP) é inferior a 50%. Para tranquilizar os sempre existentes arautos da desgraça, há que esclarecer inequivocamente que se defende a implementação da tarifa social para todos aqueles que efetivamente precisam. No entanto, há um conjunto de entidades, da ordem de 30% onde se incluem todas a concessionárias privadas de gestão dos serviços de água, que têm cobertura integral de custos, e, portanto, estão fora do preconizado aumento extraordinário de tarifas. Considerando que o setor privado serve cerca de 20% da população e que as trajetórias tarifárias são conhecidas nos contratos (aumentos normalmente função da inflação), de forma muito simples se conclui que o conjunto das entidades gestoras do setor público precisará de um aumento médio extraordinário da ordem dos 69%, para se atingirem os objetivos definidos no Plano estratégico. Reitera-se que se trata de aumentos médios, sendo certo que algumas entidades gestoras públicas não necessitarão de aumentos extraordinários. Faço votos que haja a coragem política, uma vez por todas, para ajustar as tarifas para ser assegurada a sustentabilidade financeira setorial, até porque o próprio regulador assim o tem recomendado. Acresce que desta forma, mais um mito errado cairá por terra, que é o mito que as concessionárias privadas têm um serviço mais caro. Contrariamente ao que, de forma demagógica, é recorrentemente afirmado – que a gestão privada concessionada tem um serviço mais caro – é facilmente demonstrável o contrário, pois acarreta encargos inferiores aos utilizadores (comparando-se não apenas as tarifas, mas a totalidade dos encargos de forma séria, isto é, tarifas mais subsídios). Mas em Portugal há uma espécie de apetência para os ratings, especialmente ratings sobre tarifas, que na sua generalidade só contribuem para a desinformação. Não se podem comparar tarifas de entidades concessionárias privadas que cobrem todos os seus custos, cumprindo, assim, o princípio obrigatório do utilizador pagador, com certas entidades gestoras públicas, que subsidiam fortemente a tarifa. Efetivamente as concessionárias privadas têm as tarifas sustentáveis mais baixas, estabelecidas em função das condições definidas nos cadernos de encargos dos respetivos concursos públicos. Acresce que é o único modelo de gestão que é constituído de forma totalmente transparente, pois decorre de concurso público internacional, assegurando, nas condições estabelecidas no caderno de encargos, o serviço mais eficiente e as tarifas mais baixas, e é o único modelo de gestão em baixa onde é previsível a evolução tarifária (aumentos anuais, normalmente em função da inflação). No dia em que todas as entidades gestoras forem efetivamente sustentáveis financeiramente (incluindo para lá dos custos operacionais os custos com a amortização dos investimentos e os financeiros) com recurso exclusivo das tarifas sem subsídios, será possível fazer um rating de tarifas um pouco menos absurdo, mas ainda muito dependente das especificidades geográficas, da dispersão demográfica e dos investimentos realizados. No cenário desejável, diria obrigatório, de aumentos tarifários do setor público para ser garantida a cobertura de custos e a disponibilidade financeira para assegurar os futuros investimentos de reabilitação, seguindo as recomendações do PENSAARP 2030, o setor público ficará com uma tarifa média da ordem de 30% superior à tarifa média do setor privado (tarifa média atual existente e a manter).