Jornal e Negócios
O Caixa Negócios em Portugal refletiu sobre as mudanças necessárias à economia, desafios das empresas e o papel dos fundos europeus.
João Neves – Papel das Agendas Mobilizadoras
Paulo Macedo – Menos globalização significa mais inflação
“A lógica de intervenção do PRR é estrutural”
João Neves, secretário de Estado da Economia, diz que um dos objetivos é aproximar as empresas com o sistema científico e tecnológico, algo que é apontado como uma falha estrutural, através das agendas mobilizadoras.
A economia portuguesa regista em 2022 uma forte recuperação das exportações de bens, com taxas de crescimento “muito significativas, uma tendência que já se registava no segundo semestre de 2021”, e de recuperação da atividade turística. O retrato foi traçado por João Neves, secretário de Estado da Economia, na abertura da conferência Caixa Negócios em Portugal, que marcou o encerramento do projeto Negócios em Portugal que. ao longo do último ano. mostrou aos portugueses uma importante parte da indústria e da produção nacional. “Ainda é cedo para dizer se vamos superar os resultados de 2019 [no turismo], porque vivemos situações muito complexas no transporte aéreo, que é um elemento central no desenvolvimento do mercado turístico”, alertou João Neves, mas pode–se “perspetivar uma evolução significativa nas exportações em 2022, embora haja sinais de instabilidade”. referiu. João Neves, secretário de Estado da Economia, chamou também a atenção para o facto de “hoje, os elementos de incerteza serem ainda mais relevantes e mais fortes do que o habitual”, depois de evocar os tempos de pós-pandemia, de guerra na Ucrânia e sanções na Rússia, a disrupção das cadeias de abastecimento, a intensidade e o agravamento dos preços de energia. Relação colaborativa A estrutura produtiva portuguesa é marcada por algumas “debilidades estruturais” a que, segundo João Neves, o PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) tenta responder. A primeira, identificada por vários relatórios internacionais, “é que a produção de conhecimento, apesar do investimento feito nas últimas décadas no sistema científico e tecnológico, tem pouca correspondência com o valor económico associado”. “A lógica de intervenção do PRR é estrutural, de responder ao principal desafio mais decisivo para que o crescimento económico seja sustentável e foi por isso que apostámos em projetos de natureza de consórcio. Não foi por acaso que a construção das agendas do PRR foi motivada por uma relação de natureza colaborativa”, disse João Neves. Se a concorrência é a forma de as empresas estarem no mercado e se desenvolverem, existem também situações em que se impõe a colaboração entre empresas e setores. Por isso, defendeu o governante, há casos em que é necessária uma ligação mais forte entre o conhecimento entre a academia e as empresas, para a construção de produtos e serviços que sejam inovadores e que introduzam elementos de mudança estrutural. “O espaço de colaboração é decisivo, construir soluções de natureza colaborativa como o eixo da intervenção do PRR e estes instrumentos pode corresponder melhor aos desafios de natureza estrutural. Mas o PRR não é uma resposta final e definitiva para os desafios coletivos, é um estímulo à criação de uma dinâmica de mudança estrutural”, considerou João Neves. As agendas mobilizadoras preveem a apresentação de projetos a fim dos do PRR em consórcio e as 140 candidaturas apresentadas previam investimentos da ordem dos 14 mil milhões de euros. Chegaram à fase final do concurso 61 sendo que, após avaliação por organismos do Estado e por um júri internacional. 51 passaram à fase de negociação, que está a decorrer, com um montante de investimento de 7.400 milhões de euros. Dinheiro e descarbonização João Neves realçou que o processo negocial está a ser levado a cabo “com o realismo de esperança e de perceber que as ameaças como as taxas de inflação e os prazos de entrega de bens e equipamentos afetam os custos de investimentos e. provavelmente, os prazos de execução em relação à fase anterior do programa das agendas mobilizadoras”. Frisou que estes projetos terão de ser concretizados até ao fim de 2025. João Neves anunciou ainda que o Governo pretende fazer pagamentos iniciais de300milhões de euros ainda durante 2022 aos consórcios que passaram à fase de negociação das agendas mobilizadoras do PRR O valor advém do adiantamento de cerca de 13% do valor negociado do PRR A dotação total do PRR ultrapassa os 16.600milhões de euros, distribuída por resiliência (1L125 milhões de euros), transição climática (3.059 milhões de euros) e transição digital (2.460milhões de euros). Cerca de 730 milhões de euros são para apoio a atividade empresarial como os roteiros dos setores industriais para corresponder às metas e para o investimento na adaptação. Para João Neves, as empresas não devem enfrentar este desafio “de uma forma defensiva em relação a regras de funcionamento do mercado mais severas, que introduzem restrições aos impactos, mas aproveitar essas mudanças e constrangimentos para explorar propostas diferenciadas. olhando para a descarbonização da economia, para novas atividades, novas soluções, novos processos e produtos e novos mercados”. ■ —– “Uma menor globalização significa mais inflação” “A curto prazo, os bancos beneficiarão com a atual subida das taxas de juro. A médio e longo prazo, se aumentarem muito, surge o malparado, mas se for para juros razoáveis, o malparado não terá grande razão para existir”, considerou Paulo Macedo. A conjuntura está marcada pela guerra na Europa, mas também por fatores que já existiam antes e que foram exacerbados pela guerra e continuarão depois do fim deste conflito, referiu Paulo Macedo, presidente da Comissão Executiva da Caixa Geral de Depósitos (CGD). Numa análise ao atual contexto económico, o gestor salientou alguns aspetos conjunturais, como a revisão em baixa das projeções de crescimento económico para 2023 tanto do FMI como do Banco de Portugal . “A última projeção para 2022 foi a mais alta de sempre e até agora, a última projeção que temos é a mais baixa de sempre”, disse Paulo Macedo. Os preços foram um dos principais temas na intervenção do banqueiro. A inflação está “muito concentrada na energia, nos produtos alimentares e nas “commodities”, mas o que se assiste, sem grandes impactos salariais em Portugal, é à repercussão dos preços. Há alguns setores e empresas em que tem havido alguma redução de margem, mas o que tem acontecido é a repercussão de preços. Este fator salvaguarda as margens das empresas, rentabilidade e de pagarem salários mais elevados e a sua sustentabilidade. Mas, ao mesmo tempo, contribui para a inflação.” Salários e abastecimento Para Macedo, isto leva a uma pressão salarial que “será sentida no próximo ano em Portugal quando temos referenciais para aumentos de pensões acima de 5%”. “Dificilmente teremos aumentos de pensões muito elevados e depois os salários muito mais baixos. Há dois efeitos em termos de pressão. Por um lado, a necessidade de compensar a redução do rendimento disponível, mas, por outro lado, estes indicadores que são precisos compensar.” Para já, a inflação que se sente “ainda não tem grandes impactos salariais”, mas o gestor entende que é uma questão de tempo. Outro elemento que gera perturbação relaciona-se com a alteração de estratégias de abastecimento mundiais. Paulo Macedo recordou que, antes da guerra, a Europa estava com problemas no abastecimento de “chips”, porque com a globalização concentrou as compras onde era mais barato, na China e no Sudoeste Asiático. Hoje, “assiste-se ao movimento contrário” e as empresas perceberam “que não podem estar dependentes só de um fornecedor”. E esta questão “leva a um aumento imediato da inflação, porque se deslocaliza de fornecedores mais baratos para outros mais perto, de mais confiança, poupa nos transportes, mas com custos iniciais mais elevados”. “As empresas estavam mais preocupadas e era um dos princípios de gestão não ter “stocks” ou serem muito reduzidos”, explicou. Hoje, pelo contrário, “quem não tem stocks tem um problema”. “As empresas vão ter de investir em “stocks”, passa-se do just in time para o just in case.” Ainda assim, frisou, “não temos indicações de que as empresas vão ter um pior ano do que o ano passado, muito pelo contrário”. Há também novas oportunidades de novos investimentos, com o regresso da produção à Europa, “que vai ter um maior peso na cadeia de valor, porque dizíamos que o que tinha maior valor era a parte do design, da conceção e depois da distribuição”. Os cenários das taxas Esta reversão da globalização, com os receios em relação à Rússia e à China, levam a uma menor globalização. E “uma menor globalização significa mais inflação”. “Porque se está a abastecer a preços mais caros. O que é permitiu baixar tanto os preços e manter inflação baixa durante estes anos? Para além da política monetária também foi a inflação importada que, muitas vezes, era negativa. As alterações climáticas também aumentam a inflação, designadamente dos produtos agrícolas”, analisou Paulo Macedo. “A curto prazo, os bancos beneficiarão com a atual subida das taxas de juro, a médio e longo prazo depende do aumento das taxas de juros. Se aumentarem muito, surge o malparado, mas se for para juros razoáveis o malparado não terá grande razão para existir”, considerou o gestor. “O cenário de taxa de juro a 2% no final do ano que vem é o cenário central, mas não é compatível com inflações que sejam metade do que são hoje, não é compatível com inflações de 6 ou 7%”, avisou e por isso é um “cenário benigno”. Disse que aumentos de taxas de juro de 200 pontos base na taxa de juro implica acréscimo entre 1 e 2% nos custos, é o possível impacto na estrutura de custos. Em relação à subida das taxas de juro, Paulo Macedo apontou a possibilidade da taxa fixa, “embora as pessoas sejam adversas a fazer”. “As taxas fixas terão a tendência para aumentar o seu custo, mas a questão é sempre a mesma: a taxa fixa num primeiro tempo é mais elevada, mas depois, dependendo das condições torna-se mais baixa”, explicou. O líder da CGD salientou ainda que as empresas portuguesas fizeram um caminho de maior autonomia financeira e de redução de dívida, “porque a dívida privada portuguesa está hoje aos níveis europeus enquanto a dívida pública continua muito acima. Há 15 anos estavam as duas partes da dívida acima da média da Europa, portanto, as famílias e as empresas desalavancaram. Terão impactos do aumento de custo, mas estarão mais protegidas.” —– Os fundos nunca podem justificar os projetos Empresários admitem viver “tempos de incerteza”. Todos os dias há problemas de entrega de matérias-primas e inflação. Um desafio para a gestão. O PRR é mais uma ferramenta para ajudar a minimizar os efeitos da crise, reconhecem. “O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) é importante para as empresas, independentemente de estarem no interior ou no litoral. porque desde que as empresas tenham qualificações e consigam aceder é uma ferramenta importante”, referiu Luís Abrantes, administrador da Movecho, no painel de debate sobre o PRR e financiamento da conferência Caixa Negócios em Portugal. Tanto mais importante quando se vive uma época de mudança, “de claro desassossego” e. para Luís Abrantes, “o PRR escreve o futuro que. no nosso caso, tem a ver com a descarbonização e a transição digital, porque é um novo paradigma e nenhuma empresa de futuro poderá passar ao lado”. Na sua opinião, o PRR é uma rampa de lançamento do que vai ser o PT 2030.0 PRR “é curto e demasiado temático para responder às necessidades das empresas, porque estas não vivem apenas da descarbonização e da economia digital, mas neste processo as empresas têm de se requalificar e modernizar-se e o próximo quadro comunitário deverá dar respostas às outras necessidades das empresas”. E sublinha que “hoje nenhuma empresa pode passar ao lado da digitalização, a indústria 4.0. Como destaca Luís Abrantes, “se não formos 4.0, a curto prazo seremos zero”. Para o administrador da Movecho as agendas mobilizadoras e inovadoras são uma “boa ideia”, porque incentiva na aproximação das empresas, a troca de conhecimentos e trazem inovação e conhecimento para dentro das empresas. “Hoje todos falamos de inovação e não há forma de passar ao lado. mas a inovação não se decreta, tem de haver uma cultura de inovação nas empresas e para isso as empresas precisam de conhecimento e de talento para inovar.” Gerir um cocktail A Movecho, de Nelas, entrou em três consórcios de agendas mobilizadoras, mas só um avançoupara a fase de negociação, por isso a empresa vai apresentar esses projetos no âmbito do PT 2030. “As empresas precisam das universidades, do conhecimento que há nos centros de investigação, mas há um distanciamento muito grande. Tenta-se muitas vezes uma aproximação com as universidades mas as coisas não são fáceis. Não estou a falar da Movecho em que a relação tem corrido bem”, sublinha A empresa liderada por Luís Abrantes tem feito muitos projetos de inovação sobretudo em parceria com o IAPMEI e os seus fundos, mas “os fundos nunca podem justificar os projetos, porque se isto acontecer algo está errado na estratégia da empresa”. “Os fluidos alavancam a rapidez da sua execução nas estratégias e apoiam os projetos”, insiste. Para o empresário, “as empresas estão a viver um momento de fulgor com dificuldades em dar resposta às suas carteiras de encomendas”. No setor das madeiras, dá o exemplo, faltam cerca de 5 mil pessoas, “temos dificuldades na formação”. “Todos os dias há problemas tanto de entrega de matérias-primas como de inflação. Há muitas variáveis para as quais não estávamos habituados, temos um cocktail a gerir todos os dias, é o maior desafio à gestão de que tenho memória”, detalha. Administração pública mais digital e eficiente António Nogueira Leite, administrador da Hipoges, descreveu os tempos que correm como “muito desafiantes” e sublinhou que o PRR é um reforço de apoio às economias europeias e sobrepõe-se ao Portugal 2020 e ao Portugal 2030, que continuara. Considera que. do ponto de vista da execução, “não deveria colocar nenhum problema em especial, porque o PRR obedece a um formato de política europeia, que tem diferenças de país para país, mas que tem linhas consentâneas com políticas europeias e que são a descarbonização e a digitalização”. Na sua perspetiva, o programa foi bem pensado, mas “por razões que o Governo não admite”, porque consegue colmatar “o período mais longo de desinvestimento público que tivemos na nossa história desde o 25 de Abril de 1974 no próprio Estado”. Para o gestor não é uma questão de opinião, mas de números. “O stock de capital público em Portugal decaiu pela primeira vez na história a partir de 2013 Decaiu todos os anos, porque se considerarmos regras de amortização de capital temos um stock público menor.” Capitalização das empresas António Nogueira Leite entende que faz sentido que o Governo utilize estas subvenções para suprir as falhas de investimento pública Acresce ainda que “o que nos precisamos casa bem com o PRR tal como foi definido e por uma razão muito simples: uma das coisas que precisamos de fazer é utilizar o processo de transformação digital para melhorar o funcionamento da nossa administração pública e em alguns subsistemas da administração pública como as escolas do básico e secundário. Serviço Nacional de Saúde”. “Houve muitas queixas da dimensão dos apoios ao Estado, mas não veria esse aspeto como negativo porque havia que superar o que não foi feito nos anos anteriores na administração pública, e este foi o racional que esteve por trás e faz todo o sentido”, considerou o administrador da Hipoges. Nogueira Leite concorda que é importante melhorar os ambientes colaborativos entre empresas, universidades e centros de investigação. Esta componente do PRR financia e estimula as plataformas de contacto e de criação de benefícios, que depois reverterão para as empresas, é também uma fonte de aplicação de conhecimento, “e até de financiamento para alguns centros de investigação”. Depois das linhas mestras para o PRR enunciadas pela União Europeia com as componentes para a descarbonização e a transformação digital existe uma parcela importante para a capitalização das empresas. “Este é um aspeto crucial porque sabemos que historicamente as empresas portuguesas eram e continuam a ser descapitalizadas quando comparamos com outros parceiros da União Europeia”, disse António Nogueira Leite. Cabo das Tormentas O gestor e professor da Nova SBE referiu-se ainda a incerteza associada ao atual contexto de inflação e subida de taxas de juros e a sua relação com a dívida pública. “Há um lado que é extremamente positivo e que tem a ver com a famosa sorte do primeiro-ministro. A inflação vai-lhe facilitar a gestão a médio e longo prazo da dívida pública, porque, pelo simples efeito da inflação, vamos ter um progresso enorme na redução da dívida pública, e um impacto muito positivo nas receitas fiscais”. Mas primeiro, para António Nogueira Leite, é preciso passar o cabo das Tormentas. Explicou que. “quando o BCE disse que o programa de compra de dívida ia acabar, os mercados começaram a atacar os países mais frágeis, os que hoje estão mais endividados e tem economias mais fracas. Por isso, o BCE veio na semana seguinte dizer que ia montar um outro programa de compra de dívida”. Se isto acontecer, a política da União Europeia “dá-nos uma segurança razoável embora sofrendo o impacto de uma crise que vai ser geral, recentes números da economia alemã mostram uma recessão nos próximos tempos na Alemanha e, por arrastamento, para outros países como Portugal. Se esses mecanismos forem estabelecidos e funcionarem, o nosso perigo, que é por via do aumento do custo do financiamento público haver um corte ao financiamento do país, estará mais longe.” PRR é baseado em resultados As agendas mobilizadoras implicam 3 mil milhões de incentivos com 7 mil milhões de investimentos e criarão uma dinâmica na relação das instituições de ensino superior com o mercado, sobretudo com uma orientação internacional. “No PRR a parte da resiliência tem um aspeto significativo e é sobretudo investimento no Serviço Nacional de Saúde, mas também é investimento nas qualificações. O primeiro concurso que foi aberto a 21 de junho de 2021 foi dirigido ao Impulso Jovem e Impulso Adulto na questão da formação superior nas universidades e politécnicos”, sublinhou Pedro Dominguinhos. presidente da Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR Na sua opinião o PRR tem num modelo diferente de apoios públicos europeus porque é baseado em resultados. Por exemplo. os adiantamentos que vão ser feitos às agendas mobilizadoras na ordem dos 10% serão seguidos de pagamentos adicionais baseados nos indicadores que os diferentes consórcios vão conseguindo. “Esta é uma alteração profunda de orientação para resultados, que se pretendem transformadores dos diferentes projetos.” Hoje está-se numa segunda fase de aceleração dos avisos e das aprovações que estão no terreno, mas também em muitos projetos que já estão concretizados. “Em termos de digitalização das escolas, lembro a atribuição dos computadores, que teve um aspeto significativo com a entrega de algumas centenas de milhares de computadores às famílias e, no ensino superior, a criação de várias ofertas formativas que procuram responder a esta escassez de qualificações e também a adaptação entre o que as empresas necessitam e que o mercado exigirá agora e no futuro”. O desafio é a aceleração da concretização dos projetos, o que é essencial para ter não só o impacto na execução, que é fundamental mas também impacto de qualidade e de transformação nessa execução Há obstáculos como a falta de mão de obra. a disrupção das cadeias de abastecimento, mas os objetivos têm de ser atingidos porque, como diz Pedro Dominguinhos. “não é uma questão de pressa, mas de calendarização porque 2026 é para cumprir, e se possível temos de acelerar essa execução”. Custos de contexto Pedro Dominguinhos adianta que não se está a falar apenas de metas de investimento, “há marcos muito associados aos custos de contexto e a toda uma alteração legislativa que é essencial e que não nos podemos esquecer”. “Está neste momento em discussão no Parlamento a alteração das ordens profissionais e do acesso à profissão Este é um aspeto fundamental que foi negociado com Bruxelas e em que nós temos de cumprir quatro alterações nesta reorientação das ordens profissionais”, frisou Caso não se cumpra a próxima tranche pode ser condicionada por falta de mudanças nesta área No caso da mão de obra, implica que haja a capacidade das instituições de ensino superior, escolas profissionais, líderes de consórcio de criar uma estratégia de atração de recursos humanos a nível internacional para poder concretizar muitas destas iniciativas. E um desafio fundamental para conseguirmos executar os vários projetos que estão no terreno e irão a partir do segundo semestre ter um elã muito significativa As agendas mobilizadoras implicam 3 mil milhões de incentivos com 7 mil milhões de investimentos e criarão uma dinâmica na relação das instituições de ensino superior com o mercado, sobretudo com uma orientação internacional A importância da colaboração na inovação “A Mendes Gonçalves é empresa alimentar, produzimos molhos, condimentos e vinagres, o poria-mos para muitos países, com uma grande exposição ao canal horeca por isso sentimos, de uma forma violenta a crise pandémica de covid-19. que afetou as economias mundiais”, afirmou Gonçalo Vale, diretor financeiro da empresa situada na Golegã. O PRR veio como resposta à crise e como forma de dinamizar a economia europeia. “A grande vantagem que vemos na forma como o PRR foi estruturado é a de ser mobilizado em tomo da colaboração entre empresas e grupos económicos”. Para Gonçalo Vale, “é relevante no caso da economia portuguesa em que há problemas de escala e dimensão. A própria Mendes Gonçalves é uma empresa pequena no nosso mercado, e compete com grandes grupos globais como a Kraft Heinz, e outros. Numa economia pequena e com operadores pequenos. a colaboração é muito interessante.” A Mendes Gonçalves está presente em três consórcios criados em torno das agendas mobilizadoras do PRR e em que se associa a grandes empresas, o que permite “capturar valor, sinergias e escala que como PME não temos, e assim poderemos continuar a abordar os mercados globais e a criar produtos com maior valor acrescentado através da inovação”. Acelerar a inovação As agendas mobilizadoras foram um desafio para o tecido empresarial português que “não tem um ADN de grande colaboração alargada mas a Mendes Gonçalves tem, há muitos anos, I&-D e uma matriz colaborativa em que colabora com universidades, laboratórios Collab for food”, disse Gonçalo Vale. Considera que o tempo para responder às candidaturas foi muito apertado, mas é na opinião de Gonçalo Vale um modelo mais saudável e que permite a todos ganhar mais escala para acelerar a transição climática e digital. Deu o exemplo da Mendes Gonçalves que pretendia mudar o seu portefólio de embalagens. “Os molhos são estruturados em embalagens de plástico e nós já estávamos com um processo de investimento de mudança em três anos para embalagens totalmente recicladas”, contou Gonçalo Vale. O PRR foi a oportunidade para entrar no consórcio Sustainable Plastics – Agenda Mobilizadora para os Plásticos Sustentáveis, liderado pela Logoplaste. para acelerar a transição. “Nesse sentido é um instrumento muito relevante porque acelera e catapulta-nos para o que nós queríamos. A estratégia já lá estava o PPR acelera a transição e dá-nos uma nova força para esta etapa”. ■ —– “Tem de haver mais foco na produtividade material” As economias ainda retêm pouco a matéria-prima, mas no futuro haverá mais reutilização para se atingirem os objetivos de neutralidade carbónica. “O grande desafio para as empresas é continuar a investir na eficiência operacional como um fator-chave de competitividade, e compatibilizar essa eficiência operacional em termos de sustentabilidade. E isto significa ser menos exigente nos recursos materiais, fazer mais com menos”, afirmou Jorge Portugal diretor-geral da Cotec, no painel de debate sobre Descarbonização e Sustentabilidade que integrou a conferência Caixa Negócios em Portugal. Jorge Portugal explicou que na eficiência operacional há três grandes variáveis que têm de ser compatibilizáveis. A primeira é a qualidade, a segunda, fazer mais rápido do que os outros e a terceira é fazer mais barata “Alas, como se diz em termos industriais, e consegue-se trabalhar duas variáveis e deixa-se a outra.” Contudo, este novo paradigma e nova ambição, com a Europa a querer ser líder na sustentabilidade, colocam nas empresas uma quarta dimensão em termos de equação da eficiência produtiva. “Se apenas se olhar para a questão da sustentabilidade como uma restrição de negócio, uma necessidade de responder à regulação e um custo em que se tem de incorrer, vai ser um caminho muito limitativo para as empresas e que. em alguns casos, poderá ser fatal. A ideia é continuar a manter a competitividade e a eficiência operacional através da inovação e da procura de incorporação na cadeia de abastecimento, nos materiais que se utilizam”, elaborou Jorge Portugal. “Há sempre um foco muito grande na produtividade do trabalho e do capital mas pouco foco na produtividade material, em ser mais eficiente na utilização das matérias-primas, nos recursos naturais, na energia, na água, no processo produtivo e de transformação em produtos e serviços, na distribuição e na reciclagem”, salientou. O diretor-geral da Cotec defende que as economias ainda retêm pouco a matéria-prima mas no futuro haverá mais reutilização. “Na construção, utilizam-se resíduos de demolição ou matérias-primas recicladas em cerca de 10% sabendo que 70% dos resíduos de uma economia são resíduos de demolição e construção. Isto mostra quão longe e na perspetiva de qual é a oportunidade que ainda existe para as empresas de serem mais eficientes na utilização de recursos, dos resíduos e desperdícios nos processos produtivos próprios e na reutilização das matérias-primas”, exemplificou Jorge Portugal. Estado da arte Numa análise ao estado da arte na descarbonização, Jorge Portugal definiu que há três níveis de maturidade em que as empresas estão e que correspondem ao âmbito do tipo de emissões. No primeiro nível de maturidade, são as emissões próprias, dentro do processo produtivo, sendo este “o nível mais fácil porque está dentro do perímetro da gestão direta da empresa”. Depois, “temos um segundo nível que é a gestão da energia que é adquirida em fontes externas ou é produzida pela própria empresa e, neste caso, a possibilidade de utilização de energias renováveis também tem impacto.” O terceiro nível “é o mais difícil” e que coloca a necessidade de colaboração e de um olhar para fora para as emissões na cadeia de abastecimento, tanto a montante como a jusante. “Este é o grande quebra-cabeças porque exige que a empresa contabilize a sua exposição às emissões de carbono, aos materiais e matérias-primas que adquire, o transporte e a logística para os locais de transformação, e depois toda a cadeia de distribuição, de consumo e de reciclagem”, salientou Entre 60 e 70% das emissões correspondem a empresas do âmbito 3 e que são geradas ao longo de toda a cadeia de abastecimento, o que significa esta interligação entre as cadeias de valor e de abastecimento. O diretor-geral da Cotec chamou ainda a atenção para o Fit for 55. proposto pela União Europeia que vai ser um dos grandes mecanismos de reorganização das cadeias de abastecimento globais e europeias. “E um mecanismo de ajustamento de carbono transfronteiriço. que é na prática uma taxa de carbono sobre as importações e as exportações. Outro fator de aceleração da descarbonização é a banca por causa dos objetivos ESG (Enviroiunental Social and Corporate Govemance) para a mitigação dos efeitos climáticos.” App de descarbonização premiada pela Google e UE O CEiiA – Centro de Engenharia e Desenvolvimento de Produto sempre valorizou as emissões evitadas, como o caminho a seguir e acelerar a neutralidade carbónica A aplicação AYR Platform surge neste contexto “para acelerar a descarbonização nas cidades através de opções mais sustentáveis na mobilidade e criar valor a partir de nervos modelos de negócio, de novas tecnologias, de pensar de maneira diferente tudo o que tem sido feito até agora”, adiantou Pedro Gaspar, future business technology director da CEiiA. “Criar novos serviços e processos que nos permitam enfrentar o que temos pela frente, porque não vai ser com o mesmo frame de pensamento que criou a revolução industrial ou a revolução digital que vai avançar e resolver a revolução climática”, afirmou. A abordagem que durante muito tempo existiu foi a de compensar as emissões. Aferia-se a quantidade de emissões de C02 que se produzia e compensava-se através de projetos de eficiência energética, ou reflorestação, por exempla Mas, para Pedro Gaspar, o resultado não foi o pretendido. “Basta ver a quantidade de C02 que neste momento existe na atmosfera e. por outro lado. a maior parte destes programas tiveram muitos problemas de fraudes de créditos, double accounting, em que se utiliza o mesmo crédito para compensar várias vezes diferentes emissões”, afirmou Funcionamento e prémios O CEiiA sempre valorizou as emissões evitadas, como o caminho a seguir e acelerar a neutralidade carbónica e, acima de tudo, “um zero verdadeiro”. “Procuramos conectar o dia a dia das pessoas com esta temática porque quando falamos de mercado de carbono, transações, fica longe do dia a dia mas era mais complicado saber com rigor o impacto de uma deslocação. Era necessário começar pelo impacto real e pelas opções mais sustentáveis, que é o que faz a AYR”, disse o responsável do CEiiA. Por isso, a AYR incentiva a mobilidade suave e elétrica, o transporte público, “no momento em que a pessoa vai tomar uma decisão de deslocação”. “Quantificamos a emissão que é evitada quanto C02 não foi produzido e trouxemos para aqui o repensar as tecnologias e trazemos uma nova tecnologia que hoje já está mais divulgada que é o blockchain que me permite criar um token, uma moeda a partir de cada 100 gramas de CO2 que são evitados. Em cada cidade onde nós lançamos, criamos um mercado local que permite transacionar esta moeda por mais minutos de mobilidade ou por bens e serviços no ecossistema que nós criámos”, descreveu Pedro Gaspar. Esteéum primeiro passo, o seguinte será o de fomentar a criação de mercados locais voluntários de carbono, que vão conectar aos mercados maiores “O mercado da compensação tem validade, mas tem de se complementar porque há muito valor localmente com opções mais sustentáveis e é preciso garantir que fica onde é criado e capturado para ficar num ecossistema de círculo virtuoso”, considerou A AYR já teve um prémio da Google, que foi dado pelo Goo-gje.org, o braço filantrópico da tecnológica, que em2021identificou a nível mundial onze soluções para o combate às alterações climáticas no futuro e que fossem ser escaláveis. Por isso, “estamos a trabalhar com a Google para a escalabilidade”. A outra foi da União Europeia, através da The New European Bauhaus, que procurou nos 27 países tendo chegado a 2100 projetos apresentados e depois identificaram dez, entre os quais a AYR “Isto traz-nos o reconhecimento do caminho que estamos a fazer, e cria esta atenção da temática” Descarbonizar dá dinheiro Ricardo Barbosa coordenador da área de energia do INEGI – Instituto de Ciência e Inovação em Engenharia entende que “descarbonizar dá dinheiro porque au- menta a competitividade das empresas”. “Existe sensibilidade por parte dos industriais, que são muito proativos para aumentar a sua eficiência de processos, que é mandatária, porque a indústria tem de produzir o produto com qualidade, da forma mais eficiente possível e com o menor impacto ambiental.” Para este responsável, os empresários têm cada vez mais “a consciência de que a descarbonização não é um fardo nem um custo”. Tudo isto tem um contexto porque existem metas definidas como 2030para a descarbonização e redução de emissões dos vários setores e 2050para se atingir a neutralidade carbónica O coordenador da área de energia no INEG lembra que tem de se limitar o aquecimento global em até 1,5 graus até à era pré– industrial e todos os modelos dizem que a redução deve ir até 43% do nível das emissões até 2030 e depois garantir a neutralidade carbónica em 2050, porque só assim conseguimos restringir o alimento da temperatura global “E uma missão possível, mas muito complicada”. afirma Ricardo Barbosa A Europa e Portugal A Europa é pioneira, criou o Pacto Ecológico Europeu que traça estratégias, objetivos e metas para a descarbonização dos vários setores da economia depois, com a pandemia de eovid-19. aumentou a ambição com um pacote de medidas que é Fit for 55, que prevê as reduções até 55% para 2030, e, mais recentemente, lançou mais um conjunto de iniciativas que é o Repower Europe e que tem a ver com o conflito na Ucrânia, para pôr fim à dependência energética. “A Europa consome, em média 30% do gás russo, a Alemanha 40%, e o Repower estabelece um conjunto de ações a curto, médio e longo prazo que passa primeiro, pela racionalização do consumo energético até com medidas comportamentais como a temperatura de aquecimento das habitações e dos edifícios e que podem atingir os 5% de poupança na Alemanha, por exemplo”, refere Ricardo Barbosa. Portugal desenhou o seu roteiro para a neutralidade carbónica que é até 2050 e o seu plano nacional de Energia e Clima 20-30, que define a estratégia para esta década e antecipa muitas metas. “Por exemplo, deixámos de produzir eletricidade através de carvão muito antes do previsto”, disse Ricardo Barbosa “As empresas sabem que existe este enquadramento, estas metas, mas não podem ver isto como um fardo. A descarbonização dos seus processos produtivos diminui os custos operacionais e os da energia mas, quando falamos de descarbonização. não falamos só de energia mas. esquecendo a logística que tem um peso significativo nas emissões, olhando para o processo produtivo e para as emissões de tipo 1 e tipo 2, diretas e indiretas, que estão relacionadas com o consumo de energia, se nos tomarmos mais eficientes, vamos diminuir os nossos custos de operação, vamo-nos tomar mais competitivos e se estes são benefícios tangíveis. há também os intangíveis, pois teremos um produto com menor pegada carbónica”, concluiu Ricardo Barbosa “Uma empresa parada não polui” Para Vítor Abreu, presidente da Endutex, a sustentabilidade económica, a descarbonização e a economia circular “são temas diários e incontornáveis no mundo de negócios”. “Uma empresa parada não polui”, ironizou, por isso a Vítor Abreu preocupam-no as “questões da competitividade, dos custos, do ambiente regulatório. que não são iguais para todos, há diferenças globais”. A Endutex é um dos principais “players” em têxteis técnicos com centros de produção em Portugal e no Brasil. O gestor considera que se as empresas vivessem num ambiente de equidade regulatório global, “os melhores sobreviveriam, mas o mundo global real tem várias velocidades, nomeadamente em termos ambientais, o que pode ter algumas vantagens, mas que tem custos”. No seu grupo industrial, existe uma área de tinturaria e acabamentos em que os custos energéticos representam 26%, e que tiveram um aumento de 150% entre 2021 e2022. A parte energética é “muito importante na competitividade de um setor como os têxteis e. por isso, se da parte dos clientes, às vezes, essas exigências são bem-vindas porque separam as boas empresas das que não têm inovação e desenvolvimento, noutras situações complica-se a vida das empresas”. Investimento ambiental Vítor Abreu refere que o ambiente regulatório legal é definido por legisladores que nem sequer o Diam para os custos de um processo produtivo. “Legisla, e depois as empresas que resolvam os seus problemas. Não falo só da descarbonização, da sustentabilidade, mas da legislação que condiciona o uso de certas matérias-primas, por exemplo. Todas estas soluções ambientais não são mais baratas. Muitas vezes o cliente exige e está disposto a pagar, mas noutras situações, não.” Refere ainda que “quando se analisam todas estas exigências que hoje em dia são colocadas às empresas, diariamente têm impacto na componente da competitividade das empresas, da economia das empresas”. “E perigoso tomar decisões nesta altura porque é conjuntural, será estrutural, um pouco das duas coisas, mas quando urna empresa toma decisões na questão energética é de médio prazo, por isso, não se deveriam criar enquadramentos com base apenas numa fotografia, mas devia ter-se em conta as várias dinâmicas”, concluiu o empresário.