Jornal de Negócios
As gestoras de resíduos de embalagens pedem mais transparência, melhor supervisão e mexidas no modelo de financiamento no quadro das novas licenças. As atuais expiram no fim do ano.
Acima de tudo regras claras. É o que as entidades gestoras de resíduos de embalagens esperam das novas licenças que entram em vigor a partir de 31 de dezembro, quando expiram as atuais. Numa altura em que preparam cadernos de encargos, além de mais transparência, pedem melhor supervisão, maior estabilidade jurídica, mexidas no modelo de financiamento e indicadores que permitam traçar o retrato da indústria que gira em torno dos resíduos no país. “Há uma grande expectativa do que será o novo quadro de licenças. As regras devem ser mais claras e transparentes”, observa o presidente da Novo Verde, Ricardo Neto. A CEO da Sociedade Ponto Verde, Ana Trigo Morais, subscreve: “É absolutamente necessário que haja transparência no setor”. E a vários níveis, designadamente no modelo operacional e de financiamento, consideram ao Negócios os responsáveis das duas entidades que organizam e gerem a retoma e valorização dos resíduos de embalagens através do Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagens (SIGRE), que tem no ecoponto o interface com o público. Prova disso mesmo são as ações que têm chegado à justiça. “Os mecanismos de alocação e compensação devem ser claros e transparentes, algo que não acontece hoje. Não seguem o texto da licença que nos foi atribuída – tanto que há processos em tribunal exatamente por causa disso, com alguns a arrastarem-se desde 2018”, diz Ricardo Neto, dando conta de que a Novo Verde tem vários. A principal ação foi interposta contra a CAGER (Comissão de Acompanhamento da Gestão de Resíduos), que funciona junto da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), à qual compete definir, regulamentar e supervisionar o mecanismo de alocação e compensação entre entidades gestoras dos fluxos específicos de resíduos. “Tem havido litigância desnecessária relativamente às nossas obrigações e que, muitas vezes, decorre da interpretação do que a lei determina para o setor”, atesta Ana Trigo Morais, apontando que “não é saudável, não é desejável nem vai ajudar a cumprir as metas de reciclagem”. “Por falta de alinhamento interpretativo e que decorre muito da atividade concorrencial do SIGRE, temos seis ações judiciais em curso entre os concorrentes e outros atores da cadeia de valor. Temos cerca de 8,8 milhões de euros peticionados nestas ações e, com a justiça lenta, ficamos dez anos à espera da decisão”, lamenta. Repensar financiamento e pagar o “custo justo” “Todo o modelo de financiamento do setor dos resíduos em Portugal deve ser repensado”, considera a CEO da Sociedade Ponto Verde, para quem “falta transparência, melhor supervisão e estabilidade jurídica” à indústria. Transparência desde logo para com o consumidor, já que “é o cidadão que acaba por pagar todo o funcionamento do sistema, seja quando vai comprar um produto que tem uma embalagem, seja nas taxas que paga, por exemplo, na fatura da água. Ele não sabe se o seu comportamento é ambientalmente mais correto porque olha para o regime tarifário e não lhe diz nada”, aponta, manifestando-se a favor de sistemas como o chamado PAYT (“pay as vou throw” ou “paga à medida que descarta”), o qual “seria possível de ser refletido nas novas licenças”. Para Ana Trigo Morais, afigura-se, aliás, imperativo “criar um modelo operacional e de financiamento que permita um custo justo a pagar também para as empresas encaminharem as suas embalagens para reciclagem”. “Esse custo justo que vamos cobrar aos consumidores e às empresas passa muito por uma relação muito mais próxima com os nossos parceiros dos Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos, os chamados SGRU, defende. Como reconhecem os próprios intervenientes, toda a arquitetura operacional do setor é complexa. .As entidades gestoras partilham as mesmas metas (impostas pela UE), mas a retoma dos resíduos que fazem dos SGRU (em que se incluem, a título de exemplo, a Valor Sul ou a Tratolixo no caso de Lisboa e Vale do Tejo, ou a Lipor e Valorminho no Norte) tem por base um sistema de alocação que pondera as suas quotas de mercado. A fatia da Sociedade Ponto Verde era estimada em 79,5% (em peso), enquanto a da Novo Verde era ligeiramente superior a 9%. Os restantes 11% do fluxo de embalagens pertenciam ao Electrão, entidade que tem responsabilidade acrescida na gestão de equipamentos elétricos em fim de \ida (com uma quota de mercado superior a 60%), de acordo com os respetivos relatórios relativos a 2021. A fórmula de cálculo das prestações financeiras (pagas por produtores. embaladores ou fornecedores de embalagens de serviço às entidades gestoras de fluxos específicos de resíduos) não é menos complicada. “A compensação financeira não acompanha as categorias de ecovalor”. realça, por seu turno. Ricardo Neto. “Pagamos um ecovalor pelo plástico mas, na verdade. depois é separado pelo tipo, e dos SGRU saem seis ou sete categorias de plástico. Se a contrapartida paga ao SGRU é igual para qualquer tipo de plástico, a receita dos materiais já não o é”, reforça. “Estamos numa camisa de sete varas”, atira Ricardo Neto, lamentando que Portugal seja dos países da Europa onde o peso das autorizações a esse nível é maior: “Há países que têm de informar apenas quando pedem a licença, outros que não têm de fazer nada e nós até para subir- ou descer 10% temos de estar 30 dias à espera. Se há. de repente, uma reviravolta no mercado tanto posso estar a ganhar como a perder muito porque tenho de estar sujeito a aprovação administrativa para poder mexer no meu preço”. Administração capacitada e indicadores fidedignos O papel que o Estado joga é. aliás, na opinião da CEO da Sociedade Ponto Verde. um dos pontos fundamentais para “pôr o sistema a funcionar muito melhor”. “Precisamos de uma administração publica mais capacitada pai a fiscalizar e supervisionar o nosso setor “, aponta Ana Trigo Morais, que espera, de igual modo, vontade política. “Temos este grande Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos em Portugal, mas receio que, se não houver uma grande prioridade e atenção dada pelas entidades governativas a este setor, não se chegue lá”. Outro aspeto prende-se com a regulação. “Sinto muita falta de segurança jurídica”, sublinha .Ana Trigo Morais, dando o exemplo do Unilex, um diploma estruturante para o setor que, desde que foi aprovado, há sensivelmente um ano. já sofreu uma série de alterações. “E difícil cumprirmos legislação que está permanentemente em atualização”, argumenta a CEO da Sociedade Ponto Verde. Além disso, entende que falta ao país “uma estrutura robusta que produza estatística que seja um suporte claro e transparente para a política pública que nos orienta como cadeia de valor para os resultados e que nos permita perceber o que. de facto, estamos a fazer em Portugal”, como. aliás, recomendou o Tribunal de Contas na recente auditoria à gestão de resíduos urbanos de plástico.