Diário de Notícias
Cimeira terminou ontem, em Lisboa, com a aprovação do texto final pelas 159 delegações presentes. ONU diz que “há esperança de que haja vontade política” para travar o declínio dos oceanos. Susete Francisco | susete.francisco@dn.pt Agora é “preciso ação”. Foi com estas palavras que Marcelo Rebelo de Sousa encerrou ontem a Conferência dos Oceanos, minutos depois de o plenário ter aprovado por consenso o texto final do encontro, que ficará como a Declaração de Lisboa, um documento-guia para a preservação dos oceanos. Foi o desfecho de cinco dias de trabalhos da conferência coorganizada por Portugal e pelo Quénia, e que decorreu no Pavilhão Atlântico, em Lisboa. “Queríamos, juntamente com o Quénia, fazer desta conferência um sinal de paz, numa altura de pandemia e guerra”, referiu o Presidente da República, defendendo que a cimeira que decorreu no Pavilhão Atlântico superou as expectativas e apresentando-a como uma vitória do “multilateralismo” contra o unilateralismo. Miguel Serpa Soares, subsecretário-geral da ONU, chamou-lhe “uma declaração musculada”, defendendo que o texto vai além do diagnóstico e define prioridades e orientações políticas que devem guiar a ação dos Estados na preservação dos oceanos. Declarações feitas na conferência de encerramento, já depois de ter falado ao plenário da conferência em nome do secretário-geral da ONU, António Guterres. Para Serpa Soares, a aprovação do texto “manda um sinal forte da necessidade de agir decisiva e urgentemente para melhorar a saúde, o uso sustentável e a resiliência” dos oceanos. “Apesar de desafios avassaladores, a conferência foi um enorme sucesso”, sustentou, apontando a cada vez maior centralidade do tema dos oceanos na agenda pública mundial: “Inesperadamente, 2022 está a transformar-se num superano para os oceanos. Há esperança de que haja a vontade política necessária para salvaguardar o futuro do oceano”, acrescentou o responsável da ONU, sustentando que “ainda não é demasiado tarde para quebrar o ciclo do declínio da biodiversidade, aquecimento, acidificação e poluição marinha”. Mas se é certo que a declaração (cujo texto já tinha sido acertado em Nova Iorque e não foi reaberto em Lisboa) foi aprovada por unanimidade, não deixaram de se ouvir algumas declarações de voto com reparos, nomeadamente dos Estados Unidos, a lembrar que há limites à partilha de dados abertos – uma das medidas que é preconizada no documento. 10 mil milhões de euros em investimento. UE lidera Nada que tenha ensombrado as palavras de regozijo das Nações Unidas e dos dois países responsáveis pela organização da conferência. Na conferência de encerramento, o ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, anunciou que foram “inscritos mais de dois mil compromissos” numa plataforma criada para o efeito e que 670 desses compromissos são quantificáveis.“Em termos de financiamento, temos compromissos na ordem dos 10 mil milhões de euros, sete mil milhões vindos da União Europeia”, avançou o governante. O que sai de Lisboa A Declaração de Lisboa defende que é necessária “mais ambição a todos os níveis para resolver o terrível estado do oceano”, com os signatários a afirmarem-se “profundamente alarmados pela emergência global que o oceano enfrenta” e que se reflete na subida do nível das águas, na crescente erosão das regiões costeiras, num oceano “mais quente e mais ácido”. ”A poluição marinha aumenta a um ritmo alarmante, um terço dos stocks de peixe são sobre-explorados, a biodiversidade continua a diminuir e perdeu-se aproximadamente metade dos corais, enquanto espécies invasoras colocam uma substancial ameaça aos ecossistemas marinhos”, refere o documento. Intitulado O nosso oceano, o nosso futuro, a nossa responsabilidade, o texto admite o “falhanço coletivo” em quatro das dez metas previstas no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14 (um dos 17 objetivos definidos pelas Nações Unidas em 2015) e que deveria ter sido alcançada em 2020. O texto enuncia vários objetivos a atingir no futuro – promover o estudo científico e a recolha de dados, desenvolver formas inovadoras de financiamento da economia azul, reduzir as emissões de gases com efeitos de estufa do transporte marítimo internacional –, mas sem especificar prazos de implementação. Ao longo da conferência, vários países assumiram, a título próprio, compromissos para o futuro. Foi o caso de Portugal, com António Costa, logo no dia de abertura, a prometer “transformar a pesca nacional num dos setores mais sustentáveis e de baixo impacto a nível mundial”, com “100% dos stocks dentro dos limites biológicos sustentáveis”, ou a classificar “30% das áreas marinhas nacionais” até 2030 (uma promessa que foi deixada por vários países). O primeiro-ministro português disse também querer atingir os dez gigawatts de capacidade em energias renováveis oceânicas até 2030 e duplicar o número de startups na economia azul. Já os países da CPLP acordaram a criação de uma plataforma de cooperação para a promoção da pesca sustentável e o combate à pesca ilegal. Um dos anúncios mais significativos foi feito pela Austrália, que anunciou o investimento de 1,1 mil milhões de euros, nos próximos dez anos, na preservação da Grande Barreira de Coral, classificada como Património Mundial da UNESCO, e que tem sido fortemente afetada pelo aquecimento global. Com uma superfície de 348 mil quilómetros quadrados, o maior sistema coralino do mundo está a sofrer um branqueamento massivo de corais e corre o risco de ser declarado Património Mundial em Perigo. —– Palau e a China num diferendo sobre… Taiwan A Conferência dos Oceanos não passou ao lado da geopolítica mundial, chamada ao plenário quando a delegação de Palau criticou a ONU por ter impedido que cidadãos de Taiwan (que se considera uma nação soberana, mas é reclamada pela China) integrassem a sua delegação. “Vemos isto como uma violação dos nossos direitos de soberania.” A intervenção teve resposta da China, que referiu que as Nações Unidas aceitam que Taiwan faz parte do território da China e, como tal, não pode ter representação a título próprio naquele organismo internacional. O caso não ficou por aqui, com a delegação dos Estados Unidos – que apoia Taiwan – a intervir para apoiar a posição de Palau, defendendo que “cada delegação tem o direito de decidir a sua composição” e que não cabe ao Comité de Credenciais da ONU “decidir quais os membros que podem estar presentes”. —– A bioeconomia no planeta oceano Viriato Soromenho-Marques, professor universitário A II Conferência da ONU sobre os Oceanos revelou a inexistência de santuários livres dos impactos negativos da economia humana. A existência de uma pesca de arrasto, recebendo subsídios públicos, responsável pelo empobrecimento ou total destruição de 50 milhões de quilómetros quadrados (quase 10% de toda a superfície da Terra!) e libertando tanto carbono para a atmosfera como o do transporte aéreo, seria suficiente para demonstrar que existe uma brutal assimetria entre o poderio destrutivo da tecnologia e a anemia das instituições políticas e jurídicas, incapazes de romperem a sua cumplicidade com os interesses económicos que governam o mundo. Apesar de tudo, valeu a pena. Percebemos como a ONU é hoje uma frágil vela esfarrapada, tentando não naufragar sob os impetuosos ventos do futuro. Mas não me atrevo a sugerir que não ter vela alguma fosse preferível à rasgada vela da ONU… Há pelo menos duas décadas que, ativa ou passivamente, as grandes potências se desinteressaram da ONU. Por isso cada vez mais, quando o que está em causa é o património comum da humanidade, abandonou-se o recurso a convenções-quadro servidas por protocolos vinculativos (como foi o caso da Convenção do Ozono de 1985, servida pelo Protocolo de Montreal de 1987, ou da Convenção Climática de 1992, servida pelo Protocolo de Quioto de 1997). Em vez de compromisso, monitorização independente, possibilidade de sanções, as grandes potências preferem “acordos”, que são criaturas inofensivas à margem do direito internacional. Dão muitas palmas e lágrimas emocionadas no final das cimeiras, mas não afetam o rumo dos negócios do mundo. Basta olhar para esse fracasso anunciado, que sempre foi o Acordo de Paris, para perceber o lastimoso estado do “direito das gentes” nesta época do capitalismo neoliberal triunfante. Ficou visível na Conferência dos Oceanos que o essencial é a urgência de mudar a relação entre a economia e a natureza. A economia sempre dependeu da natureza. O valor económico parasita o valor natural. O problema é que a crise global do ambiente e clima constitui o auge sem regresso de uma economia que devora, simplifica e aniquila a natureza viva. Por isso poderemos chamar com inteiro rigor à economia entrópica do nosso tempo uma necroeconomia (uma economia da morte). Na Conferência dos Oceanos vislumbrou-se outra economia. Uma que é capaz de preservar os ecossistemas – criando, por exemplo, áreas marinhas protegidas –, aumentando também o rendimento económico de pescarias que respeitem os critérios da sustentabilidade. Uma economia que, em vez de arrasar a vida dos fundos marinhos, a estuda, aprendendo a criar medicamentos, novos alimentos, novos materiais biodegradáveis. Uma economia que, em vez de causar tragédias ecológicas a minerar o petróleo ou minerais raros nessa filigrana delicada que são os habitats do mar profundo, tem a ousadia de olhar para cima da coluna de água, fazendo dos ventos marinhos uma poderosa fonte de energia renovável. A essa economia, que trabalha com a natureza e a vida, e não contra elas, poderemos chamar bioeconomia. Sabendo que Portugal está próximo de alargar a sua área de jurisdição oceânica de 1,7 para 3,8 milhões de quilómetros quadrados, 40 vezes a sua área terrestre, então talvez fosse possível vislumbrar uma vereda estreita até ao futuro. Precisamos, todavia, de ter a inteligência e o coração no sítio certo para ousarmos a revolução pacífica da bioeconomia. —– O degelo ao vivo e a cores Artista visual, performance e navegadora, Bárbara Veiga não podia perdera oportunidade de despertar consciências em plena Conferência dos Oceanos. Fê-lo ao vivo, com a obra The Ocean. Maria João Martins | dnot@dn.pt “Eu gosto de mostrar o que é bonito, mas também preciso de falar do que é caótico e nocivo”, diz-nos Bárbara Veiga, artista visual e performer, pouco antes de apresentar a performance One Ocean frente ao Altice Arena, onde, ao longo de toda a semana, decorreu a 2.ª Conferência dos Oceanos. A partir de uma peça em constante mutação, feita de madeira queimada sob um grande cubo de gelo, Bárbara, nascida no Rio de Janeiro há 38 anos e a viver em Lisboa há dois, quis fazer uma reflexão sobre a relação entre o mar, a floresta e o ser humano. “O gelo é um elemento muito sensorial, sobretudo no verão, e essa capacidade pode ser a chave para despertar mais pessoas para o significado e consequências das alterações climáticas e o modo como estas afetam e ameaçam milhares de espécies animais e vegetais.” A paixão pelo mar surgiu-lhe cedo. Diz que em menina uma ida à praia despertara-lhe a curiosidade e a suspeita de que “sob a superfície havia muito mais para ser descoberto e explorado.” Aos 14 anos começou a promover campanhas de limpeza de praia com os amigos e não mais parou. Seguiu-se o envolvimento em causas e movimentos ambientais e a realização de trabalhos artísticos com elementos marinhos. Não tardou a deixar de navegar à vista de terra. Ao longo de sete anos, viajou a bordo do seu veleiro Papaia e visitou mais de 80 países: “Comprei um veleiro em segunda mão na Malásia, dei-lhe o nome de Papaia, restaurei-o entre a Malásia e a Tailândia e basicamente foi aí que vivi e realizei os meus trabalhos artísticos durante todos esses anos.” Em cada porto não só procurava saber mais sobre a cultura de quem a acolhia, como sensibilizar para a importância de uma relação em harmonia com o mar. “Sou muito curiosa e a diversidade cultural de que a Humanidade é capaz fascina-me”, admite. A performance a solo apresentada no encerramento da Conferência dos Oceanos foi realizada com um grande cubo de gelo, com palavras esculpidas em madeira no interior. “O título One Ocean serve para lembrar que só temos um oceano. Este é o momento de pensarmos coletiva e globalmente e defender esse bioma. Conhecemos apenas 20% do que se passa no mar, é um universo quase tão desconhecido como o espaço”, diz Bárbara, que, ao vivo, esculpiu o cubo de gelo com rebarbadora, escopro e martelo e usou um maçarico para o derreter. “Quis recriar, com ferramentas humanas e em pouco tempo, o efeito da emissão de gases e das pegadas de carbono tão prejudicais à nossa vida.” O figurino, concebido para a performance, é da autoria da estilista Roselyn Silva, em parceria com o seu marido, o artista Blackson. que desenvolveu um macacão com design apropriado à mobilidade e conforto para a performance, com um padrão que também é uma mensagem sobre o tema em causa. Em maio, a artista tinha apresentado, também em Lisboa, no espaço Espelho de Água, a exposição Mundo Insular, resultado do seu trabalho a navegar pelos oceanos, bem como o livro, da sua autoria, Sete Anos em Sete Mares. O principal objetivo de Bárbara foi usar o espaço da conferência com uma ação questionadora sobre o futuro a curto prazo, a década que, segundo alertam os especialistas, temos para inverter a marcha e mudar de rumo. “Falar de oceano é falar de humanidade. Porque temos um tempo curto aqui. A Terra vai continuar com ou sem o ser humano. Chamar a atenção para as questões ambientais é chamar a atenção para a nossa sobrevivência no planeta”, diz. Bárbara já apresentou performances artísticas, como Sea Woman, no Japão, Holanda, Bélgica, Espanha, Portugal, e O que eu preciso, no Brasil. Também fez exposições de fotografia ou multimédia na Islândia, França, Itália ou Austrália. Em 2021, apresentou Eternal Pelagus, uma exposição em Espanha, a convite do Festival Mar de Mares. Em maio deste ano, em Lisboa, a par da exposição Mundo Insular, apresentou uma performance com rede de pesca capturada em alto-mar, ao largo de Peniche. Neste caso, o foco incidia sobre a necessidade de “despertar o público para a crueldade do aprisionamento dos animais nas redes e para o mundo nocivo e tóxico que é a pesca ilegal”. A artista não se imagina a trabalhar sem um propósito social: “Tenho sempre o propósito de fazer com que as pessoas entendam mais sobre a importância de dizer mais sobre este tema. A arte tem o papel de despertar consciências de termos 10 anos para inverter esta realidade. É uma preocupação que tenho como cidadã consciente e como artista.” —– Santana Núñez “Estamos a pagar o bom nível de vida dos países desenvolvidos” O vice-ministro da Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente cubano, Jose Fidel Santana Núñez, esteve na conferência e falou ao DN dos desafios da ilha e do planeta e da “diferenciação das responsabilidades”. Susana Salvador | susana.f.salvador@dn.pt O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que o mundo enfrenta uma “emergência nos oceanos”. Concorda? Estou totalmente de acordo. Nos oceanos confluem as três grandes crises ambientais do planeta: as alterações climáticas, a contaminação e a perda de biodiversidade. Nisso ele foi enfático. E é uma das questões que temos que ser responsáveis como países, porque foi o Homem que criou estas crises. Esta conferência é para unir esforços e compromissos para poder, primeiro, travar e, depois, reverter estas crises. Ainda não é demasiado tarde? Guterres lembrava que estamos quase a passar a linha de não-retorno e uma das questões não só importante, mas quase vital, é que é inevitável empreender ações para proteger a vida no planeta. Nós não herdámos o planeta dos nossos pais, pedimos emprestado a vida e o planeta dos nossos filhos e netos. É preciso ser consequente com isso, e às vezes esquecemo-nos. Que desafios enfrenta Cuba? Na sua condição de pequena ilha, comprida e estreita, a questão dos oceanos é vital. Desde logo porque uma percentagem importante de pessoas vive na costa. Já temos um plano, a nível de Estado, para enfrentar as alterações climáticas, que tem como objetivo criar capacidade de resistência e dar atenção à população costeira. Também o facto de a subida do nível dos mares incidir desfavoravelmente na qualidade das águas dos lençóis freáticos, com a água salgada a contaminar as águas de consumo. Também há impacto no turismo, um dos principais setores de atividade. Nós temos no plano que chamamos de Tarea Vida [tarefa de vida] três prioridades: a segurança das pessoas, a alimentação das pessoas e a terceira é o tema das questões turísticas no âmbito do desenvolvimento sustentável. Que balanço faz da Conferência? Positivo, porque permite o intercâmbio entre governos e atores sobre as diferentes formas de enfrentar as problemáticas do oceano e a nossa responsabilidade nas suas soluções. A conferência tinha como objetivo encontrar um compromisso entre todos os países, para poder minimizar os efeitos dos danos aos oceanos. O que pode fazer Cuba para que a temperatura dos oceanos não suba? Muito pouco. Se não houver um acordo concertado entre todos, um compromisso com rigor e seguimento, não podemos, de maneira isolada, resolver os problemas dos oceanos. O mar é partilhado, é o que nos une a todos. E acha que os países desenvolvidos, os mais poluentes, deviam fazer mais para ajudar os países em vias de desenvolvimento? Há um princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas. A diferenciação da responsabilidade é que quem mais contamina são os países desenvolvidos. Tiveram um desenvolvimento económico barato porque não tinham em conta o meio ambiente e agora estamos a viver e a pagar o bom nível de vida dos países desenvolvidos. Para ser consequente e moralmente responsável têm agora que acompanhar os países em desenvolvimento, para transferir fundos, recursos, conhecimento, tecnologia… Cuba está em maior desvantagem, porque além das suas limitações económicas, é alvo de um acérrimo bloqueio da parte dos EUA. O embargo também influencia a forma como Cuba consegue lutar contra as alterações climáticas? Para os cubanos, o bloqueio é a causa fundamental que trava o desenvolvimento sustentável. Não só o acesso ao financiamento, o acesso à tecnologia, de acesso a investimento… O risco-país. E apesar de todos estes desafios, nós lutamos não só por ser sustentáveis, mas por ter desenvolvimento. O bloqueio é uma das coisas que afeta o desenvolvimento e afeta a capacidade de poder cumprir com os compromissos que adquirimos como país no contexto regional e mundial. Aproveitou a visita a Lisboa para vários encontros bilaterais em Portugal. O que procura Cuba? Portugal mostra liderança e compromisso, sobretudo nos temas da economia azul. Acho que podemos ter oportunidades de capacitação, de intercâmbio, de formação de pessoal, de estudo das energias renováveis. Também em questões de economia circular, em que nós estamos a dar os muito modestos primeiros passos. Estamos imersos num desafio comum e creio que Portugal e Cuba se podem ajudar mutuamente neste aspeto. —– Balanço da Conferência dos Oceanos Vera Eiró, Presidente do conselho de administração da ERSAR. Em 2015, os Estados-membros das Nações Unidas adotaram a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, comprometendo-se a desenvolver esforços para o cumprimento de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) até 2030. Neste conjunto de objetivos, o ODS 6, com o qual se pretende garantir a disponibilidade e a gestão sustentável da água potável e do saneamento para todos, é um instrumento fundamental para os atores dos serviços de águas e saneamento, incluindo a entidade reguladora, ERSAR, definirem as suas linhas mestras de ação. Mas não basta preocuparmo-nos apenas com este ODS, porque não é possível atingi-lo sem ponderação em conjunto com os restantes ODS, designadamente o ODS 14. De facto, é incontornável a ligação entre o ODS 6 e o objetivo que esteve no centro da Conferência dos Oceanos, o ODS 14: conservar e usar de forma sustentável os oceanos, mares e recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável. O ciclo da água é só um e as atividades em cada uma das suas fases tem necessariamente impacto no seu todo. A gestão da água doce tem, necessariamente, uma relação com a água salgada (nos nossos oceanos). Assim, com o objetivo de reforçar esta interligação, a ERSAR participou ativamente no Simpósio de Alto Nível sobre a Água, colaborando na discussão sobre o papel dos serviços de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais neste processo. A discussão tida neste simpósio terá relevo sobre um conjunto de mensagens e eventualmente reorientar as nossas políticas regulatórias durante esta década para fazer face aos desafios, que são muitos e difíceis. Em primeiro lugar, os setores da água e saneamento têm que adaptar as suas ações para uma abordagem completa da utilização da água pela humanidade (incluindo a origem até ao mar) e para a criação dos instrumentos financeiros, legais e regulatórios com o indispensável olhar holístico. Em segundo lugar, é importante retermos que os investimentos necessários para construção, manutenção ou renovação de infraestruturas de água e saneamento para atingir o ODS 6 não resolvem sozinhos os problemas existentes se não forem acompanhados por uma estratégia de adaptação às alterações climáticas. Em terceiro lugar, é imperativo que seja alterado o paradigma das infraestruturas dos serviços de água e saneamento, que devem gradualmente ser adaptadas a esta abordagem circular, ou seja, incorporarem os princípios da economia circular azul. A este propósito há um alerta para que a dessalinização, sendo uma solução para a escassez, não seja encarada como a grande solução para a escassez de água, dado os seus impactos nos consumos energéticos e na qualidade da água dos oceanos. A implementação desta solução técnica deve ser bem ponderada e adotada num ambiente de utilização eficiente dos recursos hídricos convencionais. Maior eficiência hídrica é a quarta mensagem que destacamos, com a necessária adoção de ferramentas como a certificação hídrica, em paralelo com a certificação energética já existente, e o reforço da perceção social do real valor da água. Não esqueçamos, a este propósito, que em Portugal ainda há uma grande origem de água por explorar: a eficiência. Finalmente, porque se trata de valores cruciais para a ERSAR, todas estas estratégias não podem esquecer o direito humano à água e ao saneamento, a necessidade de garantirmos a proteção social para quem dela necessita e a diminuição das desigualdades, não deixando ninguém para trás.