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Países como Itália e Portugal queriam mais cinco anos para os carros híbridos, mas recuaram. Ambientalistas aplaudem acordo mas criticam a porta aberta aos combustíveis sintéticos. A União Europeia (UE) deu na última noite mais um passo rumo ao fim da venda de veículos com motor de combustão interna a partir de 2035, mas deixou a porta aberta para que estes possam substituir a gasolina e o gasóleo pelos combustíveis sintéticos a partir desse ano. Uma possibilidade que desagrada aos ambientalistas. Chamados a pronunciar-se sobre a meta proposta pela Comissão Europei a e apoiada pelo Parlamento Europeu , os ministros do Ambiente dos 27 Estados-membros da UE conseguiram chegar a um acordo depois da desistência do grupo de cinco países que pediam mais cinco anos para os veículos híbridos e cláusulas especiais para construtores mais pequenos. Foi decisiva uma proposta alemã para que os chamados eFuels (basicamente gasolina sintética e gasóleo sintético) possam vir a ser usados depois da morte comercial dos hidrocarbonetos de origem fóssil no transporte rodoviário por veículos ligeiros. Estavam nesse lote países como Itália, berço de fabricantes de nicho como a Ferrari, e Portugal, que ainda não produz carros eléctricos para o mercado de massas nem está nos planos de nenhuma marca automóvel para a produção de baterias. Embora haja projectos de exploração de lítio que incluem as baterias, Lisboa queria ganhar tempo para a indústria se adaptar com menos dor possível a esta transição. Um estudo recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT) expunha aliás a fragilidade do sector português, lembrando que a dependência de tecnologias à beira da morte colocava a indústria portuguesa em risco de declínio A par da Roménia, da Bulgária e da Eslováquia, Portugal e Itália estavam a tentar empurrar o fim dos híbridos para 2040 . Mas acabaram por recuar nesse propósito. Porquê</h>eFuels</h>?</h> Foi preciso negociar pela noite dentro, e por volta das 2h desta quarta-feira, segundo a agência Bloomberg, soube-se que havia um acordo quando o ministro da Transição Ecológica de Itália, Roberto Cingolani, declarou estar “satisfeito” com a “emenda” proposta pela delegação alemã para permitir o uso de gasolina ou gasóleo fabricada em laboratório. “O fim do motor de combustão é uma grande notícia para o clima e para a saúde”, reagiram nesta manhã associações ambientais europeias como a portuguesa Zero. “Mas as novas propostas sobre combustíveis são um desvio. Não vamos perder mais tempo com combustíveis sintéticos”, até porque estes “emitem significativamente mais CO2 do que os veículos eléctricos a bateria ao longo de seu ciclo de vida e emitem tantas emissões de óxidos de azoto tóxicas quanto os veículos a gasolina”, alegam os ambientalistas. Os eFuels são estudados há alguns anos e há testes-piloto de industrialização em curso, embora não haja um consenso sobre eles como solução tecnológica para a descarbonização. Ainda assim, os ministros do Ambiente da UE pedem agora à Comissão Europeia novas propostas para permitir que sejam usados de 2035 em diante nos carros actuais ou futuros com motores de combustão interna. Mas qual a diferença e a vantagem? O gasóleo e a gasolina que hoje em dia metemos no tanque são produtos derivados da refinação do petróleo que é captado no subsolo. Em termos químicos, são hidrocarbonetos (moléculas constituídas por átomos de carbono e de hidrogénio) que, queimados, libertam a energia que é o combustível que permite mobilizar as nossas máquinas. A combustão gera no entanto o dióxido de carbono (CO2) que produz o efeito de estufa prejudicial ao clima e outros produtos químicos residuais que são nocivos para a saúde humana, como o monóxido de carbono (CO) e óxidos de Azoto (NOx). Pelo contrário, as versões sintéticas do gasóleo e da gasolina são obtidas sem recurso ao petróleo, carvão ou outro produto fóssil, através de processos industriais. São gerados a partir da fixação do carbono em excesso existente no ar, que é aspirado num processo alimentado por electricidade de origem renovável. O carbono é separado em filtros e recombinado com hidrogénio obtido por electrólise da água (processo de separar o hidrogénio do oxigénio através de uma fonte de calor, usualmente electricidade de origem renovável). Volta-se assim a ter moléculas de hidrocarbonetos de fonte mais “verde”, cujo consumo, num processo de combustão, volta a libertar o carbono que tinha sido retirado da atmosfera no início. Por essa razão, alega-se que os combustíveis sintéticos são neutros em carbono. No entanto, a Federação Europeia de Transportes e Ambiente, de que a Zero faz parte, “pede agora aos eurodeputados que não dêem qualquer possibilidade de fomentar os combustíveis sintéticos, que também são mais caros e implicam um uso muito menos eficiente de electricidade renovável do que a electrificação directa”. Os ambientalistas admitem que os eFuels devem “ser direccionados para outros modos de transporte como a aviação”. Há diferentes estudos a calcular o custo de produção deste fuel sintético. As conclusões variam. Um deles, patrocinado por um consórcio que incluía a Siemens e a Porsche (do grupo Volkswagen) e divulgado em 2020, estimava que produzir um litro custava então dez dólares (9,50 euros ao câmbio actual). Por isso, o objectivo seria baixar o custo de produção para um nível de preços próximo do dos actuais combustíveis fósseis. Embora patrocinasse este estudo, a Porsche já lançou modelos electrificados, ao contrário de marcas como a Ferrari, com o modelo Taycan, apresentado em 2019 e vendido desde 2020. Os combustíveis sintéticos permitem manter em utilização os actuais motores de combustão interna. Setenta por cento dos Porsches vendidos até hoje continuam em circulação. Por isso, esta marca e todas outras olhariam para os eFuels como uma solução melhor para tornar os carros actuais neutros em carbono no futuro. Pelo menos em teoria. Ainda assim, os ministros recusaram dar créditos de carbono a carros para eFuels . Estes teriam ainda a vantagem de poderem usar a actual rede de abastecimento. Mas o desenvolvimento industrial ainda não está optimizado. E a questão dos preços ainda está rodeado de incógnitas, dependendo dos custos de electricidade renovável e a fiscalidade. Litro de eGasolina a 1,38 euros?</h> A proposta alemã que permitiu desbloquear um acordo europeu em torno desta matéria, com o recuo da Itália sobretudo (onde a indústria automóvel ainda é relevante, como a Fiat, mas a electrificação tem marcado passo), aponta neste sentido: Bruxelas deve estudar formas de permitir que, a partir de 2035, continuem a ser matriculados novos carros com motor de combustão para uso com fuel sintético (gasolina, sobretudo, já que será difícil o gasóleo ser economicamente competitivo e viável). “Tenho plena confiança de que a indústria automóvel europeia vai conseguir gerir [esta transição]”, declarou Frans Timmermans, vice-presidente executivo da Comissão Europeia, falando aos ministros do Ambiente que se reuniram no Luxemburgo para decidir se apoiavam ou não o pacote legislativo “ Fit for 55 ” , que inclui, entre outras metas e instrumentos de apoio à transição, o fim comercial dos carros com motor de combustão interna. “Os nossos fabricantes são líderes industriais e continuarão a sê-lo quando abraçarem esta mudança.” A Aliança eFuel, uma entidade germânica que reúne dezenas de empresas dos combustíveis e do mundo automóvel (sem incluir os grandes fabricantes alemães como Daimler, BMW ou VW), tem vindo a defender os combustíveis sintéticos como alternativa a partir de 2025. Falando no Luxemburgo, o secretário de Estado da Energia e Ambiente de Portugal, João Galamba, expôs a posição portuguesa defendendo que havia apenas três tecnologias para apoiar a descarbonização do transporte rodoviário de massas. Galamba não se referiu ao fuel sintético Aquela aliança garante, todavia, que os custos de produção em 2050 ficarão abaixo de um euro por litro. Isto representaria custos na bomba de 1,38 euros a 2,17 euros para o eDiesel (com base na fiscalidade actual) e de 1,45 a 2,24 euros para a eGasolina (igualmente com base na fiscalidade actual). O aliciante de terminarem com a dependência actual do mundo em relação ao petróleo é contrabalançado pelo facto de esta tecnologia não contribuir propriamente para reduzir o CO2 na atmosfera. Quando muito, e se cumprir com métodos de produção sem emissões de CO2, manteria os mesmos níveis deste gás com efeito de estufa. A dirigir os trabalhos devido à presidência francesa do Conselho, que passará para a República Checa a 1 de Julho, a ministra da Transição Energética gaulesa, Agnes Pannier-Runacher, elogiou o acordo alcançado. “A Europa está a colocar-se na vanguarda na questão dos desafios climáticos e da tecnologia. Estamos também a assegurar uma transição justa para cada Estado-membro, território e cidadão”, disse, citada pela Bloomberg. No comunicado final do Conselho de Ministros do Ambiente, a mesma governante conclui: “Agora, o Conselho está preparado para negociar com o Parlamento Europeu a conclusão deste pacote legislativo.” Revisão em 2026</h> O acordo dos ministros abarca outras questões muito importantes para a descarbonização da economia, como o sistema de créditos de carbono, os fundos de apoio à transição, a desflorestação e o novo sistema de taxação das emissões de CO2 no comércio internacional. Mas a meta para os carros acabou por ser o tema fundamental até nos comunicados finais dos ambientalistas. Em 2026, Bruxelas vai ter de rever o estado de descarbonização do transporte rodoviário por ligeiros de passageiros ou ligeiros de mercadorias. Poderá nessa altura, em função da evolução, rever as metas e calendários actualmente em discussão. Apesar de terem recuado nas suas pretensões iniciais, países como Itália conseguiram algumas concessões neste processo negocial. Fabricantes de nicho como a Lamborghini ficam isentas de metas intermédias até 2035, e não até 2029, como pretendia a Comissão. Porém, o mecanismo de incentivos para os carros de emissões zero ou baixas terminará em 2030. O acordo custou, mas foi obtido. Mas este ainda não é ponto final. Obtida a aprovação do Conselho, segue-se novas negociações com o Parlamento Europeu para a redacção final dos textos. A República Checa é um importante fabricante de carros, graças a investimento estrangeiro de marcas europeias. Resta saber se Praga dará prioridade ao tema no próximo semestre, como pedem os ambientalistas. Para a Zero, em vez de eFuels , o importante é avançar com a legislação e desenvolver a infra-estrutura de carregamento eléctrico. Além disso, os ambientalistas apelam à “ requalificação dos trabalhadores para a transição eléctrica e fornecimento responsável de material para baterias”. Sobre as preocupações portuguesas, os ambientalistas sublinham a urgência de uma “transformação rápida da indústria automóvel portuguesa no sentido de começar a produzir veículos eléctricos e esquecer de vez os enormes e pesados automóveis híbridos plug-in , ainda fomentados por uma fiscalidade inadequada no nosso país”.