Diário de Notícias
Objetivo do regulador é proteger agregados familiares mais desfavorecidos e incentivar modelo de gestão sustentável da rede de abastecimento nacional. Projeto está em consulta pública desde 24 de junho.
O direito ao acesso ao abastecimento de água potável de qualidade, bem como ao serviço de saneamento básico, é considerado um direito humano essencial pela Organização das Nações Unidas (ONU). Partindo deste pressuposto, a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) publicou em consulta pública, na passada sexta-feira, uma proposta de recomendação para a adoção da tarifa social pelos operadores do setor. Objetivo é limitar custos imputados às famílias mais carenciadas, assegurando o acesso universal à rede e, em simultâneo, promovendo um modelo de gestão sustentável. A instituição que regula o setor, liderada pela presidente Vera Eiró, defende, assim, que os tarifários aplicados devem “atender à capacidade financeira dos utilizadores”, à semelhança do que acontece com o gás ou com a eletricidade. Este princípio deve “promover o acesso universal aos serviços de águas e resíduos e garantir a satisfação das necessidades básicas dos utilizadores domésticos”, escreve a ERSAR no documento divulgado. Como critérios de elegibilidade, é recomendada a atribuição de tarifa social aos consumidores que beneficiem de um dos seguintes apoios estatais: complemento solidário para idosos, rendimento social de inserção, subsídio social de desemprego, abono de família, prestação social de invalidez ou pensão social de velhice. “Consideram-se ainda elegíveis os utilizadores domésticos cujo agregado familiar tenha um rendimento anual igual ou inferior a 5808 euros”, acrescenta a proposta. Este valor pode ser majorado em 50% por cada elemento do agregado que não apresente rendimentos, até ao limite de 10. Esta nova recomendação da ERSAR sugere aos 354 operadores registados a nível nacional que adotem o modelo de tarifa social proposto, de forma a garantir a “harmonização de direitos” para beneficiar “as populações da generalidade do território”. Para isso, é sugerida a isenção da tarifa de disponibilidade em conjunto com um desconto aplicado ao valor da tarifa variável, “permitindo que o encargo total (…) seja de mais fácil controlo por parte do agregado familiar”. O teto máximo proposto para o benefício social fixa-se no limite de 10m3 de água por mês, considerado “o consumo médio” das famílias portuguesas. Recorde-se que apesar da tarifa social existir no abastecimento de gás, eletricidade e até de serviços de telecomunicações, a implementação deste benefício na gestão da água potável e dos resíduos é opcional. O decreto-lei 147/2017, de 5 de dezembro, estabelece a atribuição automática de tarifa social aos utilizadores domésticos “dependente de adesão voluntária pelo município territorialmente competente”, aponta o regulador. Gerir melhor um recurso finito Portugal é um dos países mais ameaçados pelos efeitos das alterações climáticas. Estimativas apontam para que, em 2040, cada português tenha disponível apenas 25 litros de água por dia para consumo. Assegurar uma melhor gestão deste recurso é, por isso, essencial, em especial quando a ERSAR aponta que existem perdas de até 30% na rede de abastecimento – significa isto que por cada dez litros de água tratados e colocados na rede, apenas sete litros chegam às torneiras. O fraco estado de conservação da rede implica que os operadores reforcem a sua manutenção em, pelo menos, 2,5 mil milhões de euros até ao final da década. O DN sabe que esta é uma questão prioritária para a administração da ERSAR, que lamenta não ter poder sancionatório junto dos operadores do setor, de forma a poder forçar a adoção de medidas que considera serem fundamentais para a sustentabilidade do sistema a médio-longo prazo. Internamente, a escassez de água que vem afetando o país com períodos cada vez mais longos e recorrentes é considerada “grave” e levanta preocupações ao regulador. A ERSAR tem vindo, ao longo dos últimos anos, a tentar sensibilizar os operadores locais – em gestão direta pelos municípios ou por via de concessão pública – a implementarem modelos de faturação dos serviços que permitam cobrir os gastos e os custos de manutenção da rede. O que acontece hoje, de forma generalizada, é que os municípios cobram estes serviços abaixo do preço de custo, não refletindo o valor real do tratamento e abastecimento de água na fatura paga pelo consumidor. A ERSAR defende uma “utilização economicamente eficiente [dos recursos], com a recuperação dos custos de serviços de águas” como condição essencial para a sustentabilidade do consumo de água.