Jornal de Negócios
Em 60% dos municípios, a tarifa praticada não cobre os custos. Regulador propõe aumento dos preços da água e nova tarifa social A Entidade Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos revela que em 60% dos municípios o preço da água é muito baixo e não cobre os custos de abastecimento e saneamento.
Em Portugal, cada família consome em média 10.000 litros de água por mês, 120.000 litros por ano. Tendo em conta que isto equivale a 10 metros cúbicos (m3) mensais e que o preço do m3 custa, em média, neste momento, 1,6 euros, a fatura da água que chega lá a casa não ultrapassa os 16 euros. Por ano, são 192 euros. No entanto, alerta a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos, no seu último relatório anual, relativo a 2021, que há municípios onde o preço da água não vai além dos 40 cêntimos por m3 e outros onde o preço máximo que é cobrado pela água para consumo humano é de 3 euros m3. Para a ERSAR, estes valores não são suficientes e o regulador emitiu recentemente uma recomendação, já sujeita a consulta pública, em que recomenda que o preço cobrado pela água em Portugal seja calculado em todos os municípios usando a mesma fórmula e os mesmos parâmetros, o que poderá fazer subir os preços em alguns deles, se estiverem manifestamente inadequados. “Não obstante a média verificada, existe uma grande amplitude entre preços mínimos e máximos, sendo de salientar que, em média, os preços cobrados são superiores nas entidades gestoras de natureza empresarial, em modelo de delegação e de concessão”, pode ler-se no relatório anual da ERSAR referente a 2021. Ainda de acordo com a análise do regulador, a grande maioria (60%) dos municípios portugueses (a quem está entregue a gestão dos sistemas de abastecimento e saneamento de água e gestão de resíduos urbanos) não cobra o valor justo ou adequado pela água que vende aos clientes, por forma a cobrir os custos necessários com a sua operação, nomeadamente com a manutenção da rede e reabilitação de condutas (numa extensão de cerca de 2%, em vez dos atuais 0,3%), que em Portugal têm uma idade média de 20 a 50 anos. Conclusão: de toda a água que circula na rede nacional, 30% são perdas que podiam ser evitadas com mais investimento nas infraestruturas, que não está a ser feito pelas entidades gestoras. Em 2020, segundo as contas da ERSAR, o investimento total efetuado no setor de águas e resíduos em Portugal continental atingiu 16,5 mil milhões de euros, mas apenas 350 milhões em condutas e coletores da rede de abastecimento. Num cenário “business as usual”, o regulador estima que será necessário um investimento até 2030 de 2,5 mil milhões de euros na rede de abastecimento e saneamento nacional, que pode aumentar até 4,5 mil milhões num cenário “ótimo”. Isto num cenário de escassez de água que só tenderá a agravar-se e com 97% do país em seca extrema. Do lado do Governo, o ministro do Ambiente e da Ação Climática, Duarte Cordeiro, reconhece que o país vive uma “situação grave” de escassez de água mas, para consumo humano, está “salvaguardada por um período de dois anos”. “Num ano particularmente difícil, temos de nos habituar a viver com menos água”, alertou Duarte Cordeiro. Porque não há uma tarifa social na água? Além da recomendação para o preço da água, a ERSAR acaba de publicar e vai submeter a consulta pública um projeto de recomendação para a criação de uma tarifa social para os consumidores domésticos. A proposta é de um valor mensal de 4,5 euros, sujeito a uma taxa de IVA de 6%, relativo apenas ao abastecimento. Isto, para um consumo mínimo de 10 m3 de água (10.000 litros, o que em média consomem as famílias em Portugal), com 9 m3 de água residual produzida. A fatura da água inclui ainda outros dois serviços, o saneamento de águas residuais e a gestão de resíduos urbanos, e esses, com a tarifa social, passariam a custar 4,77 euros por mês, cada um. Ou seja, 14,31 euros no total, por mês e 174,24 euros por ano. A ideia é que à semelhança da luz, do gás e da internet, a água que sai das nossas torneiras possa ter um preço mais baixo para as famílias em situação de carência económica. A figura de uma tarifa social para a água até já existe, mas é de adoção voluntária por parte das 364 entidades reguladas pela ERSAR. Conclusão: são muito poucos os municípios que gerem sistemas de águas e resíduos que decidiram aderir, “pelo que continua a verificar-se uma grande disparidade de tarifas sociais aplicadas aos consumidores finais e a existência de um reduzido número de beneficiários, comparativamente a ouros setores”, pode ler-se no documento da recomendação da ERSAR, a que o Negócios teve acesso. Só na energia elétrica, a atribuição da tarifa social abrange já 830 mil famílias e desde 2016 que é feita de forma automática, através do cruzamento de dados entre a Autoridade Tributária e Aduaneira e a Segurança Social. Mas há também tarifas sociais que garantem preços mais baixos para as famílias carenciadas no gás natural e até na internet. A ERSAR quer que esta “ajuda” chegue finalmente ao setor da água e resíduos. Para terem acesso à tarifa social da água, as famílias têm de cumprir alguns requisitos, como beneficiar do complemento solidário para idosos, rendimento social de inserção, subsídio social de desemprego, abono de família, prestação social de invalidez, pensão social de velhice. Além disso, são elegíveis também os agregados familiares com um rendimento anual igual ou inferior a 5.808 euros, acrescido de 50% por cada elemento que não tenha qualquer rendimento. Os municípios podem ter outros critérios, desde que não sejam mais restritivos. Quanto ao financiamento desta nova tarifa social da água, a entidade reguladora do setor defende que o mesmo deve ficar a cargo dos municípios aderentes, de modo que “não sejam oneradas as tarifas dos demais utilizadores”. —– Taxa dos resíduos sai da fatura da água em junho de 2026 Na Maia, a taxa já é calculada em função dos resíduos produzidos e não da água consumida. Conceito de “poluidor-pagador” vai chegar o todo país. Bárbara Silva Muitos consumidores nem devem reparar, mas a fatura que se paga todos os meses, além do abastecimento de água propriamente dito e do seu saneamento – que é o que permite que seja devolvida ao mar sem o poluir –, inclui também uma taxa de gestão de resíduos. Parece estranho, e é, mas vai acabar já em junho de 2026. A ERSAR está, neste momento, dedicada a elaborar um relatório que vai ser publicado em julho, como primeiro passo para a implementação do conceito “poluidor-pagador” em Portugal. No original, em inglês, o sistema chama-se “pay as you throw” (PAYT) e o município da Maia foi o primeiro a implementá-lo com sucesso no país. A partir de março de 2022, a Maiambiente criou o novo modelo tarifário “Recicle Mais Pague Menos”, que foi implementado em 11.300 habitações, abrangendo 30 mil habitantes da cidade da Maia, de acordo com o jornal digital Notícias Maia. Na prática, esta é, de facto, a primeira fatura no país em que a tarifa do serviço de gestão de resíduos urbanos é indexada à própria produção de resíduos e não ao consumo de água, como acontece nos restantes municípios. De acordo com os relatórios da ERSAR, muitos deles nem sequer cobram esta taxa de resíduos aos seus clientes, o que faz com que reduzam ainda mais a cobertura dos custos (80% estão abaixo do limiar) e tenham muito menos para investir na manutenção das redes de água, entre outros investimentos necessários. O regulador considera que este modelo do “poluidor-pagador” acaba por ser mais justo porque os cidadãos pagam apenas pelos resíduos que produzem e que não podem mesmo ser reciclados, acabando por ir parar a um aterro. Como por exemplo: chávenas de porcelanas, óculos que já não são usados, o patinho de borracha do banho das crianças ou os pratos de papel ou cartão do piquenique. Estes resíduos são entregues diretamente às entidades gestoras ou colocados num ecoponto especial, pesados e em função disso é-lhes atribuído um preço, a pagar por quem os produziu. Tudo o resto – papel, vidro, plástico e biorresíduos – deve continuar a ser separado e colocado no contentor certo.