Indústria & Ambiente
A energia bruta disponível na União Europeia foi, em 2019, de cerca de 66 mil Petajoules Valor que representa, por habitante, perto do dobro da média dos restantes países do mundo. Fernando Castro, Professor Catedrático Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade do Minho O consumo refere-se, em cerca de 70%, a transportes, uso doméstico e serviços. Desta energia consumida na Europa, 70% provém de fontes fósseis, dos quais cerca de 91% é importada. Embora se verifique uma crescente e consistente progressão da parte da energia consumida que provém de fontes não fósseis (renováveis e nuclear), que passou de 18 para 30% ao longo dos últimos 30 anos, ainda é muito forte a dependência da Europa em termos de energia não renovável. A guerra na Ucrânia trouxe a relevância do assunto para a discussão pública, devido à forte dependência europeia, e em particular de alguns dos seus países, face ao gás natural e ao petróleo russos. A União Europeia não possui, por isso, recursos energéticos fósseis naturais que lhe permitam alcançar uma autonomia energética plena. Por outro lado, o uso de fontes fósseis contraria o objetivo político associado à necessidade de mitigar as alterações climáticas, na procura de uma transição para um consumo energético cada vez mais assente em fontes renováveis. Importa, por isso, aproveitar todos os recursos endógenos disponíveis. Sendo que, para além do vento, água e sol, existem disponíveis matérias-primas secundárias, resíduos, com valor energético que podemos (e devemos) aproveitar. Da atividade humana resulta uma quantidade importante de resíduos, muitos dos quais, por ineficiência técnica ou económica, não são ainda valorizados. Muitos desses resíduos apresentam teores de carbono e de hidrocarbonetos que lhes conferem valor energético potencial. Tal é o caso de vários tipos de resíduos poliméricos mistos que são difíceis de reciclar, por se tratar de misturas de diferentes materiais. Idêntica situação sucede com resíduos de plásticos não recicláveis, bem como com resíduos do setor têxtil e do calçado, resíduos de espumas e ainda resíduos derivados do tratamento de outros resíduos, como é o caso das frações finas oriundas da fragmentação de veículos em fim de vida e os refugos das centrais de tratamento mecânico biológico de resíduos urbanos. Apenas parte destes resíduos é valorizada por forma a aproveitar a energia contida, sucedendo que boa parte deles tem como destino a eliminação por deposição em aterro. Segundo a Plastics Europe, em 2018, apenas 57% dos resíduos poliméricos mistos eram valorizados por forma a produzir energia, sendo 37% depositados em aterro. Há, por isso, um caminho a trilhar no sentido de melhorar esta situação. Seja promovendo maiores taxas de valorização energética, seja através de processos de reciclagem química em que, dos resíduos, se podem extrair produtos com interesse para serem reutilizados em fileiras industriais de produção de químicos e similares. Nos últimos anos, tem sido intensa a investigação realizada, quer ao nível académico quer industrial, associada ao desenvolvimento de processos de valorização energética ou de reciclagem química para estes resíduos complexos. No caso da valorização energética, para além dos processos tradicionais de combustão/ incineração, com aproveitamento da energia, tem-se evoluído no sentido de outros processos térmicos, menos oxidativos, como são a gaseificação controlada, em que os principais produtos são gases combustíveis, ou a pirólise, em que o objetivo pode ser a produção de combustíveis em qualquer das formas físicas: gás, líquido ou sólido. Estes processos, mais complexos do que a simples combustão, potenciam melhores aproveitamentos da energia contida, podendo levar à obtenção de produtos combustíveis com maior valor e de utilização descentralizada, uma vez que são bens transportáveis. Na vertente da reciclagem química, os processos que têm sido objeto de desenvolvimento são variados: despolimerização, com obtenção de monómeros; pirólise, gaseificação ou tratamentos hidrotérmicos, com o objetivo de obter novos hidrocarbonetos com interesse para a indústria. Estes processos apresentam elevado potencial, uma vez que, ao permitir obter diretamente produtos com valor, a partir de resíduos, reduzem a necessidade de utilização de matérias-primas petroquímicas de origem fóssil. Neste contexto, a Europa tem visto surgir, nos últimos anos, as primeiras instalações industriais para a reciclagem química de alguns destes tipos de resíduos. Em Portugal, onde a percentagem de resíduos poliméricos mistos que é depositada em aterro é superior à média europeia, regista-se ainda algum atraso, isto apesar das ambiciosas metas de reciclagem definidas. Espera-se, contudo, que num futuro bem próximo, surjam, também em Portugal, unidades de reciclagem química de resíduos mistos de plásticos e similares, que permitam reduzir a nossa dependência em termos de fontes fósseis, contribuindo para uma economia mais circular e para se atingir os objetivos globais em matéria de mitigação das alterações climáticas.