Observador
Há várias reformas nas quais Portugal está a avançar no âmbito do PRR. Mas é preciso mais. Bruxelas fala em particular nos impostos, segurança social, energia, ambiente e administração pública. O diagnóstico está feito e as recomendações de Bruxelas continuam a pedir algumas medidas há muito realçadas. Realizar reformas ao nível fiscal, de segurança social, de programação orçamental e promover medidas que atuem sobre o crescimento são algumas delas. A receita parece simples, mas tem um conjunto grande de desafios. Bruxelas continua a pedir prudência e contenção a Portugal, no âmbito das análises aos desequilíbrios macroeconómicos no semestre europeu. Há uma dose grande de medidas previstas no PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) — que o Conselho de Finanças Públicas já disse ter tido baixa execução em 2021 e sobre o qual o Presidente tem feito constantes chamadas de atenção. Mas Bruxelas quer mais, já que “Portugal enfrenta um conjunto adicional de desafios”, ainda que nesta guerra a exposição nacional direta seja baixa, mas sofrerá um grande impacto indireto. Esse é aliás um dos desafios. A dependência aos combustíveis fósseis; o envelhecimento da população; umas finanças públicas sensíveis a choques externos; o impacto das alterações climáticas; atrasos na economia circular. Estes são outros dos desafios enumerados pela Comissão Europeia. Elevados níveis de dívida obrigam a prudência orçamental O rácio da dívida face ao PIB desceu em 2021 e continuará o caminho descendente. Mas Bruxelas faz vários alertas para o que diz ser um valor, ainda, elevado. O que obriga a medidas e a prudência. Não é por as regras orçamentais europeias ficarem em stand by mais um ano que se deve descurar esta vertente, salientaram os comissários europeus que apresentaram o semestre europeu. A par da prudência reclamam-se medidas que promovam o crescimento económico. No âmbito da avaliação de Primavera do semestre europeu, a Comissão Europeia faz recomendações gerais: – Em 2023, Portugal deve “assegurar prudência orçamental, em particular limitando o crescimento da despesa corrente abaixo do potencial de crescimento económico de médio prazo, tomando em conta os apoios temporários por causa dos preços da energia e dos refugiados da Ucrânia”. Deve estar, assim, “pronto para ajustar a despesa corrente à evolução da situação”. E expandir o investimento público para a transição verde e digital e para a segurança energética, utilizando os fundos europeus disponíveis. Para o período pós-2023, prosseguir uma política orçamental centrada na prudência e na credibilidade, e olhando para a sustentabilidade orçamental e redução gradual da dívida no médio prazo através da “consolidação gradual, investimentos e reformas”. – Melhorar os sistemas tributário e de segurança social, simplificando-os e reforçando a sua eficiência e respetivas administrações, por forma a reduzir o fardo administrativo associado. – Prosseguir com a implementação do PRR em linha com as métricas traçadas e submeter a documentação para o quadro plurianual de apoios. – Promover as condições para uma transição para a economia circular. Portugal compara mal em alguns dos indicadores, de acordo com Bruxelas, e por isso tem de olhar em particular para a diminuição dos desperdícios, aumentar a reciclagem e a reutilização. – Reduzir a dependência em relação aos combustíveis fósseis, acelerando o desenvolvimento das renováveis, modernizando as redes de transmissão e distribuição elétricas, promovendo investimentos no armazenamento elétrico e simplificando os procedimentos de licenciamento nas eólicas — em particular no offshore — e no solar. Bruxelas recomenda também aumentar a eficiência elétrica dos edifícios e ainda fala numa linha do reforço das interligações elétricas, ainda que nem todas dependam de Portugal Impostos. Benefícios fiscais não são transparentes e retenções na fonte são elevadas Em vários documentos publicados esta segunda-feira pela Comissão Europeia, Portugal aparece como um país em que o sistema tributário é complexo, com peso administrativo que devia ser aligeirado. Uma simplificação do sistema promoveria um ambiente mais favorável ao crescimento. O sistema de benefícios fiscais de Portugal é “bastante complicado e pouco transparente”. Mais de 500 benefícios fiscais foram identificados, espalhados por mais de 60 diplomas legais, exemplifica a Comissão Europeia. Por isso, a eficiência das despesas fiscais poderia beneficiar com a sua monitorização consistente. Mas há mais. “A estrutura de taxas com impostos sobre empresas do Estado e dos municípios gera complexidade para os contribuintes e acrescidas tarefas administrativas para a entidade tributária”. Por outro lado, as retenções na fonte “são habitualmente muito elevadas, o que resulta em reembolsos elevados no ano subsequente”. Bruxelas fala ainda do custo que tem a arrecadação de impostos, que é dos mais elevados. Em 2019 foi cerca de 20% superior ao dos restantes países da União Europeia. Ao mesmo tempo, o investimento em tecnologias de informação e comunicação por parte da Autoridade Tributária foi baixo em comparação com os parceiros europeus — foi de 5,7% dos custos operacionais, cerca de metade da média europeia. “Tornar as administrações fiscais mais eficientes permitirá reduzir o prazo de pagamento dos impostos e diminuir também o volume de atrasos fiscais pendentes — 37,1% da receita no final de 2019, dos mais elevados da União. “Há margem para tornar a gestão de impostos e das contribuições sociais mais eficientes e um ambiente fiscal mais amigo. O que permitiria melhorar o ambiente de negócios e reduzir os custos administrativos quer para os contribuintes quer para a administração fiscal”, salientando Bruxelas que pagar o IVA e as contribuições sociais parece ser penoso ao nível do tempo que se gasta. Aliás, nos impostos sobre empresas, uma redução dos custos administrativos para um nível mais próximo da média europeia poderia, nas estimativas de Bruxelas, fazer aumentar o PIB em 0,5%. Um sistema mais simplificado e mais bem coordenado — “cobrindo imposto e contribuições sociais” – está ainda em falta, o que determina, muitas vezes, a duplicação de relatórios que têm de ser entregues. Esta simplificação poderia, por outro lado, levar a inspeções mais direcionadas e eficazes. Segurança social também precisa de mexer No âmbito do sistema de proteção social, Portugal tem taxas abaixo da média nas transferência que conduzem à redução de pobreza e desigualdade. A adequação do rendimento mínimo é baixa, situando-se em 37,5% do limiar de risco de pobreza, enquanto a média europeia está nos 58,9%. Por outro lado, “uma multitude de benefícios sociais parecem servir o mesmo objetivo, conduzindo à complexidade. “A fragmentação do sistema de proteção social resulta numa relativa baixa de adoção e resulta no desvio do foco para aqueles que mais necessitam, dificultando a cobertura e a adequação dos benefícios sociais”. Em mais pormenor, a Comissão Europeia aponta: “O processo de verificação de elegibilidade, como o rendimento mínimo, é moroso, quando há insuficiente capacidade administrativa para conduzir as respetivas verificações em tempo útil”. Ou seja, a complexidade administrativa gera custos e tempo de espera longos. “O que pode dificultar a cobertura do sistema de proteção social, havendo o risco de quem tem direito aos benefícios sociais não conseguir obtê-los”. Uma população envelhecida e uma administração pública a crescer A pressão sobre o orçamento chega também de uma tendência demográfica. A população está a envelhecer. Há três trabalhadores para cada reformado, estando a caminho de ficar dois trabalhadores para cada pessoa com mais de 65 anos.Com isso a pressão na despesa com as pensões, admitindo-se atingir um pico em 2035. Além da pressão sobre as pensões, crescerá a pressão sobre o sistema de saúde, que aliás é um dos pontos de análise por parte de Bruxelas, com os resultados do SNS a piorarem com a pandemia. Também a este nível se reclama por reformas que a Comissão lembra estarem algumas no PRR, assim como ao nível da melhoria da sustentabilidade do setor empresarial público. Ao nível da administração pública, o crescimento da força laboral nos anos recentes também coloca pressão na despesa pública. “O número de trabalhadores da administração pública atingiu o pico da última década no quatro trimestre de 2021, o que conduz a um permanente aumento da despesa pública. Como resultado, a despesa pública com salários excedeu a média europeia em mais de 1,3 pontos percentuais do PIB em 2021 (11,5% do PIB em Portugal, que compara com os 10,5% da UE)”, alerta a Comissão. Deixando a sugestão: “Racionalização da conta salarial da administração pública e os níveis de emprego, enquanto ao mesmo tempo se asseguram serviços públicos eficientes, é importante para garantir que o governo fica com a habilidade de ajustar a despesa pública em função das prioridades políticas ou das necessidades para amortecer flutuações económicas”. À pressão dos sindicatos de aumentos maiores para a função pública, por causa da subida da inflação, o Governo tem respondido com a necessidade de olhar para o futuro e ter as contas públicas preparadas para futuros choques. Um desafio para o Governo é, pois, adaptar a força laboral pública à procura. Até porque a idade conduzirá mais necessidade no setor da saúde, enquanto a diminuição de jovens pode levar a menor procura pela educação. Por outro lado, diz Bruxelas, os funcionários públicos também estão a envelhecer e Portugal tem, por exemplo, das mais altas proporções de professores com 50 anos ou mais. Também tem o desafio de retenção de trabalhadores em setores estratégicos como na saúde. Tudo isto encerra riscos, tendo, por outro lado, de se tornar o setor público mais atrativo para retenção de pessoal qualificado. O bom e o mau no diagnóstico – A economia portuguesa está a recuperar depois de ter sido bastante atingida pela pandemia. O travão nas restrições por causa da Covid-19, os elevados níveis de vacinação de Portugal e as projeções de recuperação do turismo levaram a Comissão Europeia a prever um crescimento do PIB para este ano de 5,8%, isto depois de no primeiro trimestre o produto nacional já ter chegado aos níveis pré-pandemia. – O mercado de trabalho também reagiu bem, ainda que o desemprego jovem continue elevado — já estava acima da média europeia antes da crise pandémica, e atingiu os 26,1% no terceiro trimestre de 2020 e continuou acima dos 20% em 2021. A resiliência no mercado de trabalho não pode ser dissociada dos programas de apoio ao emprego por causa da pandemia, que com a sua retirada levará a que o emprego suba a um ritmo menos elevado que o PIB em 2022 e 2023. – A Comissão Europeia destaca, ainda, pela negativa, as persistentes disparidades regionais existentes em Portugal. O produto nacional per capital baixou de 76% da média europeia para 74% em 2021, com Lisboa a ser a única região perto da média. “Portugal continua a enfrentar desafios para alcançar uma maior coesão inter e intra regiões. A região da capital concentra elevados níveis de atividades de valor acrescentado e serviços públicos, com fortes disparidades a persistirem entre Lisboa e o resto do país”. – A situação orçamental está a melhor, depois dos anos da pandemia. As projeções apontam para descidas nos défices, aumentos no investimento público — à boleia do PRR — e redução da dívida em relação ao PIB — “continua das mais elevadas”. Mas há mais. As tendências demográficas adversas e a crescente força de trabalho no setor público “estão a pressionar a despesa pública”. E a produtividade caiu.