Água&Ambiente
Perante a obrigatoriedade de implementar sistemas de recolha seletiva de biorresíduos até 2023, muitas autarquias estão a recorrer a ecopontos. Mas os biorresíduos assim recolhidos acabam quase sempre por ir parar a aterros sanitários.
Para começar a cumprir os prazos para a recolha seletiva de biorresíduos alguns municípios converteram ecopontos de indiferenciados/lixo comum em ecopontos para depósito de resíduos orgânicos. Para o especialista em resíduos, Rui Berkemeier, da ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável, “nas designadas ilhas ecológicas, onde existiam dois contentores de indiferenciados, alguns municípios mudaram a cor da tampa de um deles e passaram a destiná-lo para depósito de biorresíduos”. Nesse contentor aplicaram um painel informativo e – nalguns locais – colocaram folhetos nas caixas de correio dos residentes a informar sobre as novas funções do contentor de tampa castanha. Rui Berkemeier explica que “muitas pessoas não se aperceberam da mudança” e continuam a depositar o lixo comum no – agora – contentor destinado aos biorresíduos. “Isso é fácil de verificar, abrindo a tampa e espreitando para o interior desses equipamentos, onde se misturam sacos de lixo comum com alguns (poucos) componentes orgânicos”, e a recolha desses resíduos “acaba por ir para os designados TMB (Tratamento Mecânico-Biológico de resíduos) ou vai mesmo parar aos aterros sanitários”, remata. João Levy, Presidente da ECOSERVIÇOS e professor no Instituto Superior Técnico (IST), confirma a limitação desta solução: “no sistema por pontos de recolha o processo é mais rápido e económico, mas a qualidade do produto é pior e há menor taxa de captura”. Desvantagens do depósito em ecoponto Para Sara Correia, também especialista da ZERO em biorresíduos, «verifica-se que grande parte dos municípios optou – de acordo com os estudos colocados em consulta pública – por soluções baseadas sobretudo na recolha seletiva na via pública em contentores dedicados, ou seja, uma solução muito semelhante aos já conhecidos ecopontos verde, azul e amarelo, para áreas urbanas”. Como exemplos de municípios que optam pela recolha em ecopontos, Sara Correia menciona alguns, como “Almada, Setúbal, Golegã, municípios do litoral alentejano (Odemira, Grândola e Sines), no Oeste os municípios de Alcobaça e Torres Vedras. Mas há muitos outros”. Em relação às desvantagens deste modelo de recolha em ecopontos, Sara Correia sublinha “o facto de ser um sistema no qual quem participa e faz a separação corretamente não ter qualquer vantagem óbvia, o que leva a que acabe por ser mais vantajoso não separar. Estes ecopontos são colocados à disposição das pessoas para que coloquem lá os biorresíduos mas continua a disponibilizar-se, na mesma ilha ecológica os contentores para indiferenciados”. E prossegue: “se separar os biorresíduos dá mais trabalho, não tenho nenhum benefício óbvio e ainda por cima continuo a poder colocá-los no contentor habitual, porque motivo hei-de fazer separação?” Estes sistemas de recolha coletiva estão normalmente associados a “uma baixa taxa de recolha e com maiores índices de contaminação até porque objetivo da recolha seletiva é evitar que estes resíduos vão para aterro e possam ser encaminhados para valorização orgânica (produção de composto) e esse objetivo fica em causa quando temos níveis de contaminação elevados”, alerta a especialista da ZERO, adiantando que “nesse caso ou vão diretamente para aterro ou são encaminhados para unidades de TMB”. Campo Maior e Seixal Paula Caldeira é a responsável pela gestão dos biorresíduos num concelho do interior, num território de baixa densidade demográfica, Campo Maior. “Na zona histórica da vila optou-se por enquanto pelo recurso a ecopontos destinados aos biorresíduos em ilhas ecológicas”, explica a especialista. Mas a solução não se tem revelado a mais adequada, por vários motivos: “a população residente é no geral idosa, com dificuldades de mobilidade e com pouca produção deste género de resíduos”, pelo que a recolha tem de ser “espaçada no tempo”. Outra dificuldade é utilizar “viaturas adequadas à recolha em ruas muito estreitas, sendo que estas viaturas são muito onerosas”. E depois há “o calor do Verão alentejano, que prejudica a qualidade dos resíduos orgânicos depositados em ecopontos se os mesmos permanecerem vários dias nos contentores”. “O concelho do Seixal foi pioneiro em Portugal na recolha seletiva de orgânicos”, começa por referir Bruno Santos, vereador do município, e responsável pela área dos resíduos. “Há muito que temos sistemas de recolha porta-a-porta em zonas de moradias, que têm funcionado bem”. Nas zonas mais urbanas, onde as populações vivem em prédios, “fizemos recentemente uma experiência com a reconversão de contentores de indiferenciados para orgânicos numa determinada zona, que passaram a receber biorresíduos, mas a população não está a aderir como desejado”, acrescenta. “Por isso a solução vai passar pela distribuição de pequenos contentores a residentes em prédios, mantendo o recurso aos referidos ecopontos mas com um código ou um cartão de acesso aos mesmos, como já existe noutros países da Europa”, frisa Bruno Santos. O acesso aos contentores é exatamente um dos maiores problemas com que se debatem inúmeras autarquias pois ainda com as limitações na sequência da pandemia, as pessoas têm relutância em tocar manualmente nas tampas dos contentores. A disponibilização de contentores de tampa castanha destinado à recolha de biorresíduos tem comprovado as limitações do investimento já que os contentores não estão a cumprir o objetivo para que foram disponibilizados. Colocar um mecanismo acionado com o pé em cada contentor custa cerca de 400 euros, o que implica um grande investimento, conclui Bruno Santos. Estas soluções estão a exigir grandes investimentos às autarquias, em especial às juntas de freguesia, cujo orçamento é mais limitado que o dos municípios.