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Todos os anos são licenciados cerca de 20 mil furos e quando há seca aumentam os pedidos de licenciamento. Ministério da Agricultura e APA apostam em mais tecnologia e maior eficiência para garantir poupança de água e prometem reforço da capacidade de fiscalização.
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As chuvas de Março vieram acalmar o alarme provocado pela seca deste Inverno, mas será que a agricultura que temos – e a que planeamos para o futuro, com o aumento previsto da área de regadio – é compatível com os cenários de alterações climáticas, que apontam para uma diminuição das disponibilidades de água?
Uma auditoria do Tribunal de Contas Europeu (TCE), divulgada em Setembro de 2021, alerta para o facto de “as políticas da União Europeia não conseguirem garantir que os agricultores usam a água de forma sustentável”. Segundo o relatório, “os agricultores beneficiam de inúmeras isenções à política da água da UE, prejudicando os esforços para garantir uma boa utilização da água”. E a própria política agrícola da União “promove e, demasiadas vezes, apoia uma utilização da água mais intensiva, em lugar de uma utilização mais eficiente”.
Numa altura em que o desenho da nova Política Agrícola Comum (PAC) privilegia a “sustentabilidade económica, social e ambiental do sistema agro-alimentar europeu”, e que no novo Governo de António Costa o Ministério da Agricultura passou também a ser da Alimentação e a incluir as pescas, Portugal revê-se nesta crítica? “Mais do que nos revermos, temos que estar atentos”, afirma a ministra Maria do Céu Antunes. “Conseguimos na reforma da PAC incluir o financiamento de sistemas colectivos de regadio eficientes e isso implica financiar as obras necessárias para a manutenção, a requalificação e a instalação desses sistemas.”
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Mas, reconhece, é preciso também “monitorizar, avaliar e prestar contas”. Aí, Portugal tem trabalho a fazer e atrasos a recuperar. Quem o diz é Rodrigo Proença de Oliveira, autor de um estudo considerado basilar e apresentado em Dezembro de 2021, sobre as disponibilidades hídricas actuais e futuras do país. “Portugal, nos últimos anos, sobretudo entre 1995 e 2000, não investiu tanto como poderia ter investido na monitorização dos recursos hídricos”, diz. “A rede de monitorização teve muitas falhas, muitas estações deixaram de funcionar por falta de financiamento e temos falta de dados. A partir de 2015, as coisas começaram a melhorar um pouco, mas, ainda assim, estamos a monitorizar menos do que devíamos.”
20 mil novos furos por ano
Esta realidade afecta a capacidade de fazer estimativas. “Temos a noção de que as nossas estimativas de disponibilidade de água não estão tão bem como deviam estar. E tudo o que sabemos sobre o uso de água na agricultura é por estimativa.” O mesmo problema coloca-se ao nível das perdas. “Sendo o sector agrícola o maior utilizador [cerca de 70% do consumo de água é deste sector], obviamente estamos mais preocupados com as perdas na agricultura, embora haja perdas nos meios urbanos que têm que ser combatidas.”
A ministra garante, por seu lado, que a fiscalização existe, “até porque a PAC é rigorosa e todos os apoios que são atribuídos são depois fiscalizados”. Até aqui, afirma, “havia muita informação, mas muito dispersa”. Problema que, entre outras coisas, pretende combater com o Portal Único da Agricultura, ferramenta financiada pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e “ao qual o agricultor terá acesso ao Ministério da Agricultura, como acontece, por exemplo, entre o cidadão e o Ministério das Finanças”.
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Um dos “grandes desafios” relativamente ao que ainda é necessário saber é o de conhecer as perdas nos cerca de 8% de regadios que são privados, uma parte dos quais “são individuais, não têm escala e, por isso, têm uma perda de eficiência”. Em anos de seca, aumenta a pressão. “Vou dar-lhe um número muito impactante”, anuncia José Pimenta Machado, vice-presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA). “Todos os anos licenciamos mais de 20 mil furos em Portugal e sempre que há seca aumentam os pedidos de captação. Por isso, temos que aumentar a nossa capacidade de controlar, monitorizar e fiscalizar os títulos emitidos e as condições fixadas para aquilo que queremos: um uso sustentável da água.”
Mas, provavelmente, o maior desafio de todos é representado pelas águas subterrâneas. “Cada aquífero é um aquífero e é muito difícil avaliar o uso”, explica Rodrigo Proença de Oliveira. “Para utilizar as águas subterrâneas é preciso um título de utilização de recursos hídricos, mas, fazendo um furo, depois são dezenas de milhar de furos que estão em operação numa dada região. É muito difícil monitorizar essas dezenas de milhares. E esse é um dos desafios na gestão dos recursos hídricos: arranjar uma forma de monitorizar melhor quanto é que estamos a usar de águas subterrâneas.”
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Apesar da convicção de que, “mais do que nunca, estamos bem preparados para gerir a seca em Portugal”, Pimenta Machado confessa-se “muito preocupado, mesmo muito preocupado”, com o estado dos aquíferos nacionais. “Os aquíferos do Algarve este ano estão a cerca de 20% e são, obviamente, uma reserva estratégica fundamental. Infelizmente, a seca não permitiu recarregar os aquíferos. E a mesma coisa, embora um pouco melhor, acontece na região do Tejo, onde os níveis também estão muito baixos.”
Mas, alerta, “só se gere o que se mede” e “temos que capacitar com instrumentos para proteger melhor”.
Um momento novo
Eficiência é a palavra de ordem quer no Ministério da Agricultura, quer no do Ambiente – que, nas palavras do vice-presidente da APA, “vivem um momento novo de cooperação, de articulação”. Com mais informação, mais tecnologia que permita maior fiscalização, investimentos na recuperação da rede, será possível uma maior poupança de água – e, com isso, será possível aumentar a área do regadio, defendem os responsáveis. O estudo liderado por Rodrigo Proença de Oliveira, que tem como base um modelo que vai sendo actualizado à medida que se obtenham mais dados, servirá de ponto de partida para todas as decisões.
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Não existem dúvidas, no entanto, de que o caminho é o do aumento das áreas de regadio. “Para termos uma agricultura que seja resiliente, que permita previsibilidade e que seja competitiva, que fixe pessoas, que crie condições para a ocupação do território e em que não tenhamos uma degradação do solo, nós precisamos de água”, sublinha a ministra da Agricultura. Tal só é possível com “reservas de água que permitam uma distribuição eficiente”, ou seja, com sistemas colectivos de regadio.
Uma maior disponibilidade de água pode levar a que os agricultores optem por culturas que são grandes consumidoras deste recurso. Esse é outro dos alertas lançados pela auditoria do Tribunal de Contas Europeu: “A modernização dos sistemas de irrigação existentes também nem sempre resulta em poupanças de água, pois a água poupada pode ser redireccionada para culturas com uma utilização mais intensiva ou a irrigação de uma área mais vasta. Da mesma forma, a instalação de novas infra-estruturas que alarguem a superfície irrigada irá provavelmente aumentar a pressão sobre os recursos de água doce.”
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Não existem dúvidas, no entanto, de que o caminho é o do aumento das áreas de regadio. “Para termos uma agricultura que seja resiliente, que permita previsibilidade e que seja competitiva, que fixe pessoas, que crie condições para a ocupação do território e em que não tenhamos uma degradação do solo, nós precisamos de água”, sublinha a ministra da Agricultura. Tal só é possível com “reservas de água que permitam uma distribuição eficiente”, ou seja, com sistemas colectivos de regadio.
Uma maior disponibilidade de água pode levar a que os agricultores optem por culturas que são grandes consumidoras deste recurso. Esse é outro dos alertas lançados pela auditoria do Tribunal de Contas Europeu: “A modernização dos sistemas de irrigação existentes também nem sempre resulta em poupanças de água, pois a água poupada pode ser redireccionada para culturas com uma utilização mais intensiva ou a irrigação de uma área mais vasta. Da mesma forma, a instalação de novas infra-estruturas que alarguem a superfície irrigada irá provavelmente aumentar a pressão sobre os recursos de água doce.”
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Além disso, sublinha ainda o documento, “alguns pagamentos [da PAC] apoiam culturas com utilização intensiva de água (como o arroz, os frutos de casca rija ou as frutas e produtos hortícolas) sem restrições geográficas, o que significa que incidem também em zonas sob stress hídrico”. Pimenta Machado considera que até aqui “o sistema de incentivos estava muito alinhado com o que era a resposta mais clássica, fazer novas captações, furos, captar águas subterrâneas ou construir novas barragens.” Mas esse caminho “está a mudar, claramente”, e a avançar para uma maior eficiência. “Nos últimos avisos do Plano de Desenvolvimento Rural (PDR) 2020, como condição de acesso ao sistema, [quem apresenta as candidaturas] tem que mostrar que vai poupar pelo menos 5% de água. Isso é muito relevante.”
Maior diversificação
Quer Maria do Céu Antunes, quer José Pimenta Machado consideram que não pode ser o Estado a impor aos agricultores o tipo de culturas que devem fazer, mas a ministra pega no exemplo dos arrozais para dar uma explicação. “Nós somos, curiosamente, um dos países que mais arroz consome, estamos longe de ser auto-suficientes, mas temos três bacias, no Sado, no Mondego e um bocadinho na ria de Aveiro que, se não utilizarmos para produzir arroz, não podemos produzir mais nada. Se ali não se produzir arroz, há uma perda de biodiversidade imensa”, afirma. “Dir-me-á que o consumo de água é excessivo. Sim, mas tecnicamente é possível, por exemplo, fazer reutilização. Do ponto de vista de política pública, temos obrigação de trabalhar essa dimensão.”
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O que a política pública pode fazer é encorajar a opção por culturas que promovam uma maior diversificação. “Ainda recentemente, abrimos um aviso para as culturas tradicionais. O que é que incluímos? A alfarroba no Algarve, por exemplo. Nós entendemos que é essencial e é o próprio sector que pede isso.”
A invasão russa da Ucrânia também está a ter impacto nas políticas agrícolas – e na forma como se gere o recurso água. A questão do auto-aprovisionamento alimentar está cada vez mais na ordem do dia (em Portugal e não só) quando o “grande celeiro do mundo” deixa de ter capacidade para produzir a quantidade de cereais que produzia até aqui. Como é que se compatibiliza essa necessidade com a autonomia dos agricultores, que podem optar por culturas mais rentáveis – como os abacates no Algarve ou o amendoal no Alentejo – voltadas essencialmente para a exportação?
Os cereais sempre foram o calcanhar de Aquiles da agricultura portuguesa. “Criámos um apoio para o sector cerealífero”, recorda Maria do Céu Antunes. A questão não tem sido pacífica. Os produtores esperavam que esse apoio chegasse ainda este ano, mas o ministério considerou que não estavam reunidas as condições para que isso acontecesse. A ministra promete que tudo irá concretizar-se em 2023.
“A partir do próximo ano, o sector vai poder contar com apoio destinado a aumentarmos a capacidade nacional de produzir cereais”, declara. “Actualmente, produzimos 18% dos cereais que consumimos, o resto importamos basicamente de França. Não temos capacidade para sermos auto-suficientes, mas podemos aumentar. A Estratégia Nacional para os Cereais prevê que possamos ir até aos 35 a 38% daquilo que é a nossa capacidade de auto-aprovisionamento. Vamos dar um incentivo financeiro aos agricultores para aumentar a capacidade, seja para os cereais panificáveis, seja para os forrageiros.”