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O Painel da ONU explicou que, se os nossos comportamentos não mudarem, as temperaturas subirão mais de 3°C, o que terá efeitos catastróficos. Maria Moreira Rato | maria.rato@ionline.pt “Muitos dos impactos do aquecimento global são agora simplesmente ‘irreversíveis'”, constatou a Organização das Nações Unidas (ONU), na segunda parte do seu relatório do Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), apresentado em fevereiro. Volvidos dois meses, a terceira parte, preparada por 278 autores de 65 países, foi apresentada, tendo sido uma das suas principais conclusões que, entre 2010 e 2019, as emissões de gases com efeito de estufa estiveram “no seu nível máximo na história dos humanos”. “Estamos numa encruzilhada”, explicou o presidente do IPCC, Hoesung Lee. “As decisões que tomamos agora asseguram um futuro habitável. Temos as ferramentas e o conhecimento para limitar o aquecimento”, disse o dirigente, pedindo que sejam tomadas medidas eficazes para reduzir as emissões globais. Isto porque para limitar a subida da temperatura a 1,5°C (até ao final do século e comparativamente aos níveis pré-industriais), o “pico” das emissões tem de acontecer até 2025, no máximo e, inclusivamente, terá de ser reduzido em 43% até 2030. Já as emissões de metano terão de ser reduzidas até um terço. “Mesmo que façamos isto, é quase inevitável que excederemos temporariamente este limite de temperatura, mas poderemos voltar a estar abaixo dele até ao final do século (…) É agora ou nunca”, realçou o vice-presidente do IPCC, Jim Skea. “Sem reduções profundas e imediatas nas emissões em todos os setores, será impossível” limitar o aquecimento global a 1,5°C e é importante não esquecer que a redução nas emissões terá de ser seguida para lá de 2030, continuando nas duas décadas seguintes e, preferencialmente, num futuro posterior. “O relatório do Grupo de Trabalho III fornece uma avaliação global atualizada do progresso e das promessas de mitigação das mudanças climáticas e examina as fontes de emissões globais. Explica os avanços nos esforços de redução e mitigação de emissões, avaliando o impacto dos compromissos climáticos nacionais em relação aos objetivos de emissões de base ampla”, lê-se no site oficial do IPCC, o painel que evidenciou igualmente que o custo final de reduzir as emissões e, consequentemente, controlar o aquecimento global será mínimo, dizendo respeito a uma percentagem pequena do PIB global em meados do século, apesar de ter reconhecido que tal exigirá um esforço por parte das entidades governamentais, empresariais e de todos os cidadãos. Empresas e governos “Estão a deitar gasolina no fogo” Para entendermos as consequências do nosso eventual recuo na evolução das políticas climáticas ou estagnação, basta entendermos que alguns dos principais cientistas da área, de todo o mundo, concluíram que as temperaturas subirão mais de 3°C, com consequências catastróficas, a menos que estas ações sejam fortalecidas com urgência. Mesmo com os esforços encetados no contexto do Acordo de Paris, o mundo ficará 2,4-3,5 graus mais quente se não mudarmos a nossa atuação. O cerne da questão é que o progresso tem existido, mas a redução nas emissões é menor do que o crescimento provocado pelo aumento da atividade global na indústria, energia, transporte, agricultura e edifícios. É por este motivo que a redução gradual do custo de tecnologias para reduzir as emissões, que tem estado a baixar desde 2010, é extremamente importante, sendo-o também para continuarmos a promover “uma ação climática acelerada e justa”. Não somente nos países desenvolvidos, mas também naqueles que se encontram em desenvolvimento, para que estas inovações cheguem a todos os pontos do globo e o colapso do clima possa ser evitado coletivamente. Recuando ao Acordo de Paris, que foi assinado em abril de 2016, o IPCC destacou que o “alinhamento de fluxos financeiros para atingir os objetivos do acordo de Paris permanece lento”, adiantando que se os compromissos de cada nação se mantiverem, será “provável que o aquecimento ultrapasse os 1,5 graus durante o século XXI”. Este é o valor acima do qual muitos dos efeitos do colapso climático se tornarão irreversíveis. Neste sentido, o secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que alguns governos e algumas empresas estão “a deitar gasolina no fogo” ao declararem que cumprem os compromissos para combater as alterações climáticas. “Alguns líderes governamentais e empresariais estão a dizer uma coisa – mas a fazer outra. Simplificando, eles estão a mentir. E os resultados serão catastróficos”, avisou, acrescentando que o IPCC chegou a resultados que constituem “uma litania de promessas climáticas quebradas” e “um arquivo vergonhoso que cataloga os compromissos vazios” que podem conduzir-nos a um planeta Terra onde até respirar será árduo ou praticamente impossível. Guterres fez questão de salientar que nada disto se trata de “ficção ou exagero”, lembrando a existência de “cidades submersas, ondas de calor sem precedentes, tempestades terríveis, falta de água generalizada” e a “extinção de um milhão de espécies de plantas e animais” como consequências “das políticas energéticas atuais”. Na sua intervenção, o secretário-geral da ONU abordou ainda o impacto invasão da Ucrânia pela Rússia. “A inflação está a subir e a guerra na Ucrânia está a fazer os preços dos alimentos e da energia dispararem. Mas aumentar a produção de combustíveis fósseis só piorará as coisas”, indo ao encontro do IPCC que, no relatório ontem divulgado, redigiu que “limitar a subida da temperatura global exigirá grandes transições no setor da energia”, o que implica uma redução drástica dos combustíveis fósseis.