Jornal i
Seca. Travão à produção de eletricidade nas barragens pode durar até ao outono Restrições a rega, lavagem de ruas e enchimentos de piscinas são algumas das medidas em cima da mesa. IPMA prevê mais de metade do território em seca extrema. Espera-se chuva em março e abril, mas com défice, diz ao i o Instituto Seca. Travão à produção de eletricidade nas barragens pode durar até ao outono Previsões não apontam para recuperação de níveis normais de água até ao fim de setembro. Próximas medidas de resposta à seca vão ser discutidas pela APA a nível regional, a começar, esta quarta-feira, no Algarve. Restrições a rega, lavagens e enchimento de piscinas são algumas das medidas em cima da mesa para poupar água. Marta F. Reis | marta.reis@ionline.pt A produção de eletricidade nas barragens destinadas primariamente a abastecimento humano e paradas no início do mês só deverá ser retomada quando a cota voltar aos níveis históricos normais, o que a esta altura não está previsto que possa acontecer no presente ano hidrológico. Segundo o i apurou, esta é a estratégia em cima da mesa na Agência Portuguesa do Ambiente e tanto as previsões do Instituto Português do Mar e como a monitorização de recursos hídricos feita pela APA aponta que, mesmo com chuva nos próximos meses, não será suficiente para reverter a situação de seca no imediato e repor os níveis das albufeiras em níveis normais de segurança ao longo dos próximos meses. Por exemplo em Castelo de Bode – onde a água recuperou 18 centímetros desde o nível mínimo atingido no início da semana passada (106,12 m), mas continua no nível mais baixo desde 2001 -implicará a cota subir para cerca de 116 m, estando atualmente nos 106,30 m. Ou seja, pelo menos 10 metros, nível em que já não está desde setembro. Também no Alto Lindoso, a barragem mais produtiva em termos elétricos, a água tem estado a subir a uma cadência melhor desde que foi suspensa a produção de eletricidade no início de fevereiro, mas a cota estava esta segunda-feira, segundo os dados do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos, nos 291,32m, quando há um ano, sem seca, estava nos 335,63, sendo que no verão costuma andar pelos 313. Em ambos os casos, as cotas estão acima do nível crítico que garante abastecimento para dois anos, mas não por muito: em Castelo de Bode, já com margem para algum pico de necessidade e se for preciso voltar a aumentar caudal ecológico (reduzido a 12 de fevereiro a um quinto), a cota mínima foi definida em 106m pela APA, apurou o i, e está apenas 30 centímetros acima dessa linha vermelha. Uma das hipóteses é o transvase da barragem do Cabril, numa altura em que há outras preocupações, como tentar assegurar que a barragem de Aguieira tem água para as utilizações de verão. A situação em termos elétricos poderá ter mais impacto agora no inverno, quando é maior o consumo de eletricidade – e tem levado a níveis que poderão bater este mês o recorde de importação, este ano com a condicionante de não haver a alternativa da produção a carvão cm Portugal após o fecho de Sines e Pego, o que noutros meses de seca no passado garantiu 25% do consumo. E depois no verão, quando pode haver um novo pico de consumo, sobretudo se o calor apertar. Imponderáveis numa altura cm que cresce a convicção nos organismos que dão apoio ao Governo de que este poderá ser um ano de seca significativa, se não a mais severa que o país enfrenta, sendo até à data o ano hidrológico mais seco desde 1931, confirmou ontem ao i o IPMA (ver ao lado). Mas o baixo nível das albufeiras atribui-se também ao facto de nos últimos anos chover menos, o que torna a situação de escassez mais difícil de ultrapassar. poupar água é a prioridade Ontem, o ministro do Ambiente, de visita a Moçambique para a assinatura de um Protocolo de Colaboração Técnica e Financeira entre o Fundo Ambiental e o Conselho Autárquico da Cidade de Quelimane, admitiu que a rega de espaços verdes, a lavagem das ruas e de equipamento são algumas das atividades que poderão ser condicionadas para poupar água, remetendo para decisões que começam a ser tomadas esta quarta-feira Segundo o i apurou, e ao contrário do que aconteceu em fevereiro, a situação severa avaliada regionalmente em reuniões das subcomissões das albufeiras, podendo sair de cada uma medidas regionais, em vez de se esperar pela reunião da comissão permanente de seca, que só deverá acontecer depois de 16 de março, feitas as reuniões da APA em todo o país – e pela primeira vez no Norte. Em janeiro, a suspensão da produção hídrica nas barragens foi recomendada numa reunião a 27 de janeiro, mas só viria a ficar fechada na reunião da comissão permanente de seca a 1 de fevereiro. A primeira reunião desta nova leva será esta quarta-feira a da subcomissão da seca do Algarve, que reúne em Lagos, num momento em que as albufeiras, nomeadamente a Bravura já interdita para regra, vive uma situação crítica, a 12% da capacidade. Além de mais condicionamentos à rega, medidas nos próximos tempos, e desde logo na primavera se a situação se agravar, podem vir a passar pela proibição do enchimento de piscinas. A redução de pressão nas torneiras não é para já uma questão em cima da mesa, mas a preocupação com o uso eficiente da água mesmo quando não se sente a sua falta no dia a dia, o que é o caso da população nos centros urbanos e que não vive na agricultura, é para as fontes ouvidas pelo i uma preocupação. Matos Fernandes disse ontem que vai ser alinhada uma grande campanha nacional de poupança de água. No Algarve está a ser planeada a utilização do sistema aquífero Luz-Tavira para rega, bem como um reforço da utilização de águas residuais no Algarve, que já são usadas em dois campos de golfe (o campo de golfe dos Salgados e o campo de golfe da Quinta do Lago). Até 2025, com fundos do PRR, o objetivo é que 10% do consumo de água na região para rega e limpeza de equipamentos passe a ser feito com recurso a águas residuais tratadas. Medidas que, a par de uma melhoria da eficiência das canalizações, deverão integrar planos regionais de resposta à seca, que o i sabe que vão começar a ser discutidos localmente. —– IPMA prevê mais de metade do território em seca extrema Espera-se chuva em março e em abril, mas com défices, diz ao i IPMA, que considera cenário mais provável o agravamento da seca durante a primavera. Marta F. Reis Os cenários em cima da mesa para esta primavera são de que mais de metade do país venha a estar na situação de seca extrema, revelou ao i o Instituto Português do Mar e da Atmosfera. Isto porque embora se espere chuva em março e abril, prevê-se que se mantenha uma défice de precipitação, que tem sido aliás o mais comum nos últimos anos. “De modo a que a seca meteorológica em território nacional possa vir a diminuir teria de ocorrer, entre março e maio, valores de precipitação muito superiores ao normal, situação que apenas se verifica em 20% dos anos”, explica a Divisão de Clima e Alterações Climáticas, em resposta ao i. Depois de o balanço da situação de seca publicado pelo instituto na segunda-feira indicar que, até à data, 2021/22, é o ano hidrológico mais seco quando comparado com os outros anos de seca meteorológica, o IPMA clarifica que retrospetivamente não se pode dizer que seja o ano mais seco de sempre, explicando que na publicação em causa foi feita apenas “uma comparação com alguns anos de seca meteorológica mais relevantes e não com todos os anos hidrológicos desde 1931”, ano em que começam os registos meteorológicos do IPMA. Assim, o que pode dizer-se neste momento, é que o atual ano hidrológico – conceito que avalia os anos em função da precipitação e que começa em outubro, prolongando-se até ao final de setembro – é o segundo com valor mais baixo de precipitação desde que há registos, depois de 1998/1999. E é aí que vamos para perceber o que se passou a seguir e os cenários que o país tem pela frente: em fevereiro de 1999, registava-se ainda um défice de precipitação “mais significativo do que o atual”, no entanto nesse ano a precipitação nos meses seguintes e até ao final do ano hidrológico contribuiu para reverter a intensidade da seca meteorológica. Já em 2005, não foi isso que se passou: embora nessa seca, os valores de precipitação em fevereiro fossem ainda ligeiramente superiores aos atuais, mantiveram-se os défices de precipitação entre março e maio, o que levou a que viesse a ser a seca mais severa desde 1931. Nas mãos da chuva da primavera e sem ser possível previsões a longo prazo com segurança, o que existe é o histórico, que tem mostrado nos últimos anos que o novo normal é chover menos. Basta ver que nos últimos 20 anos, 11 foram considerados secos. “A título de exercício, para retirar o ano de 2022 a lista dos três anos mais secos desde 1931, seria necessário, em termos médios do continente, aproximadamente 300mm de precipitação até ao final de maio”, refere o IPMA, adiantando que em termos dc cenários, se prevê um défice de precipitação para o mês de março e abril. “Tal não significa que não ocorrerá precipitação, mas sim que os seus valores serão inferiores para o período em análise”. Desde 1 de outubro até 15 de fevereiro, o valor de precipitação médio situou-se nos 220,8mm, pelo que teria de chover mais nos próximos três meses do que choveu nos últimos cinco para o cenário se alterar no imediato. Assim, o cenário que o IPMA considera “mais provável” a esta altura aponta para um “agravamento generalizado do índice de seca meteoroló-gico em todo o território nacional, sendo que mais de 50% estará na classe mais gravosa (extrema)”. A 15 de fevereiro, data do último balanço, 91% do país estava em seca severa ou extrema, 38.6 % já em seca extrema, área que triplicou em 15 dias desde o final de janeiro.