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A água é, talvez, dos recursos mais finitos. E a prova é que há regiões, como África, que já atravessam secas consecutivas, o que se traduz não só num aumento da pobreza, como na deterioração da saúde pública. Este é um problema que envolve todos, cidadãos, empresas e governos. Alexandra Costa A água é um bem cada vez mais escasso no planeta. Como refere Sara Correia, especialista na área de recursos hídricos na ZERO, a escassez de água já prejudica quatro em cada 10 pessoas no mundo, com várias regiões do globo severamente afetadas pela falta de água. A Europa não é exceção, pois, em média, 30% da população vive todos os anos em situação de stress hídrico. Sofia Santos, fundadora e sustainability champion in chief na Systemic, acrescenta que, de acordo com o Relatório das Nações Unidas sobre água e saneamento, publicado há cerca de um ano, estima-se que existam 2,3 mil milhões de pessoas a viver em países que se encontram em stress hídrico, ou seja, locais onde os recursos hídricos são insuficientes para satisfazer as necessidades de longo prazo das populações. Mais do que isso: Sofia Santos lembra que, desde 1980, a utilização tem aumentado a uma taxa de 1% ao ano, “significando isto que, em 2050, será necessária uma grande quantidade de água adicional, entre 20% a 30% da quantidade que atualmente se utiliza, seja para consumo direto ou para a produção agrícola ou industrial”. Sem esquecer as alterações climáticas, que não só têm levado a um aumento da temperatura como a uma diminuição da precipitação. Este é um problema global, que afeta todos, embora haja países e regiões onde o problema é mais visível e premente. A Europa, segundo Sara Correia, notabilizou-se, nas últimas décadas, “por uma considerável evolução na gestão do abastecimento de água e na melhoria da eficiência hídrica, em grande parte porque as políticas da água da União Europeia têm incentivado os Estados a aplicar melhores práticas na gestão deste recurso”. O que não significa que esteja tudo feito. Pelo contrário. Mesmo porque a procura tem registado uma evolução crescente, “particularmente na agricultura, setor onde se verificam os maiores consumos e onde a eficiência no uso da água ainda é um problema”. Como refere a ambientalista, as necessidades têm sido satisfeitas à custa de maior captação de água. Mas isso não é solução a longo prazo. Sofia Santos dá vários bons exemplos de países que estão a tomar medidas efetivas para reduzir a quantidade de água necessária, seja através de políticas públicas, da eficiência hídrica ou mesmo através da inovação. São exemplo disso, entre muitos outros, países como a Arábia Saudita, onde se desenvolveram processos inovadores de dessalinização da água do mar, transformando-a em água potável; a África do Sul, porque, além da aposta em tecnologia para aumentar a eficiência hídrica, apostou também fortemente em programas de sensibilização em escolas. Na Europa, além de existirem incentivos públicos para a indústria aumentar a eficiência hídrica, utiliza-se muito o princípio do «poluidor-pagador», de forma a reduzir o impacte no ambiente do gasto deste recurso. Marcos Sá, diretor de comunicação, marketing e educação ambiental da EPAL, lembra que da COP 26 saíram também decisões que representam algo de fundamental: vontade. “E é por causa dessa vontade que assistiremos, em breve, à diminuição significativa dos combustíveis fósseis, ao apoio aos mais atingidos pelas alterações climáticas, ao investimento fortíssimo em energias renováveis”, resume. Secas, pobreza e deterioração da saúde pública A questão da disponibilidade de água é que há uma grande disparidade no mundo, “seja por questões geográficas, seja por questões de desenvolvimento económico”, alerta Sofia Santos, acrescentando que, genericamente, os países em desenvolvimento, como por exemplo países do continente africano e da América do Sul, têm um histórico de secas consecutivas, assim se acentuando as diferenças sociais já presentes nestes países, aumentando a pobreza e a deterioração da saúde das populações. E, em regiões onde o recurso já é escasso, “o seu desperdício faz ainda mais a diferença”. Ainda mais se tivermos em conta que a maioria das populações destas geografias sobrevivem com base em atividades económicas do setor primário, ou seja, pesca, agricultura e pecuária, que necessitam de água. E Portugal? Explica Sara Correia que o país ocupa já o 41° lugar no mundo em termos de stress hídrico, situação que é particularmente sentida nas regiões do Alentejo e Algarve, onde as necessidades de consumo são já superiores à quantidade de água disponível, as consequências do desperdício podem traduzir-se numa redução ainda mais significativa da disponibilidade de água, a qual terá tendência a agravar-se pelos efeitos das alterações climáticas, como redução da precipitação anual e ocorrência de secas prolongadas. E o problema não reside apenas na escassez de água, mas também na qualidade da mesma, nomeadamente pela poluição industrial e agrícola, pelo uso de fertilizantes e pesticidas nas cada vez mais comuns práticas agrícolas intensivas. Isto poderá colocar em risco a utilização da água disponível para usos prioritários como é o caso do abastecimento público ou obrigar ao uso de tecnologias mais avançadas e mais dispendiosas para o tratamento dessa água. Comportamentos sustentáveis Evitar o desperdício. Imediatamente. Isso é algo que todos podemos fazer para contribuir no sentido de uma melhor gestão da utilização da água. Mas há outras medidas que podemos adotar. Como refere Sofia Santos, as empresas, especialmente aquelas que utilizam água nos seus processos industriais e atividades comerciais, devem procurar alternativas para reduzir o seu consumo até ao estritamente necessário e procurar formas de reutilização deste recurso natural. “Um exemplo concreto são as empresas do setor agrícola, onde a água é fulcral e, por isso, devem procurar apostar na produção de espécies autóctones, pois encontram-se adaptadas às características locais, o que significa, habitualmente, menor necessidade de rega”, refere. A isto Sara Correia acrescenta que a redução do desperdício terá de passar pelo investimento em tecnologia que fomente a eficiência no uso e gestão da água, incluindo a sua reutilização e o uso de água reciclada. A par disso, e nomeadamente as empresas de outros se-tores, podem utilizar “eletrodomésticos com maior eficiência hídrica, preferindo a água da torneira à água engarrafada ou investigando formas alternativas de produção, que requerem menores quantidades”, acrescenta a especialista. Já Sara Correia refere que, embora seja importante os comportamentos que todos nós podemos adotar, há que ter em conta que o consumo de água está associado à cadeia de produção de praticamente todos os produtos consumidos no dia a dia e, por isso, poupar no consumo de água passa sobretudo por uma mudança de hábitos que vai muito além dos cuidados com a água que sai da nossa torneira. “Por exemplo, um simples café envolve um consumo de 140 litros de água; a produção de uma folha de papel necessita de 10 litros ou a produção de água engarrafada para a qual são necessários três litros para termos uma garrafa de um litro. Portanto, se não alterarmos os nossos hábitos de consumo e algumas das nossas rotinas, teremos de enfrentar um grave stress hídrico dentro de 15 ou 20 anos”, explica. E depois não podemos esquecer-nos da rede de abastecimento. A ambientalista lembra que, de acordo com os dados da Entidade Reguladora dos Serviços de Agua e Saneamento, em 2019 as perdas de água chegaram aos 187,6 mil milhões de litros. Consciência Só sentimos o problema da escassez de água quando ela não corre nas torneiras. Apesar de, como refere Sara Correia, as reservas hídricas portuguesas terem sofrido uma redução nas últimas duas décadas, o certo é que, “na maior parte do território nacional, a quantidade e qualidade da água de que dispomos ainda é suficiente para atender às nossas necessidades, o que dificulta a tomada de consciência para a gravidade do problema”. Sofia Santos aponta que, segundo dados da National Geographic, Portugal consume 40% mais de água do que aquela que tem disponível, colocando–se sob risco severo de escassez de água. No entanto, “esta consciência não é geral na população e a maioria tende a não ver a escassez de água como uma realidade em Portugal”, acrescenta. Parte da explicação poderá estar no facto “de poucos portugueses viverem fora de centros urbanos, onde têm contacto com os setores que lidam de perto com esta questão – agricultura e pecuária – e onde é necessário tomar decisões com base nesta condicionante. E, mesmo nestes setores, por vezes a falta de água é “mascarada” pela existência de inúmeras barragens, que vão colmatando o problema periodicamente”. O caso da Epal Recentemente, o presidente do World Water Council referiu, em entrevista ao Diário de Notícias, que Portugal tem uma boa prestação a evitar o desperdício de água – os operadores portugueses estão a fazer um bom trabalho com os números a fixarem-se nos 25%. Sobre isso Sofia Santos lembra que, em 2000, a EPAL reportava um volume global anual da ordem de 50 milhões de metros cúbicos de água não fatu-rada, dos quais aproximadamente 38 milhões de metros cúbicos eram perdidos na rede de distribuição. E que, tendo em conta este cenário, a empresa aplicou medidas como a utilização de tecnologia mais avançada para a deteção de fugas, permitindo que, em 2002, o volume anual representasse 25% da água entrada na rede. “Felizmente, estes valores têm diminuído com o desenvolvimento e evolução de sistemas de controlo e outras medidas, pelo que, em 2013, os valores de perda representavam apenas 8%”, acrescenta a especialista, referindo ainda que em Portugal existem muitos mais exemplos de casos de sucesso de operadores destes serviços e de resultados positivos no que toca ao desperdício de água. Sara Correia indica que a disponibilização de ferramentas, como a que foi criada pela EPAL, que permitem à população ter um papel mais proativo na resolução deste problema representado pela perda de um recurso vital, é claramente uma forma importante de minimizar as perdas e envolver e sensibilizar a população para o problema. No entanto, faz questão de apontar que, até que uma rutura na rede se torne visível à superfície para ser reportada pelos cidadãos, já muitos litros de água se perderam, sendo essencial uma deteção precoce. Isto requer investimento em novas tecnologias capazes de fazer essa deteção, uma vez que volumes perdidos em roturas de tubagens, pequenas fissuras ou deficiências em ligações são difíceis de detetar e localizar. E por isso que a ambientalista afirma ser necessário que o trabalho das entidades gestoras vá além das ferramentas destinadas ao reporte pelos cidadãos. Neste sentido, o próximo ciclo de financiamento comunitário representa uma oportunidade única para as empresas avaliarem de forma séria as respetivas necessidades e fazerem as intervenções necessárias para tornar o setor mais eficiente. Hoje as perdas na rede de distribuição rondam os 10%, afirma Marcos Sá, acrescentando que estes valores elevam Lisboa ao top das cidades mais eficientes do mundo, ao nível de Tóquio, e acima de Nova Iorque, Paris, Londres ou Roma.