Expresso
O cálculo é da Agência Portuguesa do Ambiente. Especialistas criticam atrasos
O último relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) confirma como é “inequívoca” a mão humana por detrás da crise climática e quais os cenários em termos de impactos globais consoante o aumento das temperaturas globais. Eventos meteorológicos extremos, que tanto passam por chuvas torrenciais que alagam ruas e casas num ápice, como por intempéries que, cruzadas com marés vivas e a subida do nível médio do mar, acentuam galgamentos costeiros e a perda de território, ou ondas de calor que aumentam a mortalidade precoce, entre outros fenómenos, estão a bater-nos à porta. E estará Portugal — que esteve esta semana sob aviso “laranja” e “amarelo” em praticamente todos os distritos — a adaptar-se à velocidade certa? A maioria dos especialistas com quem o Expresso falou diz que o país tem de acelerar o passo. “Quanto maior for o atraso na redução das emissões de gases de efeito de estufa, mais exigente será a necessidade de adaptação”, sublinha Pedro Matos Soares, físico da atmosfera e investigador do Instituto Dom Luiz. “Estamos com um atraso de 10 anos na mitigação dos gases de efeito de estufa e, por arrasto, na adaptação às alterações climáticas”, frisa Pedro Garrett, cofundador da startup tecnológica em ambiente e alterações climáticas 2adapt, que permite aos cerca de 40 municípios aderentes apresentarem projetos que vão ao encontro dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ODS), entre os quais o da adaptação à crise climática. Mas admite que muitos ainda não saíram do papel. Falta ação Portugal tem uma estratégia e um plano de ação para a adaptação às alterações climáticas nacional e planos regionais e municipais, mas poucos são os que têm tradução prática no reordenamento do território ou em ações concretas para criar maior resiliência perante os impactos da crise climática. Com exceção de concelhos como Loulé, Lisboa, Porto ou Cascais — pioneiros em bons planos de adaptação —, “a grande maioria dos municípios revela grande iliteracia do ponto de vista técnico e político, o que dificulta a literacia da população”, frisa a geógrafa Ana Monteiro, investigadora da Universidade do Porto. A coordenadora do Plano Metropolitano de Adaptação às Alterações Climáticas na Área Metropolitana do Porto (AMP) mostra-se “perplexa” por ver que “a adaptação aos riscos climáticos não é um tema que entre nos debates autárquicos”, apesar da suscetibilidade do território nacional. Também o geógrafo António Lopes, coordenador do grupo de investigação ZHEPHYRUS, que trabalhou no Plano Metropolitano de Adaptação às Alterações Climáticas de Lisboa, reconhece que, apesar de “haver alguns planos excelentes, ainda não houve tempo para os implementar”. E teme que, “ao nível do poder local e regional, haja a noção de que esses planos são precisos sobretudo para aceder a fundos comunitários” e depois fiquem na gaveta. Quando observa o resultado nos 17 municípios da AMP, Ana Monteiro verifica que “só o Porto e Vila Nova de Gaia é que mostram algum esforço, incluindo os riscos climáticos no Plano Diretor Municipal, e o Porto apresenta planos de arborização considerando a componente bioclimática”. Explicando: se se impermeabilizarem menos os solos e se se usarem árvores e espaços verdes para maior infiltração das chuvas e ventilação, atenuam-se inundações e ondas de calor, e, como tal, a vulnerabilidade a que estão expostas pessoas e bens. Lisboa e Loulé também estão a concretizar projetos como estes, de aumento de espaços verdes e recuperação de linhas de água com soluções de base natural, de modo a promover a retenção e infiltração de água das chuvas, permitindo uma melhor gestão do ciclo da água e a regulação do conforto face à temperatura e humidade para atenuar os efeitos das ondas de calor. Loulé foi, aliás, o primeiro município a nível nacional a concluir a estratégia de adaptação Adapt-Local. A “preocupação com as fragilidades do concelho a eventos extremos, como intempéries, inundações e secas, fez com que agíssemos”, frisa o presidente da Câmara de Loulé, Vítor Aleixo. “Com base nos cenários projetados até 2100 pela equipa de Carlos Antunes [da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), que tem trabalhado em cartografia de risco costeiro associado à subida do nível médio do mar], fomos obrigados a rever vários projetos no concelho”, conta. Entre estes, elevar a cota do novo mercado municipal e “negociar com investidores, como os do projeto de Vilamoura, para reduzir densidades e incluir mais espaços verdes”. Também Lisboa impôs uma cota de soleira superior a 3,8 metros para as novas construções em zonas em risco de inundação. Mas se chovessem mais de 0 mm num só dia, “causariam cheias em vários pontos críticos de Lisboa, como aconteceu em 2014”, admite a CML. Falta dinheiro A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) defende que “desde 2010 Portugal desenvolve políticas públicas para dar resposta aos efeitos das alterações climáticas, promovendo a resiliência climática do território e reduzindo a sua vulnerabilidade”. Entre estas destaca o Programa AdaPT e o Programa de Ação para a Adaptação às Alterações Climáticas (P-3AC), que “sistematiza as medidas relacionadas com prevenção de incêndios; conservação e melhoria do solo; uso sustentável da água; resiliência dos ecossistemas; prevenção dos riscos associados às ondas de calor; combate às espécies invasoras, doenças e pragas; proteção de cheias e proteção costeira; entre outras, e cria um referencial para preparação dos instrumentos de financiamento entre 2021 e 2027”. As estimativas do P-3AC apontam para que “a despesa pública disponível para este tipo de ações” totalize mais de 1,1 mil milhões de euros (verbas do POSEUR e PDR 2020). Em elaboração está também o Roteiro Nacional para a Adaptação 2100 — Avaliação da Vulnerabilidade do Território Português às Alterações Climáticas no Século XXI, um projeto (com um financiamento de 1,3 milhões de euros) para apoiar a política pública de adaptação às alterações climáticas. “O projeto só estará concluído em 2023”, aponta o coordenador científico do projeto, Pedro Matos Soares. “O projeto está focado nos sectores de maior vulnerabilidade e contará com modelos macroeconómicos que permitem avaliar o custo-benefício das intervenções, sem separar a mitigação da adaptação”, explica. Só entre 2018 e 2020 o Programa de Monitorização da Faixa Costeira (COSMO), coordenado pela APA, verificou recuos máximos que chegam a 30 metros em alguns troços do litoral baixo e arenoso no Norte e Centro do país. Têm-se injetado milhões de metros cúbicos na extensão de praias, dunas e fundos submarinos em várias praias do país e vão continuar a injetar-se. “Mas estes enchimentos artificiais de areia só resultam se forem bem geridos”, defende o geólogo Paulo Baptista, da Universidade de Aveiro. —– Ações e investimentos Lisboa: Nos últimos 12 anos, o município investiu cerca de €40 milhões no aumento e modernização da sua estrutura verde e tem €185 milhões para concretizar o Plano Geral de Drenagem, cuja obra está prestes a iniciar-se e durará cerca de quatro anos. O objetivo é enfrentar chuvas torrenciais e ondas de calor. Porto: Está em construção o projeto do Parque Central da Asprela (área de 6 ha), que envolve um custo de €1,7 milhões e prevê conter 10.000 m3 de água de precipitações e reduzir o risco de inundações da rede de metro. Madeira: Para se adaptar ao aumento do risco de aluvião, o Governo Regional instalou um radar meteorológico em Porto Santo e avançou com a estabilização de taludes e reflorestação das cabeceiras das ribeiras e a construção de açudes de contenção de carga sólida nas principais ribeiras que atravessam os centros urbanos. Em 2010, chuvas torrenciais varreram a costa sul da ilha, fazendo 51 mortos, 0 desalojados e €1000 milhões em prejuízos. Açores: Está em andamento o processo de aquisição de dois radares meteorológicos de última geração, para serem colocados pelo IPMA, até 2023, nas ilhas das Flores e de São Miguel. Os novos radares permitem monitorizar intempéries ou furacões, cada vez mais frequentes no Atlântico Norte. Em 2019, o furacão “Lorenzo” deixou um rasto de prejuízos no arquipélago que, segundo o Governo Regional, ascendeu a €330 milhões. Seguros: A Associação Portuguesa de Seguradores indica que, “por regra”, as seguradoras não cobrem situações em que “um risco se converte numa ocorrência quase certa”. Casas em zonas mapeadas como sendo de elevada probabilidade de serem afetadas por fenómenos de cheias ou de subida do nível do mar não têm cobertura para estes riscos.