Green Savers 01/08/2021
“Ainda não existe uma consciencialização da gestão de resíduos” O presidente da Associação para a Gestão de Resíduos (ESGRA), Paulo Graça, explica porque se devem adotar modelos de gestão de resíduos verdadeiramente integrados.
Os sistemas pay-as-you-throw são utilizados de forma generalizada nos países com melhor desempenho na gestão de resíduos. Um modelo desta natureza implica que por um lado, o custo suportado pela gestão e tratamento de resíduos é o real, o que permite a criação de melhores condições para o investimento no setor, e por outro lado, tem o efeito mobilizador e indutor de alteração de comportamento. Em entrevista à Green Savers, Paulo Graça, revela as principais medidas que podem e devem ser adaptadas em Portugal para otimizar a gestão de resíduos. Considera que a gestão de resíduos em Portugal é eficiente? Nos últimos 20 anos foi feito um fone investimento na gestão de resíduos, podendo afirmar-se que se encontra infraestruturado e dotado de equipamentos que permitem que Portugal tenha capacidade para recolher e tratar a totalidade dos RU produzidos e está integralmente coberto com sistemas de recolha indiferenciada bem como de recolha seletiva. Porém ainda está longe de alcançar os resultados desejados e cumprir as ambiciosas metas comunitárias, havendo ainda muito espaço e necessidade de melhoria. Quantos resíduos são reciclados e quantos vão para aterro em Portugal? De acordo com os dados de 2019, foram produzidas 5,281 milhões de toneladas (t) de resíduos urbanos (RU), das quais a deposição em aterro, por via direta e indireta constitui cerca de 58% do total de RU, 13,1% foram reciclados e o restantes encaminhado para outras formas de valorização. O que acontece aos resíduos que vão para aterro? Bom, atualmente os aterros constituem um destino final para os resíduos. Existem alguns projetos de mineração, mas neste momento ainda não têm impacto. O que dificulta a adoção dos cidadãos portugueses à reciclagem? É uma questão muito pertinente. Na verdade, julgamos existirem várias razões. Em nosso entendimento, um dos motivos que contribui para a falta de envolvimento da população em proceder de forma regular à separação e correto encaminhamento dos resíduos produzidos, decorre do facto de atualmente o custo da gestão de resíduos urbanos não refletir nem o seu custo real nem um custo justo, na medida em que sendo indexado à fatura da água e igual para todos, não reflete o maior ou menor contributo quer na produção de resíduos quer na sua correta separação e encaminhamento. Este modelo não só dificulta a perceção do custo efetivo do serviço que lhe é prestado, como também não é indutor da mudança de comportamento com vista a uma separação adequada e regular dos resíduos que produz. Por outro lado, apesar das iniciativas de sensibilização e informação sobre a gestão de resíduos, ainda não existe uma consciencialização da atividade da gestão e tratamento de resíduos e da sua importância para a saúde, qualidade de vida e qualidade ambiental. Com efeito, embora haja uma evolução positiva, a população não se encontra mobilizada para a gestão adequada dos resíduos que produz. Porque é que é importante as pessoas reciclarem? A reciclagem é fundamental para a sustentabilidade do planeta e da vida como a conhecemos, porque é da valorização dos resíduos urbanos que permita a sua transformação em novas matérias primas, secundárias, que será possível diminuir a extração de matérias primas virgens e escassas. Que projetos a ESGRA e as empresas associadas planeiam desenvolver nesta área da gestão de resíduos, em um futuro próximo? A ESGRA tem vindo a desenvolver várias parcerias que considera estratégicas com vista a contribuir para a capacitação do setor face ao potencial do seu papel no âmbito da transição para um modelo de sociedade e de desenvolvimento económico circular que aponta para soluções de efetiva valorização de resíduos, mediante a sua recuperação através de operações de gestão e tratamento que os transformem em materiais de valor acrescentado para a criação de novos produtos Se reconhecemos que o salto é necessário, também o temos experienciado como um caminho muito difícil, desde logo pela exigência das medidas comunitárias que, contribuindo para dar maior visibilidade ao papel e à importância do setor dos resíduos urbanos, colocam enormes desafios e dificuldades acrescidas aos Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU), para o cumprimento de metas extremamente exigentes. E neste contexto, a ESGRA tem procurado reforçar o seu papel interativo e interventivo no setor, em articulação e com a colaboração dos seus Associados. Qual é o papel da ESGRA e dos seus associados na gestão de resíduos e de que forma contribuem para um futuro mais sustentável? A ESGRA, é uma associação privada sem fins lucrativos, e foi criada em 2009 com o objetivo fundamental de assegurar a defesa e o crescimento do setor dos resíduos. A ESGRA tem procurado desenvolver estratégias e instrumentos para promover os interesses dos seus associados na exploração de sistemas inovadores de gestão e tratamento de resíduos, de modo a alcançar um desenvolvimento do país de forma sustentável e totalmente empenhados no desenvolvimento da sua atividade com vista à preservação de valores ambientais imprescindíveis no âmbito de uma economia circular. Atualmente, a ESGRA representa 16 entidades gestoras de resíduos, 14 das quais são Sistemas Integrados de Resíduos Municipais, aos quais cabe assegurar a exploração e gestão dos resíduos urbanos que constituem serviços de interesse geral e visam a prossecução do interesse público, sujeitos a obrigações específicas de serviço público. E neste contexto, trata-se de um setor extremamente dinâmico, que tem procurado desenvolver a sua atividade numa melhoria contínua de modo a maximizar a recolha por um lado, e o tratamento dos resíduos recolhidos de forma a maximizar também a sua valorização, por outro, contribuindo assim, para a criação de alternativas à extração de matérias primas escassas e críticas em prol da melhoria do ambiente e da minimização do impacto negativo da exploração dos recursos naturais do planeta. Que medidas existem em outros países da União Europeia que podem e devem ser adaptadas em Portugal, para otimizar a gestão de resíduos? As medidas que talvez sejam as mais emblemáticas a este nível passam pelo sistema de remuneração da gestão de resíduos, como os sistemas pay-as-you-throw, uma vez que nos países com melhor desempenho são utilizadas de forma generalizada. Um modelo desta natureza implica que por um lado, o custo suportado pela gestão e tratamento de resíduos é o real, o que permite a criação de melhores condições para o investimento no setor, e por outro lado, tem o efeito mobilizador e indutor de alteração de comportamento, na medida em que permitem uma maior tomada de consciência dos resíduos que produzem e do que custa tratá-los. Outra questão que não podemos deixar de abordar e que se prende com as medidas que têm sido adotadas pelos países com melhor performance é que o que, a nosso ver, os distingue é a adoção de modelos de gestão de resíduos verdadeiramente integrados, em que o sucesso depende do mix de soluções, entre as quais a valorização energética. Constata-se que os países que têm as mais elevadas taxas de reciclagem (perto ou acima de 50%: Suécia, Suíça, Alemanha, Holanda, Dinamarca, Bélgica, Áustria, Noruega e Luxemburgo) têm capacidade de valorização energética acima de 35% dos resíduos produzidos, o que lhes permite valorizar integralmente os resíduos e reduzir ao mínimo o envio para aterro (tipicamente <5%). Em contrapartida, os países com baixas taxas de reciclagem são igualmente os países com baixa capacidade de valorização energética e que por isso, ficam fortemente dependentes do aterro sanitário como destino final para os resíduos.