Ambiente Online
No ido mês de dezembro de 2018, a Assembleia da República aprovou, por larga maioria, a implementação em Portugal de um sistema de depósito com retorno (SDR) para embalagens descartáveis de plástico, vidro, alumínio e metais ferrosos. Nesta Lei, determinava-se que este sistema deveria estar em funcionamento a partir de 1 de janeiro de 2022, mas os constantes atrasos na sua implementação, cujo principal responsável é o Ministério do Ambiente, fazem com que, na melhor das hipóteses, este sistema só esteja operacional em 2023.
A Lei n.º 69/2018 aprovada na Assembleia da República por uma ampla maioria dos partidos políticos (PSD, PS, BE, CDS-PP, PAN votaram a favor e o PCP e PEV abstiveram-se) representou um marco, amplamente elogiado além fronteiras. Mas nem o apoio granjeado nos diferentes espectros políticos lhe facilitou a implementação.
Bem pelo contrário. É ver os diferentes grupos de interesse a tentar atirar pedras para a engrenagem na esperança de, pelo menos, atrasar, ou quem sabe, conseguir uma parte do quinhão. É que parece que afinal existe um tesouro bem escondido, um tesouro para o qual tanta gente parece agora ter acordado, ainda que tenham andado anos a enviá-lo para aterro e a queimá-lo em incineradores.
As reações a que assistimos por parte de diferentes grupos de interesse não podem ser aceites de ânimo leve, pois são contrárias ao interesse nacional e revelam o pior da sociedade portuguesa.
Há os que não querem a inclusão de determinados materiais (em particular do vidro) e juram a pé juntos que agora é que vai ser e Portugal vai finalmente cumprir as metas de reciclagem definidas a nível europeu, isto depois de durante mais de duas décadas terem andado a assobiar para o ar e a culpar o consumidor porque não separava. Agora parece que a culpa é do setor HORECA. Mas essa cantiga também já a ouvimos.
Chamava-se Verdoreca e foi um fracasso em toda a linha. Contudo cumpriu o seu propósito, que nunca foi o de aumentar a taxa de recolha de embalagens para envio para reciclagem, mas sim, matar à nascença a reutilização de embalagens neste setor.
Há também aqueles que se dizem senhores dos resíduos, donos legítimos de algo que alguém agora lhes quer tirar. São os mesmos que reclamam quando lhes aumentam a taxa de gestão de resíduos, pela sua deposição em aterro ou na incineração (que é o que ainda acontece com a esmagadora maioria dos resíduos urbanos produzidos em Portugal). São também os que continuam a pagar a limpeza urbana de tantos resíduos abandonados no espaço público, problema para o qual os SDR são uma solução quase instantânea. Há dúvidas? Visitem países europeus com este tipo de sistemas e tirem as suas conclusões.
Há outros ainda que se queixam de todo o investimento que fizeram e que irá agora ser “desaproveitado”, porque lhes vão retirar os materiais. Estranho que nunca se tenham questionado sobre a bondade de tamanhos investimentos para tão parcos resultados.
Para que fique claro, Portugal não cumpre hoje nenhuma das metas de reciclagem das embalagens incluídas no previsto SDR. Nem o vidro cumpre, mas também nem o plástico, nem o metal, porque há muitas embalagens destes dois materiais que são colocadas no mercado, mas não são registadas nas entidades gestoras. Mas tal nunca levou os SGRU, os municípios ou as sociedades gestoras a questionarem a utilidade dos investimentos que fizeram ou a estratégia de recolha seletiva pela qual optaram (leia-se: os ecopontos).
Perante estes interesses instalados, o que faz o Governo? Atrasa e volta a atrasar a implementação deste sistema fundamental para se atingirem as metas de reciclagem das embalagens e simultaneamente reduzir a poluição, em particular a provocada pelo frequente abandono de garrafas de plástico no ambiente.
Rui Berkemeier é licenciado em Engenharia do Ambiente (FCT/UNL) é especialista da ZERO desde novembro de 2016, tendo passado pela Quercus como Coodenador do Centro de informação de Resíduos,de 1996 a 2016,com trabalho desenvolvido em diversas áreas relacionadas com a temática dos resíduos com particular ênfase nos resíduos urbanos, hospitalares e industriais.
Foi Chefe de Setor do Ambiente da Câmara Municipal da Ilhas em Macau entre 1992 e 1996 com trabalho na área da gestão dos resíduos e educação ambiental e Ténico Superior dos Serviços Regionais de Hidráulica do Sul, em Évora, entre 1988 e 1992, com trabalho no controle da poluição hídrica e extração de inertes.