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A partir de 1 de janeiro de 2024 a recolha seletiva de biorresíduos ou a sua separação e reciclagem na origem será obrigatória. O desafio é enorme, uma vez que estes representam cerca de 37% dos resíduos urbanos produzidos pelos portugueses. As duas maiores empresas do setor, a EGF e a LIPOR, há muito que estão a trabalhar neste sentido.
A Diretiva (UE) 2018/851, de maio de 2018, que altera a Diretiva 2008/98/CE, Diretiva-Quadro de Resíduos, define novas metas para a reciclagem e valorização dos resíduos segundo os princípios da economia circular e estabelece a obrigação da recolha seletiva.
No caso dos biorresíduos, que representam a maior fatia do nosso “caixote do lixo”, tudo terá de estar pronto a 31 de dezembro de 2023 para a recolha seletiva ou a sua separação e reciclagem na origem.
No âmbito da estratégia nacional para os biorresíduos, a secretária de Estado do Ambiente, Inês Costa, considera que “a recolha de biorresíduos e a sua valorização é dos mais importantes e disruptivos passos em matéria de gestão de resíduos desde o encerramento das lixeiras, no final do século passado”.
Quando os biorresíduos são recolhidos de forma seletiva, e devidamente encaminhados para tratamento e valorização, podem ser geridos para aproveitar todo o seu potencial positivo, ambiental e económico.
O Governo salienta que esta medida é um importante contributo para o cumprimento do Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 e do Plano Nacional de Energia e Clima, mas é também fundamental na futura Estratégia Nacional de Bioeconomia Circular.
A recolha, tratamento e valorização dos biorresíduos implica uma mudança de paradigma na gestão dos resíduos urbanos, que inclui não só os municípios e as empresas de gestão dos resíduos, mas envolve toda a comunidade.
2020 BiorresíduosNo final de 2020, os oito municípios associados à Lipor começaram a fazer a recolha de biorresíduos no setor residencial.
Por isso, o Executivo criou o Programa de Apoio à Elaboração de Estudos Municipais para o Desenvolvimento de Sistemas de Recolha de Biorresíduos e o programa ProResíduos, financiado pelo Fundo Ambiental, para preparar os técnicos e os decisores políticos municipais para esta mudança.
O novo Plano Estratégico dos Resíduos Urbanos (PERSU 2030), que esteve em consulta pública em 2020, está agora em análise pelo Governo e deverá ser publicado em breve.
As duas principais empresas do setor: a EGF – Environment Global Facilities, que tem 11 concessionárias a operar diversos sistemas de gestão pelo país, e a Lipor – Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto, que congrega oito municípios, há muito que trabalham nesta área, transformando os biorresíduos, nomeadamente em compostos orgânicos. Mas para cumprir os objetivos impostos pela União Europeia (UE) têm de ir muito mais além.
Passar dos resíduos para os biorresíduos
“A EGF e as concessionárias estão já a preparar, a investir e a adaptar as suas instalações de tratamento mecânico e biológico (TMB) que operam com resíduos indiferenciados (comuns) para passarem a receber e a tratar biorresíduos”, explica a EGF ao Jornal de Negócios.
13 InvestimentoA EGF e concessionárias vão investir 13 milhões de euros para adaptar as suas instalações de tratamento mecânico e biológico.
“Neste âmbito, e no seguimento de candidaturas já aprovadas pelo Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos (POSEUR), estão a decorrer os processos de adaptação das centrais de TMB da Resiestrela, Resinorte, Valnor, Valorlis, Amarsul e Ersuc, com um investimento superior a 13 milhões de euros, e que permitirão em breve ter mais capacidade de resposta a este desafio”, acrescenta a empresa.
Além destas iniciativas já em curso, a EGF vai ainda candidatar novos projetos ao POSEUR, “que permitirão ampliar a capacidade de resposta das unidades de tratamento e valorização da empresa, numa área prioritária para o país como é a recolha de biorresíduos”.
Lipor lança abordagem integrada e circular
O CEO da Lipor assegura-nos, por seu lado, que a empresa “é, desde a sua génese, uma instituição pioneira e de referência na valorização de biorresíduos em Portugal. Este eixo é uma das principais componentes da política de gestão integrada de resíduos da Lipor, que desde a sua fundação, em 1982, tem vindo a efetuar o aproveitamento desta fração para produção de composto”.
Fernando Leite lembra que “da produção do produto Fertor nas décadas de 80 e 90, a Lipor apostou, em 2005, numa inovadora unidade de valorização orgânica dedicada aos biorresíduos (resíduos alimentares e resíduos verdes) assente num sistema de recolha seletiva em grandes produtores e no setor da restauração”.
Para fazer face ao desafio imposto pela Diretiva dos Resíduos, “a Lipor desenvolveu uma abordagem integrada e circular onde é privilegiada a prevenção do desperdício alimentar, o tratamento na fonte e o tratamento centralizado”, adianta.
Na área da prevenção, a empresa destaca a implementação dos seguintes projetos:
– Dose Certa: 49 estabelecimentos de restauração ativos;
– Embrulha: 156 restaurantes aderentes, 50.742 embalagens distribuídas e 14,90 ton de alimentos reaproveitados;
– Rede Parcerias de Projetos com o Banco Alimentar contra a Fome do Porto; Fruta Feia (Porto e Matosinhos); GoodAfter (Porto); Associação DariAcordar- Movimento Zero Desperdício (8 municípios) e Refood (Núcleos Maia Centro – Maia; Leça da Palmeira – Matosinhos; Ermesinde -Valongo e Senhora da Hora -Matosinhos) e Too Good To Go. Em 2020, com a sua atuação evitaram que cerca de 7.232,34 ton de alimentos fossem descartados.
Na área do tratamento local:
– Compostagem caseira: 15.818 compostores implementados;
– Compostagem comunitária: 16 locais ativos, com o apoio de voluntários;
– Horta à porta: 53 hortas, 1.795 talhões que ocupam cerca de 123.557 m2.
“Para o tratamento centralizado, além da recolha em grandes produtores e no setor da restauração, a Lipor e os seus [oito] municípios associados iniciaram, em 2018, a recolha de biorresíduos no setor residencial. No final de 2020, 13.825 habitações já possuíam a recolha seletiva porta a porta de resíduos alimentares, o que permitiu recolher 1.386 toneladas de resíduos alimentares e 1.819 habitações com recolha seletiva porta a porta de resíduos verdes, o que permitiu recolher 587 toneladas de verdes”, diz o CEO.
305 ResíduosNo final de 2023, 305 mil cidadãos da área Lipor poderão contar com a recolha seletiva de resíduos alimentares.
Fernando Leite adianta ainda ao Jornal de Negócios que devido a “projetos cofinanciados pelo POSEUR, Portugal 2020 e pela União Europeia, através do Fundo de Coesão, a Lipor e os seus municípios associados têm em fase de planeamento projetos para alargar a recolha seletiva de resíduos alimentares a mais 108 mil habitações nos próximos dois anos e ampliar a recolha de proximidade de resíduos verdes. Assim, no final de 2023, cerca de 305 mil cidadãos da área da Lipor terão recolha seletiva de resíduos alimentares, indo ao encontro do estabelecido na diretiva e contribuindo para o cumprimento das metas de reciclagem previstas para Portugal”.
Circularidade dos biorresíduos em destaque
O CEO refere que, no âmbito da Estratégia de Prevenção de Resíduos da Lipor, a empresa privilegia “duas áreas fundamentais, a circularidade dos biorresíduos e a reutilização e recuperação de materiais”.
Assim, “destacamos a participação da Lipor no projeto europeu Cityloops, que fomenta a circularidade na cadeia de valor do sistema alimentar. Promovemos também as boas práticas de gestão e manutenção dos espaços verdes, através dos projetos hortas urbanas e espaços verdes Sustentáveis”.
No que respeita à reutilização e recuperação, Fernando Leite explica-nos que a Lipor tem “vindo a promover a transformação criativa de materiais diversos através da iniciativa Upcycling. Fomentamos a reparação e doação de equipamentos elétricos e eletrónicos, através do Projeto CREW, e participamos no projeto europeu ESTRAEE que promove a gestão sustentável deste fluxo a nível municipal. Promovemos a redução e reutilização dos têxteis, o consumo sustentável e a moda consciente através da iniciativa T-Circular. E estamos a desenvolver um centro de reutilização nas nossas instalações, para promover este eixo junto dos nossos visitantes e da comunidade em geral”.
Por seu lado, a EGF diz que “a empresa e as concessionárias, de forma individual, têm em permanência projetos e iniciativas que visam a promoção da redução, reutilização e reciclagem de resíduos urbanos, mas agora, considerando a publicação do novo Regime Geral de Gestão de Resíduos, terão de se preparar de forma mais concreta e proativa para a reutilização. Aguardamos a publicação do novo Plano Estratégico dos Resíduos Urbanos (PERSU 2030) para concretizar medidas e projetos que irão ao encontro da política definida para o setor”.