Observador online
As autarquias que optam por uma gestão privada dos seus serviços de água fazem-no com a consciência de que os reais custos do serviço são refletidos na tarifa, garantindo a sustentabilidade do sistema
Esta é uma máxima defendida também pelas empresas privadas responsáveis pela operação de sistemas públicos de abastecimento de água e saneamento de águas residuais. E é-o pela simples razão de que não existe a privatização da água, na medida em que é um bem público!
O que existe e defendemos é gestão privada, atribuída em concorrência e por concessão, dos serviços necessários ao seu tratamento e transporte de e até nossas casas. Durante essa concessão, estabelecida por concurso público, as empresas privadas ficam obrigadas ao cumprimento das condições do concurso, que garantem uma gestão com elevado nível de eficiência e qualidade de serviço.
Sendo os serviços de abastecimento de água e saneamento de águas residuais uma competência dos municípios, cabe às autarquias decidir o modelo mais adequado para o nível de rendimentos, serviço e tarifário que pretendem. Algumas câmaras optam por manter os serviços no domínio da sua gestão direta, assumindo, assim, todo o risco, enquanto outras escolhem uma gestão indireta, em que o investimento, parte do risco e as operações são assumidas por privados remunerados por tarifas estabelecidas num processo público concorrencial.
O assunto é sensível porque mexe com um bem essencial – a água. Curioso, é verificar que a fatura da água é, por norma, das mais baixas a pagar pelas famílias no final do mês. Comparando com outros serviços, verifica-se que os portugueses pagam muito mais por telecomunicações e até eletricidade, em que os municípios também são concedentes, mas é normalmente a água que está no centro do debate público e político, a nível municipal.
Mas o custo dos serviços prestados e o preço (ou tarifas) cobrado aos utilizadores não são uma e a mesma coisa. É, aliás, muito comum (assim é, na maioria dos concelhos) que os impostos sejam chamados a ajudar as tarifas a suportar os custos.
Num concelho onde a câmara municipal gere a água diretamente e cobra aos utilizadores tarifas baixas, não está, necessariamente, a ser prestado um serviço a um custo mais baixo do que num outro, onde a gestão é assegurada por privados que apenas subsistem com o que cobram dos seus utilizadores.
Com efeito, 158 entidades gestoras, num universo de 251, assumem que as suas tarifas não cobrem os custos (com todos os incentivos errados que a não aplicação do princípio do utilizador-pagador implica) sem, no entanto, informar a “fatura” adicional que esse deficit crónico implica para os contribuintes. Acrescem ainda 19 entidades que não sabem, sequer, quanto custam os serviços que prestam.
Algumas destas entidades cobram menos de 5 euros para entregar, em casa dos seus utilizadores, 10 toneladas (ou m3 ou mil litros) de água própria para consumo humano, muitas vezes captada a dezenas de quilómetros de distância. De facto, acredita quem quer.
Se o cidadão consumidor de água não paga o custo do serviço que lhe é prestado, quem o pagará? Pois, por surpreendente que seja, será esse mesmo cidadão, embora no papel de outra personagem – o cidadão contribuinte – e numa conta sem qualquer relação com o seu consumo.
A tarifa da água – seguindo a lógica do utilizador-pagador – deveria incluir não só os custos com a captação, o tratamento e o transporte da água, como também com os trabalhos de manutenção e os investimentos de substituição de que as infraestruturas necessitam para não se degradarem e envelhecerem.
As autarquias que optam por uma gestão privada dos seus serviços fazem-no com a consciência de que os reais custos do serviço são refletidos na tarifa, garantindo a sustentabilidade do sistema e os investimentos necessários. Pode ser uma opção impopular, mas é transparente e sustentável.
O que ganharemos em manter muitos serviços municipais na esfera da gestão pública sem garantir que as receitas cobrem as despesas e, muitas vezes, desconhecendo até os seus custos? Que sistemas de águas e saneamento querem os municípios para o futuro? Que investimentos estão a englobar nas suas tarifas? Que medidas para reduzir as perdas de água que nos operadores públicos atingem os 80% e rondam, em média, o dobro das perdas dos privados?
Falar de água é falar de um bem público que não pode ser privatizado. Mas também é falar de serviços que têm de ser bem geridos e não podem ignorar as perdas de água e todas as restantes ineficiências. Esta é uma fatura com custos ambientais e financeiros que não pode ser varrida para debaixo do tapete.
Dizemos não (h)à privatização da água. Com a mesma convicção com que defendemos o seu não desperdício e o fim da gestão insustentável de serviços públicos que esta ou uma geração futura, um dia destes, irá pagar.
Pedro Perdigão