Dinheiro Vivo
opinião por Pedro Perdigão
Os problemas que se prendem com a escassez de água, no quadro da adaptação às alterações climáticas, são uma prioridade da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia e isso não poderia ser mais pertinente.
Afinal, a alteração do regime de precipitações, combinada com o aumento das temperaturas, está a provocar mudanças significativas em termos de disponibilidade dos recursos hídricos. No contexto de bacias partilhadas entre Portugal e Espanha o problema coloca-se ainda de forma mais premente, já que os dois países podem enfrentar, simultaneamente, situações de stress hídrico.
Reconhece-se, então, que a União necessita de melhorar a gestão da água, através de um maior investimento em soluções de tratamento e reutilização, bem como na recuperação de ecossistemas e habitats naturais. O Programa da Presidência Portuguesa prevê uma abordagem integrada e intersetorial na gestão transfronteiriça da água, adaptando-a às alterações climáticas, promovendo ao mesmo tempo o “uso sustentável da água” e a melhoria da “gestão de riscos de inundação, através de uma melhor e mais rápida partilha de informação”.
O Ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes, falava, ainda em 2020, na necessidade de avançar com a “transição hídrica” promovendo a poupança, o uso eficiente e a circularidade da água. Ao falar em transição hídrica, no quadro da Presidência do Conselho da União Europeia, Portugal deveria dar o exemplo com algumas medidas que promovessem efetivamente as boas práticas em território nacional, desde logo, por parte de quem garante o abastecimento de água às populações.
No entanto, que medidas têm sido tomadas no sentido de incentivar, por exemplo, a redução das perdas de água por parte das próprias entidades gestoras que, em boa parte, se mantêm passivas há anos nesta matéria?
De recordar que a média nacional de perdas de água ao longo das redes de abastecimento (Água Não Faturada) é de 29% e pouco saiu desse valor nos últimos nove anos. Em alguns municípios, o caso agrava-se e o índice ultrapassa os 70%, segundo o último relatório anual publicado pelo regulador. Segundo o mesmo relatório, apenas 37 de 256 entidades gestoras garantem uma boa qualidade de serviço.
Os 29% de Portugal não comparam bem com os 25% de Espanha, mas ainda pior com os 20% da França, Suécia ou Áustria, ou ainda com os 10% da Dinamarca, países que, com menores perdas de água nas suas redes públicas de abastecimento, estão em zonas onde se espera um incremento muito inferior em stress hídrico por via das alterações climáticas.
Mais do que percentagens, falamos de 188 mil milhões de litros de água que, sendo retirados das albufeiras ou dos lençóis freáticos, nunca chegam a casa dos consumidores perdendo-se pelo caminho. Com eles, desperdiça-se, para além de um bem escasso, o gasto económico que representou captar, tratar, armazenar e transportar essa água que nunca chega às torneiras.
Apesar de existirem casos portugueses de referência pelas boas práticas na redução das perdas de água, os esforços da globalidade do setor para a resolução do problema são ainda parcos, tendo em conta os indicadores publicados pelo regulador.
Alcançar resultados mais positivos, que promovam uma gestão verdadeiramente eficiente aos níveis ambiental e económico, não está dependente de grandes investimentos, por exemplo, na substituição de redes. Pelo contrário, em vez de avultados, os investimentos devem ser parcimoniosos e seletivos, fazendo bom uso da tecnologia de que o setor já dispõe, para permitir uma operação e manutenção mais eficaz das redes existentes. Este compromisso deveria não só ser assumido por todo o setor como fortemente incentivado pelo Estado e pelo regulador, tornando o nosso país mais resiliente ao previsível agravamento dos cenários de escassez de água trazidos pelas alterações climáticas.