Ambiente Magazine
Recentemente, foi publicado o último relatório de resíduos urbanos de 2019 da Agência Portuguesa do Ambiente e que aponta para uma taxa efetiva de reciclagem do país de 23,7% quando a meta da União Europeia é de 55% em 2025. Por este andar, parece que será de facto uma meta inatingível. E a questão que se coloca é o que é que está a falhar em Portugal no tratamento dos resíduos? Este foi o ponto de partida para André Veríssimo, diretor do Jornal de Negócios dar início ao painel de debate subordinado ao tema: “Economia Circular – Reduzir, Reutilizar e Reciclar”.
António Nogueira Leite, presidente do Conselho de Administração da Sociedade Ponto Verde (SPV), dá nota de que “existem muitos resíduos integrados naquilo que é um sistema de tratamento coerente e integrante de resíduos”. No entanto, aquilo que acontece, segundo o responsável, é que “há uma importante parte de resíduos não urbanos e resíduos que estão para além daqueles que tratamos e que estão fora desse sistema”. E quando se olha para a meta de 23%, o responsável afirma que são um “conjunto de situações que vão sendo enquadradas com aquilo que está previsto em termos da aplicação da legislação comunitária” e da “transposição para a relação nacional”. Tanto é que as taxas de retoma de 2019 relativamente ao vidro, encontram-se nos 50%; no papel e cartão estão nos 88%; e nos plásticos nos 45%. Já nos materiais ferrosos e no alumínio, bem como na madeira, António Nogueira Leite afirma que as “percentagens estão acima das metas da reciclagem”. Globalmente, e com aquilo que está relacionada a atividade da SPV, o responsável destaca que “estamos acima das metas da reciclagem para este ano e nalgumas até acima de 2025”.
Já no “conjunto de resíduos produzidos”, o responsável sabe que “há muitos resíduos que ainda não têm uma solução estruturada”. No entanto, reconhece que ao longo da próxima década o paradigma vai mudar. E nestas matérias, cabe ao Governo “legislar, transpor e enquadrar de forma a que se encontre um sistema coerente: “O nosso sistema é antigo mas ainda tem problemas graves do ponto de vista de legislação, com uma arquitetura que não é eficaz e que não faz muito sentido” quando comparado com “outros países”, refere. E uma das soluções passa pela adoção de um sistema integrado: “Temos muita iniciativa pensada mas precisamos de um sistema que merece ser conduzido de forma mais profissional”. O responsável considera mesmo que a “arquitetura de regulação do setor é uma arquitetura anti-usada e que não obedece aos princípios básicos de boa resolução”, dando como exemplo o facto da Agência Portuguesa do Ambiente “não ter capacidade para responder em tempo útil às necessidades da regulação” como “tarifas reguladas a serem conhecidas no final do ano para o qual deveriam ser aplicadas” ou até “trabalhar-se em valores provisórios”. Para o responsável, é assim importante “avançar” no sentido de “integrar novas áreas e trabalhar melhor a reciclagem”, sendo fundamental que a “estrutura institucional do sistema e a sua regulação seja o mais clara, eficaz e independente possível”. Não restam dúvidas de que, na Europa, há uma preocupação sobre a importância de circular a economia mas não há a prática: “É preciso investimento privado e público, regras claras e amplas para que a Europa consiga cumprir os objetivos sem perder competitividade”, afirma, acrescentando a necessidade de “impor obrigações de circularidade no comércio internacional”, de forma a consciencializar todos para a sustentabilidade. António Nogueira Leite reforça a necessidade de atuar a vários níveis, chamando a atenção para um “enquadramento europeu catalisador dos esforços em todos os Estados-membros” e que tenha a noção de que é “preciso obrigar partes terceiras a terem esta obrigação”. Há, contudo, uma “ideia clara sobre o caminho da sustentabilidade e da circularização da economia”, afirma, não tendo dúvidas de que “hoje é central para qualquer pessoa que está na produção ou que tem a obrigação de gerir o sistema de resíduos”.
RECUSA E REINVENÇÃO
João Wengorovius Meneses, secretário-geral do BCSD Portugal, parece concordar com António Nogueira Leite quando considera que há ainda muito trabalho a fazer no que às metas diz respeito: “A meta europeia dos resíduos elétricos é de 65% e Portugal está nos 26%”, sustenta. Olhando para o 3 R´s (Reduzir, Reutilizar e Reciclar), o responsável chama a atenção para o facto da “reciclagem” não ser um “alívio de consciência para consumirmos à vontade e abundantemente” e considera que aos 3 R´s se devem somar mais dois: recusa e reinvenção. A recusa prende-se com os tipos de produtos que têm mesmo de ser “recusados”. Já na reinvenção, o responsável diz que “há muita coisa a fazer” e que passa desde logo pelo “ecodesign” ou pelos “novos materiais e novas soluções” como a “economia de partilha ou o conceito de produto como serviço”. Também trabalhar a “redução” através da “promoção de campanhas de sensibilização” ou “reintroduzir produtos e subprodutos” pode ser um caminho, refere, notando que, a par de todas as ações possíveis, são várias as “entropias” para que Portugal consiga ser um país mais circular. João Wengorovius Meneses destaca desde logo as barreiras legislativas, regras de procurement públicas ou o financiamento de inovação: “Não há nenhum market place que permita potenciar as ditas simbioses industriais”.
PROCESSOS MAIS CIRCULARES
Relativamente às empresas e que papel podem ter nestas matérias, Nuno Saramago, COO da SAP Portugal, não tem dúvidas quanto à importância das mesmas. E é nas áreas de economia circular que o portal mais tem trabalhado com os clientes de forma a “mudar” paradigmas, dando conta que “nas áreas de processo produtivo e de atividade das empresas” é mas “fácil e palpável tomar ações concretas com vista a tornar os nossos processos lineares em processos mais circulares”. São cinco as áreas que a SAP se tem debruçado. Começando pelo design e confeção dos produtos, pretende “desenhar ou reutilizar a maior quantidade possível de matérias”, que “podem ou não ser utilizados no processo produtivo”. A seleção de fornecedores é uma área que dá a possibilidade de “escolher e ter transparência sobre fornecedores sustentáveis”. Na produção, o foco da SAP está em “eliminar tudo que seja desperdícios e monitorizar em tempo real quais os recursos que estão a ser utilizados”, bem como os “equipamentos utilizados e mantidos para estender o seu ciclo de vida”. Outra área é o consumo, sendo a “fase onde podemos usar o “R” da recusa porque temos transparência suficiente para perceber que determinado produto tem pouca eficiência e operacionalmente não tem a durabilidade desejada”, refere o responsável. Por fim, a reciclagem e reutilização, no sentido de “dar opções para que as empresas consigam ver no mercado onde podem escoar os seus recursos”, acrescenta Nuno Saramago, destacando a importância de “investir na reciclagem”. É certo que o setor empresarial assume um papel central na mudança de uma “economia baseada em rentabilidade e crescimento” para uma “economia baseada no valor holístico do produto”. No entanto, o COO da SAP alerta para a necessidade da “mudança de mentalidade para que esse valor seja reconhecido por todos os intervenientes”.
TRANSPARÊNCIA NA CADEIA DE VALOR E AO CONSUMIDOR
Relativamente às metas europeias da economia circular, Paulo Lemos, diretor-geral ENV e ex-secretário de Estado do Ambiente, refere que um dos focos está na “aposta na política de produto” em produtos sustentáveis e, que, efetivamente se “procure, cada vez mais apostar na prevenção, na reutilização, na remanufatura e na sua durabilidade”. Para tal, pretende-se um “modelo de negócio que promova a durabilidade e partilha de produtos”, evitando que se “transformem em resíduos ou produtos obsoletos”. Nestas matérias, o responsável destaca que os desafios são vários, não se prendendo apenas com os tecnológicos mas também com as mentalidades: “Quer empresas, quer consumidores são mitigados pela rápida mudança de produto por causa de pequenas inovações”, refere, não tendo dúvidas de que, se continuarmos na “não aposta” na redução da procura de recursos, além de problemas ambientais, “não vamos atingir as metas”. Os planos da Comissão Europeia para a economia circular centram-se na “transparência na cadeia de valor e ao consumidor” e, para tal, já estão a ser desenhadas duas iniciativas. A primeira tem que ver com o facto das empresas “reclamarem” que são verdes mas que não o provam à opinião pública: “Esta legislação vai obrigar através de um instrumento, onde permite às empresas justificar” pela qual são verdes. Depois, o passaporte do produto que permite dar “transparência” da informação, a “transmissão da informação ao longo da cadeia de valor” e, também, junto do “consumidor”. Aqui, “estamos a estudar a possibilidade de determinado produtos conter informação que possa ser lida por qualquer pessoa”, dando conteúdos completos de todo o produto, desde a sua formação/criação até à venda. Em matérias de circularidade, Paulo Lemos defende a necessidade de “reforçar a política do produto”, “apostar em níveis mais elevados na hierarquia de resíduos” e dar “informação às empresas e consumidores sobre a melhor maneira de aproveitar os produtos”.
TRABALHAR EM ARTICULAÇÃO COM OS MUNICÍPIOS
Do lado da água, e sobre quais os desafios que a questão da economia circular coloca ao setor, João Neves, administrador da Comissão Executiva da AdP-Águas de Portugal SGPS, S.A., afirma que a circularidade no setor da água já acontece há muitos anos. No entanto, os desafios que agora surgem são mais exigentes. E o grupo AdP tem levado a cabo vários projetos de reutilização da água: “Depois de tratada, a água é aperfeiçoada para poder ser utilizada em usos agrícolas, turísticos, urbanos ou lavagem de pavimento ou até usos industriais”. Para além disso, também “identificámos outras áreas onde podemos contribuir para a melhoria dos recursos naturais” como, por exemplo, o “tratamento das lamas das ETAR´s” e um “plano para reduzir em 50% a quantidade de lamas que são produzidas nos processos de tratamento de águas residuais”. Segundo o responsável, “essa redução será feita por via da redução dos teores de humidade das lamas”, tendo como consequência direta a “redução de custos de transporte e a redução da pegada de CO2 associada a esses custos”. No que diz respeito à “redução de consenso por via de uma maior eficiência hídrica”, o responsável afirma que é uma matéria que está dentro dos planos do grupo para os próximos anos. João Neves afirma que o grupo AdP tem o compromisso de trabalhar em articulação com os municípios onde distribuem água em Sistema de Alta no sentido de os ajudar a “reduzir perdas”, conseguindo assim atingir a meta de serem o primeiro grupo a nível mundial neutro energeticamente: “Uma das forma de reduzir o consumo de energia associada ao setor da água é reduzir o nível de perdas”, sustenta