Deputado do PS e ex-secretário de Estado do Ambiente fala do polémico negócio do lixo, entretanto travado
AEnvironment Global Facilities (EGF) foi uma empresa pública que desde 1993 até 2015 serviu de instrumento para a constituição dos sistemas mul- timunicipais e respetivas empresas concessionárias para a recolha seletiva, valorização e tratamento de RSU, com objetívos de serviço público, mas numa ótica empresarial do Estado. Foi com a criação destes sistemas multimunicipais (bem como dos intermunicipais) que há mais de 20 anos se alterou o paradigma do sector de resíduos: passar das lixeiras para aterros sanitários, consolidar a recolha seletiva e a valorização dos materiais recicláveis. O nível de ambição colocado nas novas metas europeias até 2035 e a obrigação de recolha seletiva dos fluxos de biorresiduos, de têxteis e de resíduos perigosos domésticos impõem a Portugal desafios futuros. Ouvida a EGF, empresa pública, obrigada aos objetivos de serviço público para a recolha seletiva, deu nota de que não podia realizar esta atívidade porque, no entendimento da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), os sistemas multimunicipais não poderiam imputar o valor remanescente do financiamento (15%) à Base de Ativos Regulados, por lhes estar vedada a recolha seletiva de
biorresíduos. Questionado o presidente da ERSAR, inteirando-o dos graves problemas que esta posição radical implicaria no sistema de recolha seletiva, manteve-se inflexível, argumentando que na alínea k) da base 1 dos termos do contrato de concessão o conceito de recolha seletiva não tem referência expressa aos biorresíduos. Analisado o texto da lei e as razões invocadas e ouvidos com caráter de urgência vários parceiros (estavam em curso candidaturas ao POSEUR que exigiam rápida decisão), em particular a ANMP Associação Nacional de Municípios Portugueses, concluímos que, embora a definição de recolha seletiva não incluísse os biorresíduos, também não os excluía. E recorrendo aos princípios vinculativos da concessão à EGF, verificámos que a concessionária está obrigada a objetivos de serviço público (tal como o fazia quando pertencia ao sector empresarial do Estado) até final da concessão (2034), subjacente à atividade concessionada. Não podia ser outra a leitura do compromisso, sob pena de ocorrer um triplo retrocesso: pior qualidade de serviço, aumento exponencial das tarifas e redundância nos sistemas de recolha.
Por este “mal-entendido” e outros que se advinham, ao longo do ano de 2013 ma- nifestei-me perentoriamente contra a privatização do sector. Os meus apelos, e da generalidade dos autarcas, não colheram efeito junto da então administração da EGF
e do Governo. Como se previa, tudo correu e corre mal.
Pesem embora as minhas sérias reservas à oportunidade da privatização, não podia deixar de entender esta participação privada como parte integrante dos sistemas multimunicipais, sob pena de desvalorizar um instrumento de interesse público que se revelou imprescindível para a recolha e tratamento dos RSU aos níveis desejáveis segundo os parâmetros europeus, a caminho de uma economia circular. Caso se entendesse, como nós entendemos, a recolha seletiva do novo fluxo biorresíduos (num novo contentor ou no porta a porta) podia continuar nos sistemas multimunicipais como um acrescento à atual atividade de recolha seletiva, dilu- indo-se os custos significativamente pelas sinergias associadas aos circuitos em curso.
Conclusão: a privatização da EGF foi nefasta e a interpretação restritiva das bases da concessão só agrava o problema, em detrimento do serviço público e de todos nós.
Por último, que fique claro que nunca quisemos privilegiar qualquer grupo. Que fique claro que sempre defendemos e continuaremos a interpretar as normas de acordo com a primazia do interesse público. Rejubilam os operadores privados do sector, mais negócio, mais atividade, mais dinheiro público no mercado, mais custos a suportar pelo cidadão.
As aparências iludem.
João Ataíde