Oito instituições financeiras assumem esta segunda-feira o compromisso de integrarem critérios ambientais nas análises à concessão de crédito. Para o ministro do Ambiente, o financiamento sustentável é “uma enorme oportunidade” para a banca.
O sportefólios da banca têm de
ser cada vez mais verdes e cada vez menos castanhos”. E assim que o ministro do Ambiente e da Transição Energética descreve o papel que devem ter as instituições financeiras para que o país atinja a neutralidade carbónica.
Três ministérios, oito bancos comerciais, a bolsa portuguesa, os reguladores e associações ligadas à banca, seguros, fundos e emitentes assinam esta segunda-feira a Carta de Compromisso para o Financiamento Sustentável em Portugal. Um documento que estabelece desde logo à banca uma integração – gradual – dos critérios ambientais e de sustentabilidade na análise de risco aos projetos que é chamada a financiar.
Ao Negócios, João Pedro Matos Fernandes explica que o valor do investimento necessário para que Portugal atinja a neutralidade carbónica em 2050 é da ordem dos 1.017 mil milhões de euros, sendo que, destes, 930 mil milhões “serão realizados em qualquer caso em resultado da dinâmica normal de modernização da economia”, levando auma redução de emissões de 60%. No entanto, sublinha o governante, como Portugal ambiciona uma redução de 85% “essa diferença representa um investimento anual entre 2,1 e 2,5 mil milhões de euros”, cabendo a esmagadora maioria (85%) aos privados, “empresas e famílias”.
Eficiência energética dos edifícios, automóveis elétricos, produção de eletricidade a partir de fontes re
nováveis ou equipamentos eficientes na indústria são alguns exemplos apresentados por Matos Fernandes para sublinhar que “independentemente de existir financiamento público – fundos comunitários – para incentivar esta transição, o papel da banca como financiador regular da economia é fundamental”.
“Se estamos a falar de uma alteração de comportamentos temos que sair das políticas públicas para poder influenciar as opções das famílias e das empresas no sentido de uma economia hipocarbónica regeneradora de recursos”, acrescentou.
Esta segunda-feira as 20 entidades assumem compromissos, mas só dentro de dois anos, aponta
o ministro do Ambiente, é que será possível definir metas para 2030.
Para o governante, os bancos têm nesta transição também uma oportunidade. Desde logo, explica, porque “o risco climático ou associado ao esgotamento das matérias- -primas é também um risco para quem financia um projeto”.
Por outro lado, é “uma enorme oportunidade em face da dimensão do investimento que aí vem”, afirma ainda, lembrando que 25% das verbas do próximo ciclo de fundos comunitários vai estar afeto aos ob- jetivos climáticos, 50% do Fundo Europeu de Desenvolvimento e do Fundo de Coesão estão alocados à digitalização e à economia de baixo
carbono e o InvestEU, o fundo que vem substituir o plano Juncker, tem 12 mil milhões de euros para in- fraestruturas sustentáveis, que têm de ser alavancados pela banca. “A banca tem uma enorme oportunidade de negócio à sua frente”.
O ministro do Ambiente lembra ainda que cada vez mais existirão imposições comunitárias para que também abanca, que tem de cumprirum conjunto de indicadores financeiros, caminhe para que tenha que ter um rácio mínimo de projetos verdes no seu portefólio de empréstimos. “Isto vai ser mesmo obrigatório a prazo por parte da União Europeia. Mas mesmo que não fosse não tenho dúvida que quanto mais os bancos se comprometerem com estas matérias mais próximos vão estar das linhas de desejo dos seus clientes”, cada vez mais preocupados com as alterações climáticas. Por essa razão, acrescenta, “é preciso fazerprodutos financeiros alinhados com esta linha de desejo”.
Matos Fernandes reconhece que o trabalho que resultou do grupo de reflexão para o financiamento sustentável, criado em março, está no início, mas será agora aprofundado com duas ONG internacionais – a ClimateWorks Foundation e a European Climate Foundation – que “não encontraram noutros país este grau de compromissos entre reguladores, seguradoras, bancos e Governo”.
Dívida pública verde em 2020
A República Portuguesa ainda não fez qualquer emissão “verde”, mas o ministro do Ambiente admite que isso possa acontecer em 2020. João Pedro Matos Fernandes explicou ao Negócios que está a ser feito um “caminho de robustecimento técnico, onde é fundamental o encontro entre poderes públicos e a banca para garantir que no próximo ano, se houver interesse e existam condições de conhecimento e de mercado, podermos avançar com obrigações ‘verdes’ a partir do próprio Estado”. Foram já vários os países que emitiram obrigações soberanas verdes, quer na Europa (França, Holanda, Irlanda ou Polónia), quer noutras regiões do globo (Indonésia, Nigéria ou Fiji). Uma emissão de obrigações do tesouro “verdes” seria uma forma de o Estado reforçar junto do setor privado nacional e internacional o potencial de Portugal como hub de tecnologia e de investimento “verde”.
“Estamos a construir um new deal”‘
O ministro do Ambiente, Matos Fernandes, destaca para a banca oportunidades defensivas e ofensivas.
Qual é o papel da banca para acelerar o financiamento sustentável em Portugal?
Portugal foi o primeiro país do mundo a comprometer-se a ser neutro em emissões carbónicas em 2050.0 que sentimos é que toda a construção em torno do Roteiro da Neutralidade Carbónica tinha que rapidamente agregar esta parte do financiamento sustentável. Portugal está a construir um “new deal” com estas 20 entidades a estabelecerem o compromisso de cada vez mais se preocuparem com a análise de risco ambiental e de sustentabilidade dos projetos.
A ideia é pôr a banca a canalizar empresas e famílias, através da sua política de concessão de crédito, para comportamentos ambientalmente sustentáveis?
Sim. E a valorizar. Isto é para a banca uma oportunidade defensiva e uma oportunidade ofensiva. Uma oportunidade defensiva porque uma indústria que aposte na economia circular e reduza a necessidade de aquisição de matérias- -primas reduz o risco do próprio financiamento. Há também uma oportunidade ofensiva pelos valores previstos para os novos investimentos de cariz sustentável a nível europeu e nacional.
Depois de no programa “Casa Eficiente” a banca não ter respondido como o Governo previa, que garantias tem agora?
Muitas vezes a questão não se coloca só nos conselhos de administração, mas também ao nível dos analistas de crédito e até em quem está a vender os produtos ao balcão. Mas está previsto a partir desta carta de compromisso a formação dos responsáveis intermédios para que estas matérias sejam consideradas. É verdade que ainda há bancos portugueses com preocupações de curto prazo, mas encontramos na banca uma disponibilidade grande para começar a tratar estas questões em paralelo com problemas que vêm do passado.
Basta que a banca, na análise de risco de um projeto que vai financiar, inclua também aquele que é o risco climático para de facto começar a financiar a economia de outra forma.
OS COMPROMISSOS
Da política fiscal favorável à sustentabilidade até às mudanças na análise de risco
Governo, bancos, reguladores, seguradoras e associações ligadas ao setor financeiro, num total de 20 entidades, assinam esta segunda-feira uma carta de compromisso para o financiamento sustentável em Portugal.
ESTATUTOS PME VERDE OU PME SUSTENTÁVEL EQUACIONADOS
Do lado do Governo são assumidos compromissos pelo Ministério do Ambiente – que coordena o grupo de reflexão criado em março para o financiamento sustentável – mas também pelo das Finanças e pelo da Economia. Entre esses compromissos conta-se, por exemplo, o desenvolvimento de uma política fiscal favorável à sustentabilidade. A falta de estímulos aos agentes foi um dos obstáculos identificados pelo grupo de reflexão criado para acelerar o financiamento sustentável, nomeadamente a nível fiscal. Outro dos seus compromissos é o de promovera revisão dos critérios da PME Líder e PME Excelência – estatutos que distinguem empresas com perfis de desempenho superiores, favorecendo as condições de financiamento – de forma a incorporar gradualmente os temas da sustentabilidade nesses critérios. Será também avaliada a possibilidade de se criar uma categoria de PME Verde ou PME Sustentável.
CRITÉRIOS AMBIENTAIS, SOCIAIS E DE GOVERNAÇÃO NA ANÁLISE DE FINANCIAMENTOS
São oito os bancos comerciais que assinam a carta de compromisso: Caixa Geral de Depósitos, Crédito Agrícola, Barclays Bank, Banco BPI, Montepio, Millennium bcp, Novo Banco e Santander Totta. Estas instituições financeiras, a par da Euronext Lisbon, compro- metem-se, desde logo, a promover a gradual integração dos critérios ambientais, sociais e de governação nas análises de financiamento e investimento. Por outro lado, assumem ainda a intenção de promover a formação em financiamento sustentável dirigida aos seus colaboradores nos diversos níveis da organização, incluindo o conselho de administração, com o enfoque na área de análise de risco de crédito, produtos financeiros, comercial e de produção.
REGULADORES ASSUMEM COLABORAÇÃO
Os três reguladores do setor financeiro também se aliaram ao compromisso. Banco de Portugal, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões assumem, neste âmbito, a vontade de colaborar, no âmbito das suas atribuições, na análise do papel do sistema financeiro na identificação e gestão dos riscos ambientais, no financiamento e no investimento em projetos verdes e de baixo carbono.
ASSOCIAÇÕES DE BANCOS, SEGUROS, FUNDOS E EMITENTES VÃO PROMOVER FORMAÇÃO
A Associação Portuguesa de Bancos, Associação Portuguesa de Seguradores, a Associação de Empresas Emitentes de Valores Cotados em Mercado e a Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Património também se envolveram no compromisso para o financiamento sustentável em Portugal. Irão promover o debate sobre a sustentabilidade e sobre os riscos e as oportunidades ambientais, sociais e de governação, mas assumem ainda o objetivo de promover a formação nos temas do financiamento sustentável, da informação não financeira e dos desafios da sustentabilidade junto dos seus associados e colaboradores.