Água & Ambiente Qualidade técnica do projeto não é valorizada e contração do mercado está a pressionar apresentação de propostas com valores cada vez mais baixos. Na maioria dos concursos públicos lançados este ano para a elaboração de projetos de água e saneamento, o preço continua a ser o único critério considerado. O facto de não ser mais valorizada a qualidade técnica das propostas e o currículo dos proponentes preocupa as empresas do sector, que alertam para os riscos de entregar projetos a empresas sem experiência e, muitas vezes, por valores abaixo de custo. “Decidir pelo preço mais baixo quer dizer que um engenheiro sozinho, acabado de formar, ou uma empresa de 50 engenheiros estão exatamente no mesmo pé de igualdade”, observa João Levy, presidente do Grupo Ecoserviços. Também Francisco Machado, administrador da Sisaqua e presidente da AEPSA – Associação de Empresas Portuguesas para o Sector do Ambiente, sublinha que a maioria dos concursos não define uma fase de qualificação prévia – que permitiria selecionar as empresas com experiência na área -, nivelando por igual todas as propostas técnicas e colocandoa decisão somente no fator preço. “A empresa não precisa mesmo de ter experiência porque não há pré-qualificação das empresas”, diz.Além disso, alerta para a “devassa” da propriedade intelectual das empresas que decorre do atual enquadramento legislativo, que permite o acesso a todas as propostas por qualquer empresa concorrente, mesmo que seja excluída. Por outro lado, “o mercado está paradíssi- mo”, acrescenta, o que faz com que muitas empresas apresentem propostas de um cêntimo acima do “valor anormalmentebaixo” – definido por lei como 40 a 50 por cento do preço base – e, nestes casos, a adjudicação acaba por recair sobre critérios como a rapidez (quem entrega a proposta primeiro) ou é mesmo feita por sorteio, como já sucedeu. De resto, Francisco Machado chama a atenção para a confusão que existe entre o que a lei define hoje como preço-base – “o preço máximo que a entidade adjudicante se dispõe a pagar” – e o que estava estabelecido no anterior enquadramento legal, em que era o valor pelo qual se esperava adjudicar o projeto ou a obra. Ou seja, os descontos que se fazem hoje sobre o preço-base são-no, muitas vezes, sobre um valor já considerado pelo dono de obra como o adequado (e não máximo) para a sua concretização. Por outro lado, questiona, “como se pode considerar razoável uma proposta 40 por cento abaixo do preço-base, quando este é já visto como o preço certo?” A concorrência elevada verificada em alguns concursos – entre duas e três dezenas de empresas concorrentes, mesmo em projetos e obras de valor menor- mostra bem a avidez do mercado em tempos de crise. Muitas empresas, assegura o presidente da AEPSA, concorrem para manter “uma atividade mínima, mesmo que percam dinheiro”. A tendência para adjudicar ao preço mais baixo justifica-se também, entende João Levy, pela preocupação de municípios e empresas públicas em afastar qualquer suspeita de corrupção, mas poderá estar a redundar num sistema que não valoriza a qualidade e opta simplesmente pelo caminho “mais fácil”. Na sua opinião, o ideal era que houvesse, numa primeira fase, uma ponderação da valia técnica da proposta, e só passariam à fase seguinte as empresas que atingissem um determinado nível. E aí, sim, o fator preço seria preponderante.No que respeita a empreitadas, nomeadamente para a construção de estações de tratamento, Francisco Machado entende que, de uma forma geral, os cadernos de encargos são “robustos e bem pensados”. Neste âmbito, entende que o mais importante é “adjudicar uma obra que tenha o melhor custo de vida não só de construção”. E na sua opinião, isto só é conseguido se a exploração for incluída nos concursos por períodos de cinco anos, de modo a vincular o contratado aos custos propostos para esta fase.