O regulador aprovou as propostas sobre concessões de distribuição de eletricidade em baixa tensão em Portugal Continental. A ERSE propõe a divisão da rede de distribuição nacional em três regiões.
“A gestão não tem cor, não é pública nem privada, ou é boa ou não é”
A EPAL abastece 2,8 milhões de consumidores na área da grande Lisboa. O presidente da companhia, José Sardinha, defende a importância da EPAL de ter um tarifário social, e revela que as águas residuais tratadas vão ser cada vez mais importantes em Portugal.
Público ou privado, o setor das águas precisa é de boa gestão, defende o presidente da EPAL. Em entrevista ao Jornal Económico, José Sardinha, considera que o setor das águas em Portugal não corre o risco de privatização e revela que a empresa está a realizar estudos para implementar mais soluções de reutilização de águas residuais nas suas maiores estações de tratamento.
Recentemente, a coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, visitou a EPAL e à saída defendeu que deveria haver um regime automático de atribuição da tarifa social da água como existe com a eletricidade, que poderia abranger 760 mil famílias. Esta ideia do Bloco de Esquerda faz sentido?
Já temos um tarifário social, que implementámos em 2013, tem estado a funcionar e dá descontos de 91%. Portanto, é um desconto muito significativo. Segue as recomendações da entidade reguladora. Isto foi adotado em 2013 numa altura em que o país estava numa profunda crise e nós demos o nosso contributo. Em 2015, tivemos as nossas tarifas aprovadas por cinco anos, portanto existe um decreto lei até 2020 onde está a nossa tarifa social. O nosso tarifário social é de aplicação universal, por isso, qualquer pessoa se pode dirigir às nossas lojas.
Quantos beneficiários tem esta tarifa social?
Temos um total de cerca de seis mil beneficiários de tarifários sociais e de tarifários de famílias numerosas. [A EPAL conta com mais de 1.900 beneficiários da tarifa familiar de água, e com mais de 4.000 beneficiários da tarifa social da água].
Considera que autarquias ou empresas de venda de água em baixa deveriam seguir o exemplo da EPAL e aplicar este tarifário social? Eu julgo que a grande maioria delas tem. No último levantamento que fizemos ao nível do tarifário social, eu julgo que dos 34 municípios à volta de Lisboa todos tinham [o tarifário social]. Os valores são diferentes, as condições são diferentes, e fizemos não só na zona norte, nós distribuímos apenas na zona norte, também na zona sul do Tejo, portanto na zona metropolitana da área, a ideia que tenho é que todos têm.
Não faria sentido fazer uma lei para obrigar todo o país a aplicar a tarifa social na água?
Nós não nos pronunciamos, somos gestores, não fazemos leis. As leis competem aos políticos e, portanto, não me compete.
Sendo o gestor de uma empresa pública no setor das águas, considera que existe algum risco de o setor vir a ser privatizado. Falou-se nesta questão há uns anos, hoje em dia, está fora da discussão pública, mas como é que analisa esta questão?
Não acho que haja nenhum risco. A água, nos termos da lei portuguesa, é pública. Portanto, estamos perfeitamente confortáveis com esse domínio. Existe espaço para as empresas privadas, naturalmente, e elas existem no país. Existem várias concessões no país. Que fazem o seu caminho, mas, de facto, não está em cima da mesa qualquer tipo de privatização, acho que não há qualquer risco de privatização na água. Existe é a prestação de serviços, que é diferente da privatização…
… e faz sentido atribuir estas concessões a empresas privadas ou não? Deveriam
estar sempre nas mãos de empresas públicas, por exemplo ? Ou dentro do setor público?
Eu agora vou pegar nas suas palavras, eu sou gestor e estou como gestor nesta empresa, e aqui estas são as condições, o meu mandato é para esta empresa. O que faz sentido é que cada um dos decisores tome a melhor decisão com a informação correta, portanto, essa é a informação que compete a cada uma das autarquias, e elas saberão o que é melhor para elas. Há, contudo, uma coisa feita por todos, e a escala aqui é importante. Muitas vezes, uma autarquia sozinha não tem a dimensão suficiente, e aí têm de reunir esforços, vontades e congregar meios com outras autarquias para ganhar dimensão: as comunidades intermunicipais, por exemplo. Mas, enfim, se ficam depois sob a gestão pública ou privada, essa é uma opção que não nos compete responder. Respondo apenas por esta [a EPAL], que é uma gestão pública, mas posso acrescentar que se trata de gestão, e a gestão não tem cor, a gestão não é publica nem é privada, ou é boa ou não é boa. O nosso objetivo é boa gestão, pura e simplesmente.
Há uns anos houve a fusão de alguns sistemas, entretanto houve a reversão. Isso fazia sentido?
Lá está, é de cariz que compete a cada um dos governos. A nós com- pete-nos gerir aquilo que nos pedem para gerir, e obtivemos bons resultados sem agregação, obtivemos bons resultados com uma agregação de um determinado tamanho. Tal como tivemos bons resultados com uma agregação de outra dimensão, porque foi sempre isso que nos pediram: bons resultados. Portanto, se a dimensão é esta ou é aquela, é matéria que compete ao decisor político e não propriamente ao gestor.
Em relação às águas residuais tratadas. No caso de Israel, por exemplo, 80% das águas residuais tratadas são utilizadas na agricultura nos campos de golfe. Faria sentido fazer isto em Portugal? Como é que olham para esta questão?
Um exemplo. Nós temos, a gestão delegada da Águas de Vale do Tejo que tem abastecimentos até 100 mil litros. E temos vindo a incentivar cada vez mais a utilização das águas residuais em usos compatíveis. Desde logo, nas nossas próprias instalações: em vez de utilizarmos água potável usamos água residual tratada, desde a lavagem de equipamentos e de arruamentos, até à rega. Um exemplo que eu gosto de dar, que se localiza em Évora, tem a ver com um grande produtor de vinho que exporta grande parte da sua produção para mercados tão exigentes como os EUA, para cadeias e grandes distribuidoras de hipermercados dos EUA. Hoje, grande parte da vinha no Alentejo é regada, e isto permite manter, de alguma forma, a qualidade e ser mais imune às alterações climáticas. Em 2017, num ano de seca, tudo o que eram recursos desse produtor de vinho, que tem muitos hectares, começaram a esgotar-se. Então contactou-nos, no sentido de nós, através de uma das nossas ET AR [Estação de Tratamento de Aguas Residuais] que temos na região, fornecermos água residual tratada para que pudesse regar as suas vinhas.
Este projeto teve sucesso?
Para ter uma noção, a capacidade instalada é de 100%, ou seja, 100% da água residual tratada produzida pela aquela ETAR é encaminhada para rega das vinhas desse grande produtor. E um sistema que foi implementado em tempo recorde, também com autorizações em tempo recorde, que isto carece de um grande conjunto de autorizações ambientais e tudo mais, e de facto está implementada e é um excelente exemplo.
Outros produtores de vinho já analisaram este projeto?
De tal maneira que é um excelente exemplo que esse produtor tem sido visitado por outros produtores de vinho do país de outras regiões, precisamente porque querem promover o que ele está a fazer com as águas residuais, com o sistema de rega e como é que implementou. Nós falamos uns com os outros dentro do setor, mas os setores económicos também falam uns com os outros e procuram as boas práticas. E portanto, num país em que a produção agrícola tem aumentado significativamente e em que é geradora de riqueza, numa coisa tão importante como o vinho, com um valor acrescentado, muitíssimo significativo, é importante que um grande produtor que entra em mercados tão exigentes como os EUA em que a certificação ambiental é uma condição para conseguir passar as fronteiras e entrar em cadeias tão grandes como a Sears, grandes distribuidores nos EUA, de facto esta nossa parceria é muito importante. E um bom exemplo, mas há mais exemplos de municípios que nos contactam para, no fundo, eles próprios utilizarem a nossa água residual tratada, por exemplo para a rega de espaços verdes e, portanto, temos aí um conjunto de iniciativas muitíssimo significativas. Naturalmente, que isto carece em alguns investimentos, e naturalmente que isto é um negócio de escala. Portanto, para incentivar o uso da água residual tratada importa o quê? Importa focar-nos essencialmente nas grandes instalações e com grandes utilizadores, como os produtores de vinhos, e também nos municípios na rega de espaços verdes, mas também outros exemplos, noutras empresas do grupo.
Para lavar as ruas?
Por exemplo.
Em Lisboa já são aplicadas essas águas residuais?
Em Lisboa, o grupo Aguas de Portugal tem uma empresa que hoje faz esse tipo de atividades e, de facto, já é utilizada assim.
Qual é que é o peso da agricultura no consumo da água total no país?
E seguramente acima dos 80%. Neste setor, a água residual tratada para aplicações agrícolas acaba por ter efeitos muitíssimo significativos, que há alguns nutrientes, portanto, tudo isto conta.
Mas as águas residuais tratadas não são para beber, certo?
Não. E usada só para usos compatíveis: essencialmente lavagens, lavagens de equipamentos, lavagens de ruas, rega, rega de espaços verdes, rega agrícola. O essencial.
É seguro utilizar esta água para estes usos compatíveis?
Completamente. Hoje, as águas, seja para que produtos forem, são completamente controladas. Estas águas residuais podem ser aproveitadas. Perfeitamente. São completamente desinfetadas e controladas em termos de qualidade, com inúmeras análises.
No Algarve, por exemplo, pode ser utilizada para regar campos de golfe?
Estão a ser feitos projetos nesse sentido, tal como na península de Setúbal.
Estão a desenvolver mais projetos nesta área?
Nós temos estudos e estamos a fazer estudos para implementar mais soluções de reutilização nas maiores ETAR.
“Estamos cá para ajudar as autarquias” a reduzir perdas de água
As faturas dos habitantes de Lisboa vão sofrer mudanças já este mês, com o objetivo de reduzir o consumo de água. José Sardinha, presidente da empresa que abastece a capital portuguesa, revela como é que as autarquias e entidades gestoras do resto do país podem reduzir as perdas na rede.
Para reduzir o consumo de água, o consumidor precisa de saber primeiro quantos litros é que consome. Perante faturas indecifráveis, a EPAL decidiu simplificar as suas. Em entrevista ao Jornal Económico, o presidente da EPAL, José Sardinha, fala sobre os investimentos, a redução da dívida, e ensina sobre como o resto do país pode reduzir as perdas de água na rede.
Os clientes da EPAL vão ter alterações na sua fatura mensal. Que mudanças são estas?
O cidadão sabe o que é um litro de água, mas raramente sabe o que é um metro cúbico, que são mil litros. Por exemplo, uma família em Lisboa, consome em média cerca de oito metros cúbicos por mês, ou seja oito mil litros. Mas se dissermos às pessoas que oito metros cúbicos são oito mil litros, até tenho pessoas que entram em negação: ‘não consumo tanta água’. Mas as nossas faturas ainda vão um bocadinho mais além na humanização, e dizem “na sua habitação gastou x litros por dia”. E ainda dizem que a média da cidade onde vive é de x litros por pessoa e por dia.
Qual é a média na cidade de Lisboa?
No caso concreto de Lisboa: 149 litros diários e por pessoa. Portanto, passamos a dar essa informação na fatura, quanto é que se gasta por pessoa e por dia em Lisboa. Nas restantes empresas do grupo Aguas de Portugal, que têm atividades em baixa, as faturas dizem qual é a capitação média nos outros locais.
Corno é que o consumidor pode saber quanto gasta em média por casa?
Na fatura, também dizemos que a pessoa pode calcular a capitação média da sua habitação: basta dividir o valor que nós dizemos na fatura. Por exemplo, gastou 250 litros por dia no último mês e se quer saber a capitação divide esse valor pelo número de pessoas. Por exemplo, se estivessem duas pessoas lá em casa correspondia a 125 litros, é muito ou é pouco? As pessoas não sabem, exceto se conseguirem comparar com a média da cidade de Lisboa, e nós, na fatura, dizemos que o consumo médio em Lisboa são 149. Assim, a pessoa fica imediatamente a saber que, “ok, estou abaixo, portanto estou bem”.
Qual o objetivo desta medida?
No fundo, trata-se de uma medida para aumentar a consciencialização das pessoas sobre quanto é que estão a gastar num bem precioso que é a água. Naturalmente, esperamos que as pessoas respondam com a diminuição de consumos. E bom para elas, é bom para o ambiente, é bom para todos, também para a cidade.
Tem alguma expectativa de redução de consumo com esta medida?
Estamos à espera que os lisboetas nos surpreendam.
Sobre o plano de diminuição da dívida da EPAL. Está a correr conforme planeado?
Aqui, cumprimos rigorosamente a tudo. Normalmente, diminuímos na casa dos 15,20 milhões de euros por ano. Foi o que aconteceu em 2018.
Qual o montante total de dívida? E o programa de redução está previsto terminar quando?
Na casa dos 100 milhões de euros. Eu julgo que mais cinco ou seis anos [o programa está concluído].
Em relação a investimentos, o que é que a EPAL tem em curso agora?
Estamos na fase de conclusão da ETA [Estação de Tratamento de Aguas] de Vale da Pedra, no município do Cartaxo [distrito de Santarém], para trazer água para Lisboa. Este é um investimento de 13 milhões de euros que será inaugurado já este ano.
Que outros investimentos a EPAL tem em vista?
Temos também investimentos ao nível da eficiência energética. Vai ser lançado agora o concurso para a nossa ETA da Asseiceira se tornar na primeira instalação mundial autossustentável. A Asseiceira é a maior estação de tratamento de água em Portugal e uma das maiores do mundo e vai passar a produzir a sua própria energia, sem painéis solares fotovoltaicos, através da turbinação da sua própria água. A energia que vai produzir será suficiente para manter toda a instalação em funcionamento. Este investimento é de cerca de 4,5 milhões de euros.
Considera que faria sentido separar e ter uma fatura só para a água e não ter os resíduos e o saneamento juntos com a água?
Não, a fatura está bem assim, e naturalmente tem muita informação mas agora irá passar a ter mais informação, nomeadamente sobre a qualidade do serviço mas são serviços públicos essenciais. Repare, o consumo de água aduz também o consumo de serviço de saneamento, por isso, faz sentido que esteja lá. De facto, os resíduos sólidos também faz sentido, porque uma habitação carece de água e produz resíduos e precisa de saneamento. Acho que como está, está bem.
Portanto, Lisboa tem uma média diária de 149 litros de água consumidos por pessoa, mas qual é a média nacional?
Os valores andam na casa dos 180 litros.
Qual a evolução do consumo na cidade de Lisboa em 2018 face ao ano anterior?
Baixou cerca de 4%, é uma tendência. Já nos 34 municípios à volta de Lisboa registámos uma redução de 4,5%.
Quais as razões para esta redução?
A redução dos 4% está relacionada com uma maior consciencialização. Por um lado, a seguir a secas, normalmente, as pessoas consciencializam-se muito sobre o consumo de água porque há muitas campanhas e muita educação ambiental, portanto, adotam comportamentos mais eficientes. Por outro lado, temos o chamado crescimento económico, que, normalmente, leva a maior consumo. Portanto, quando estamos a ver uma redução de 4%, quer dizer que as reduções efetivas foram superiores porque há, por um lado, o crescimento económico, há mais habitação ocupada, mais atividades económicas, mais lojas em Lisboa.
Mencionou que havia uma tendência de redução de consumo da água. Quando é que começou?
Até 2005, o consumo foi sempre a subir, a partir de 2005, foi sempre a descer. Uma grande seca que tivemos em Portugal foi em 2005. Entre esse ano e até 2015, os consumos todos os anos reduziram. Depois, subiu em 2016 e em 2017, com muito atividade económica.
Um tema complicado no setor das águas a nível nacional são as perdas na rede de distribuição, que atingem os 30% em média
… nós continuamos, pelo menos, na casa dos 10%.
O que é que o resto do país tem de fazer para imitar a EPAL e reduzir as perdas ?
Numa palavra: investir. Tem de se investir em dois vetores. O primeiro, investir nas pessoas. Na qualificação dos técnicos, na dotação das equipas com técnicos em número, e sobretudo com formação adequada.
Falou primeiro na importância dos quadros qualificados. E o segundo vetor?
E preciso investir na rede, mas para isso precisamos, primeiro, de ter o cadastro da rede. Depois, em vez de substituir a rede toda, temos de saber onde é que estão as fugas e para isso é preciso o software que nós desenvolvemos, que detetam as fugas mesmo antes de aparecerem à superfície para fazer, cirurgicamente, uma intervenção. Nós temos 1.500 quilómetros de rede em Lisboa e não andamos a substituí-la toda, nem de longe, nem de perto. E um pouco como se tivesse um problema cardiovascular, a intervenção é muito localizada e é ali naquele sistema.
As autarquias ainda precisam de fazer esse caminho?
Nós estamos cá para as ajudar. Aliás, temos feito algumas propostas em que até estamos dispostos a partilhar apenas os benefícios, não vendemos nada.
Em relação aos preços, a água devia ser mais cara para tentar reduzir o consumo?
O preço da água, hoje em dia, é um preço regulado e, no fundo, esse preço tem de refletir o equilíbrio de manter uma infraestrutura pública bem gerida e que forneça, não só as gerações atuais, bem como as gerações futuras. E importante investir continuamente na qualificação e na renovação das infraestruturas e também dos trabalhadores. Aqui investir na qualificação permanente dos trabalhadores, que operam estas mesmas infraestruturas. Portanto, eu diria que é um preço justo e um preço sujeito a regulação. Muitos países do mundo não têm regulação, nós temos e devemos fazer bom uso dela até porque tem feito um bom serviço ao país.
Para terminar, tem alguma ambição política?
Zero (risos).
Está bem como gestor da EPAL?
Sou gestor, sou apenas gestor. Político não. Uma coisa é política, outra coisa é gestão.