EXPRESSO Desconhece-se o destino de 207 mil toneladas de lamas de tratamento de esgotos, que podem conter dioxinas e metais pesadosPerdeu-se o rasto a 46% das 451.620 toneladas de lamas produzidas pelas ETAR urbanas em 2016. Esta é a conclusão a que se chega, cruzando os dados da Agência Portuguesa do Ambiente e os do Ministério da Agricultura, com a ajuda da Associação Zero. “Somando o que foi para compostagem, eliminação em aterro ou incineração e para aplicação direta no solo agrícola, não se sabe o que aconteceu a 207 mil toneladas”, atesta o ambientalista Rui Berkemeire, da Zero.As lamas das ETAR são importantes como fertilizante, jáque os solos portugueses são pobres em matéria orgânica. Porém, como contêm microrganismos patogénicos, dioxinas e metais pesados, têm de ser estabilizadas e higienizadas para não contaminar solos e águas e afetar a cadeia alimentar. “Mas há dificuldade na ras- treabilidade das lamas aplicadas na agricultura”, admite ao Expresso fonte do Ministério da Agricultura, e não se sabe que perigos reais contêm.O problema não é de agora. “Os dados da APA de 2014 e 2015 dizem-nos que então também se desconhecia cerca de 50% do total das lamas produzidas”, recorda Rui Berkemeire. “As empresas não cumprem a lei porque os preços colocados a concurso são esmagados pelas más práticas e os produtores das lamas [80% são empresas do grupo Águas de Portugal AdP] querem ver-se livres delas ao mais baixo custo e não se responsabilizam pelo destino final, já que não obrigam os camiões a terem GPS”, explica. Para terem margem de lucro, apesar do contrato dizer que levam lamas do Algarve para Setúbal, o transportador deixa-as a meio caminho, num pinhal ou num prado.O secretário de Estado do Ambiente, Carlos Martins, procura desdramatizar a situação. Argumenta que “as contas são mais complexas” e que “se houvesse um tão grande quantitativo tratado de forma ilegal chegariam queixas ao ministério”. Contudo, admite que “possam existir agentes económicos que praticam atividadesilegais”, mas “não em número significativo”. E adianta que “é preciso fazer mais auditorias às empresas do sector”. Já lhe chegaram relatos de operadoras que “recebem muito mais lamas do que declaram produzir de composto”.Orlando Borges, presidente da entidade reguladora do sector (ERSAR), reconhece o desaparecimento de grande quantidade de lamas de ETAR urbana. Emseu entender deve-se “sobretudo a práticas insuficientes de monitorização e fiscalização”, mas acredita que as guias ele- trónicas de acompanhamento de resíduos (eGAR), em vigor desde janeiro, “permitirão uma atuação mais eficiente”. A APA também defende que estas eGar vieram “colmatar as falhas de registo”, permitindo “rastrear de forma expedita o destino das lamas”. São emitidas 17 mil guias de acompanhamento de resíduos por dia. O problema, sublinha Rui Berkemeire, “é que as guias não obrigam a registo da matrícula”, deixando brechas no percurso.”Com um preço médio de €12 a €17 a tonelada só se sobrevive com expedientes”, reconhece um operador destes resíduos. Com a crise da construção civilsurgiram empresas que “ganham concursos para milhares de toneladas de lamas, tendo um barracão de 140 metros quadrados para armazenamento”. Já as maiores, explica, “ficam meses à espera de uma licença e enveredam mais por infrações administrativas”. A ideia é reforçada por outro operador: “O busílis tem a ver com a legislação desadequada. É como ter tirado a carta e ainda não ter o documento”, reforça. O secretário de Estado admite que “os operadores se queixam de que as direções regionais de agricultura não emitem as licenças a horas” e que se está “a tentar minimizar a dificuldade”. E Orlando Borges aconselha a que “o preço não seja o único critério”. Em 2017, a GNR levantou 15 autos por deposição ilegal de lamas. As DRAP LVT e do Norte somam 16 contraordenações