Jornal de Negócios
A covid-19 não gosta de temperaturas elevadas e a maior parte dos casos propagaram-se entre os seis e os nove graus de temperatura, conclui um estudo realizado pelo biólogo Miguel Bastos Araújo. Isso permite prever quando acontecerão os picos nas várias regiões do planeta
Março e abril vão ser meses muito difíceis, em maio o número de novos infetados pelo vírus começará a reduzir de intensidade e em junho provavelmente já pouco se dará por ele porque, ainda que continue por aí, as condições para a sua transmissão deixam de lhe ser propícias porque “há uma clararelação entre o clima e a propagação do vírus” e isso “terá implicações de sazonalidade, com estações do ano mais perigosas que outras”. A conclusão é de um estudo realizado a partir dos dados provisórios sobre o número de infetados e respetiva localização geográfica, feito pelo biólogo Miguel Bastos Araújo. As estimativas vão sendo atualizadas à medida que novos dados surgem.
Tem tudo a ver com a temperatura e com a humidade e o facto de se perceber em que alturas do ano os efeitos serão maiores ou menores “tem implicações muito grandes até em termos económicos”, explica o investigador. Saber em que momentos o vírus ganha força permitirá “prever o momento a partir do qual a atividade económica poderá regressar à normalidade e, ao mesmo tempo, gerir o risco”, por exemplo reforçando stocks de produtos necessários nos tempos mais difíceis. É possível antecipar por exemplo que em Portugal “no verão poderá haver um certo reativar do turismo, enquanto que para quem estiver no norte do planeta esse será uma bom momento para vir até ao Mediterrâneo”, exemplifica
0 vírus não gosta do calor
Mas vamos por partes. Primeiro o estudo. Miguel Bastos Araújo é especialista nos efeitos das alterações climáticas na biodiversidade, foi Prémio Pessoa em 2018 e trabalhou neste projeto com Babak Naimi, investigador da Universidade de Helsínquia “Descarregámos todos os dados conhecidos sobre casos positivos de coronavírus, descartámos localidades com menos de cinco casos, que podem ser importados e depois corremos modelos de inteligência artificial para procurar relações entre esses casos e as variáveis climáticas”, nomeadamente a precipitação e a temperatura, explica
E a conclusão foi que “a distribuição de casos estám uito concentrada num envelope climático bastante restrito”, propagando-se a maior parte entre os seis e os nove graus de temperatura”. Por outro lado, “em termos de precipitação ocorreu tudo em áreas com menos de 112 milímetros de precipitação, sendo que no planeta este indicador andou entre zero e 808 milímetros”. Ou seja, encontramos o vírus naquilo a que os especialistas chamam, “envelope muito restrito” e que permite afirmar que este “é um vírus que se propagou com facilidade, com características epidémicas, em áreas secas e frescas, nem muito quentes nem muito frias, com o ótimo a rondaros oito, nove graus” de temperatura
De meados do outono a meados da primavera, no hemisfério norte a região temperada quente é onde há mais perigo de propagação do novo coronavírus. E é aí que está Portugal, juntamente com grande parte da China, sul da Europa, França, Alemanha e Reino Unido, e também grande parte dos EUA, a costa este e metade norte da costa oeste”, enumera Miguel Bastos Araújo. Já “quando chegar o Verão, em áreas como a Rússia, o Canadá norte dos EUA e países escandinavos, onde agora há poucos casos, o risco de contágio será muito maior”, uma vez que aí “as temperaturas sobem e tornam-se idênticas às nossas primaveris”.
Claro que, mesmo assim, “o comportamento humano será essencial porque é no organismo que o vírus encontra as condições ideais” alerta ainda o especialista “Quando é expelido, por exemplo
MIGUEL BASTOS ARAÚJO
Biólogo e Prémio Pessoa
através do espirro, pode durar mais ou menos tempo e aí é que entram as condições climáticas”. Sabe-se que não gosta de temperaturas muito elevadas, até porque a sua coroa é constituída por proteínas e lípidos, ou seja, gorduras, mas não se sabe ainda quanto tempo pode resistir fora do corpo humano, sendo que o anterior coronavírus, da SARS, de 2003, podia aguentar cinco dias numa superfície lisa, lembra Bastos Araújo.
“Em princípio em final de maio abranda, mas o contágio manter-se-á durante todo o ano” e será preciso manter os cuidados. “Muita gente em centros comerciais e com ar condicionado continuará a ser um risco”, remata.
“Teremos uma crise em março e abril, isso é indiscutível. Serão duros em Portugal e em Espanha. Maio já será melhor e junho será um mês bastante inóspito para o vírus.”
PROPAGAÇÃO VARIA EM FUNÇÃO DO CLIMA
índice de adequabilidade climática do coronavírus com base na interação entre valores de temperatura e precipitação
Este esquema sobre a adequabilidade climática para o Coronavírus mostra como este se propaga mais facilmente em Portugal (com um clima temperado quente) nos meses de março e abril. Já os países frios, terão o seu pico entre maio e setembro.