O peso da receita dos impostos sobre atividades poluentes tem vindo a cair. OCDE pede mais ambição.
Fiscalidade verde tem menos impacto agora do que em 1995
As receitas fiscais com impacto ambiental representam 7,6% do PIB português, menos do que há 22 anos. A conclusão é da OCDE, que afirma que estes impostos “continuam demasiado baixos” e que nem todas as emissões de CO2 são tributadas.
O impacto dos impostos com relevância ambiental tem vindo a diminuir desde 1995 nos países da OCDE e nestes últimos 20 anos foi mesmo em Portugal que o peso das receitas com a fiscalidade verde no PIB mais caiu.
A conclusão consta de um relatório sobre receitas fiscais divulgado ontem pela OCDE, que dedica um capítulo aos impostos com relevância ambiental. Segundo a organização, os impostos que incidem sobre a energia, transportes, poluição e utilização de recursos representavam 11,4% do PIB português em 1995. Em 2017, o impacto diminuiu 3,8 pontos percentuais, para 7,6% do PIB. A diminuição é a maior da OCDE,
mas esta é uma tendência que se verifica na maioria dos países que compõem a organização.
O mesmo acontece no peso destes impostos no total das receitas fiscais, embora com menor dimensão. Em 1995, a fiscalidade verde representava 3,3% da receita fiscal do Estado português; 22 anos depois, diminuiu para 2,6%.
O que explica?
O recurso aos impostos para travar as emissões de dióxido de carbono e combater as alterações climáticas tem sido defendido e reiterado pelas organizações internacionais. Além da própria OCDE, também o FMI defendeu o aumento da carga fiscal sobre a poluição. E parece ser ponto assente entre os decisores políticos. Em Portugal, depois de o anterior Governo do PSD-CDS ter lançado a reforma da Fiscalidade Verde em 2015, o atual executivo socialista compromete-se, nesta legislatura, a avançar com uma “transferência progressiva da carga fiscal sobre trabalho para a poluição e o uso intensivo de recursos”. Então, como é que o impacto destes impostos diminui?
A OCDE não se compromete com uma explicação única e alerta mesmo para as limitações destes indicadores, sobretudo porque a base tributável desses impostos não está ligada necessariamente à economia (ao contrário do que acontece com impostos de consumo, por exemplo) e porque estes impostos definem-se em termos nominais e as taxas não foram ajustadas à inflação.
Ainda assim, os especialistas da OCDE explicam ao Negócios, numa resposta escrita, que “há várias razões que podem justificar a diminuição, tal como uma menor dependência do recurso a carbono da economia ou uma mudança na base tributável destes impostos (ou seja, a troca um combustível sobre o qual a incidência fiscal é inferior, por ser menos poluente). No entanto, os especialistas da organização defendem que “é importante considerar outros fatores além das receitas da fiscalidade verde no PIB para avaliar a política ambiental do país”, como a incidência e taxas dos impostos com relevância ambiental e as externalidades que advêm dos que realmente é tributado.
Impostos sobre energia são “demasiado baixos”
Por isso,a OCDE remete para um outro estudo, divulgado em setembro, que conclui que os impostos sobre o consumo e produção de energia “continuam demasiado baixos” na maioria dos setores e que os países continuam a refletir, nessa tributação, estimativas “muito conservadoras” do impacto social e ambiental das emissões de CO2.
‘Alguns países introduziram taxas de carbono, mas o impacto continua a ser reduzidos face ao que é necessário fazer para iniciar trajetória de descarbonização”, afirma a organização. Além disso, acrescentam os especialistas ao Negócios, nem todas as emissões de CO2 são tributadas, o que significa que pode não haver uma ligação direta entre a subida das emissões e da receita fiscal.
E o caso de Portugal, onde 72% dos impostos com relevância ambiental incidem sobre a energia e 27% sobre os veículos. No entanto, dentro dos impostos sobre a energia a maior parte da receita é cobrada sobre os combustíveis usados no setor rodoviário. Há vários setores que pagam poucos ou nenhuns impostos ambientais: a navegação a aviação comerciais estão isentos, as centrais a carvão têm benefícios fiscais e as refinarias também, descreve a OCDE. Nesse sentido, insiste que há margem para alargar a incidência das taxas de carbono. “Cerca de 85% das emissões de CO2 relacionadas com energia ocorrem fora do setor rodoviário. Os impostos apenas cobrem 18% das emissões de CO2, deixando uma taxa zero para as restantes emissões não rodoviárias”, sublinha.
1965-2017
Como evoluiu a receita fiscal em 22 anos?
Entre 1965 e 2017, a carga fiscal mais que duplicou, ao subir de 15,7% para 34,7%. Este aumento acompanhou o desenvolvimento dos serviços públicos, como o SNS, a escola pública e a Segurança Social. A subida da receita dos diferentes impostos no PIB não foi linear. Em 2017, o IRS e IRC representavam 9,8% do PIB e as contribuições sociais 9,3% (ambos pesavam menos de 4% em 1965). O IVA representa agora 8,7% e é o terceiro com maior peso no PIB.
Criação do Imposto das Transações em 1966, que incidia sobre o consumo.
Constituição da República define em 1977 a progressividade do IRS, o direito à Segurança Social e a um SNS universal, geral e tendencialmente gratuito.
Criação do IVA em dezembro de 1984.
Criação da contribuição autárquica, o primeiro imposto sobre o património, em 1986.
Reforma fiscal que cria o IRS e o IRC em 1988.
Reforma fiscal que cria o IRS e o IRC em 1988.
Enorme aumento de IRS de Vítor Gaspar em 2013.
Máximo histórico da carga fiscal.
Nem todas as emissões de CO2 são tributadas, o que significa que as variações podem não ter impacto na receita.
OCDE
Conclusões
O sistema fiscal português visto pela OCDE
Segundo o relatório ‘Estatísticas Fiscais 1965-2018’ divulgado ontem, Portugal foi dos que mais subiu a carga fiscal nesse período, que continua acima da média da OCDE.
Carga fiscal foi das que mais subiu
Nos últimos 53 anos, o peso dos impostos e contribuições sociais na economia mais que duplicou, de 15,7% para 35,4% em 2018, o que coincide com o enorme desenvolvimento dos serviços públicos. A subida, desde 1965, de 19,7 pontos, é a terceira mais alta da OCDE. Só a Grécia e Espanha tiveram aumentos superiores.
França no topo da tabela, México no fim
Os países com maior carga fiscal são a França (46,1%) e do lado oposto da tabela está o México (16,1%). Portugal ocupa a 16.a posição da lista da OCDE para os quais existem dados disponíveis, com uma carga fiscal mais alta do que a média da OCDE, de 34,3%.
Peso do IRS subiu, mas do IRC desceu
O peso das receitas com rendimentos das famílias (IRS) no PIB aumentou de 5,4% para 6,5% entre 2000 e 2018. Em sentido contrário, os impostos com rendimentos das empresas (IRC) passaram a representar 3,2% do PIB em 2018, menos 0,5 pontos percentuais do que no início do século. A rubrica que mais peso tem no PIB é, no entanto, a dos impostos sobre bens e serviços (13,5%).