Governo diz que amianto não é colocado nos aterros urbanos, não se pronunciando sobre casos em que este material vai para aterros com lixo biodegradável idêntico. APA diz que não é preciso compartimentos próprios e que basta isolar o amianto do lixo orgânico com plástico.
Na Azambuja há quem viva mais perto do aterro que do comboio. Garante quem lá mora que as casas já existiam quando foi construído o espaço destinado ao tratamento de resíduos industriais. Muito falam no depósito de resíduos perigosos, mas a população não sabe exatamente quais os materiais que ali são tratados. Mas tem medo: ‘Isto está praticamente colado às casas, claro que nós não sabemos o que andamos a respirar”, diz um dos moradores.
A Zero denunciou no mês passado a deposição de amianto juntamente com resíduos orgânicos naquele aterro gerido pela empresa Triaza e que, supostamente, nem deveria receber resíduos orgânicos, mas apenas industriais – já que foi construído para tal. Depois da denúncia chegou uma resposta que os especialistas consideram pouco clara por parte da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e que contraria a posição do Ministério do Ambiente e Ação Climática. Além disso, a reunião com a secretária de Estado do Ambiente, Inês dos Santos Costa, para tratar o tema tem vindo a ser consecutivamente adiada.
AFINAL, QUAL É O PROBLEMA DE COLOCAR AMIANTO NOS ATERROS? O amianto pode ser colocado num aterro. O que não pode acontecer é que o amianto seja mis
turado com resíduos biodegradáveis – que são orgânicos, pois os resíduos biodegradáveis libertam biogás para a atmosfera. Tendo em conta que o amianto é composto por fibras milimétricas que se espalham pelo ar, os gases libertados pelos compostos orgânicos – que depois sobem para a atmosfera – vão transportar as tais fibras, que podem espalhar-se e entrar em contacto com a população. Como explicou ao i o presidente da Zero, Rui Rerkemeier, os aterros que contêm biodegradáveis não são estáticos. Ou seja, “têm movimento, porque os compostos são reatores biológicos”. O perigo aumenta quando os aterros estão próximos de habitações, como acontece com o da Triaza, na Azambuja.
Existe uma diretiva que regula a deposição de amianto em aterros – e é aqui que começam as contradições entre a APA e a tutela. O documento refere que os aterros de resíduos não perigosos podem receber resíduos perigosos, como é o caso do amianto, desde que sejam colocados em células (compartimentos) que não recebam lixo biodegradável. Se o aterro não receber biodegradáveis, então o amian- to pode ser lá depositado. O aterro da Azambuja, como explicou o presidente da Zero, “nem deveria receber biodegradáveis, por estar tão próximo das casas”. Mas recebe esse lixo orgânico e, apesar de também receber amianto, não tem células específicas para o efeito.
GOVERNO E APA: RESPOSTAS DIFERENTES
Depois da denúncia da Zero, o Ministério do Ambiente emitiu uma nota em que garantia que o amianto não é depositado nos aterros urbanos – onde existe, maioritariamente, lixo biodegradável. Mas, legalmente, segundo a Zero, não existe uma diferença entre um aterro como o da Triaza – que é um aterro de resíduos não perigosos – e um aterro de resíduos urbanos. Ou seja, “o que acontece é que os resíduos urbanos são das autarquias e vão para aterros públicos, e nos aterros de resíduos não perigosos, que são privados e recebem resíduos da atividade comercial e industrial, muitas vezes, o lixo tratado é igual ao lixo urbano”, explicou ao i Rui Rerkemeier.
“Ambos recebem resíduos biodegradáveis e, portanto, é muito curioso que o Governo diga que nos aterros de resíduos urbanos não se recebe amianto. Aparentemente, haveria um problema em colocar o amianto em resíduos urbanos”, acrescentou, sugerindo que tal problema se estende a qualquer aterro que tenha lixo biodegradável.
Mas, afinal, onde é que a posição do Ministério do Ambiente colide com a resposta dada pela APA à associação ambientalista? É que, apesar de ambos concordarem que nada de errado se passa com o aterro da Azambuja, a APA vai mais longe e diz que o amianto nem sequer precisa de células próprias nos aterros, podendo estar em locais onde estão resíduos biodegradáveis, desde que esteja protegido por plástico. Para tal recorre a uma portaria de 2014 que, segundo a Zero, nada tem a ver com o depósito de amianto em aterros.
Segundo a APA, “entende-se que a deposição de resíduos contendo amianto nos aterros licenciados para o efeito cumpre as medidas de prevenção dos efeitos negativos para o ambiente e de minimização de perigos para a saúde humana”, lê-se no documento enviado à Zero.
“Segundo a APA, se o amianto não estivesse em sacos plásticos, esse biogás poderia arrastar as fibras de amianto e vinha amianto cá para fora”, explicou a Zero. No entanto, essa portaria refere-se apenas à gestão de resíduos com amianto e “em lado nenhum diz que pelo facto de estar embrulhado em plástico pode ser colocado em células de aterros de resíduos não perigosos juntamente com lixo biodegradável”.
plástico protege amianto? Imagine-se que telhas que contêm amianto são retiradas de um telhado, colocadas em sacos de plástico e levadas para um aterro onde estão também resíduos biodegradáveis. Quando os resíduos se degradam, eles perdem volume e muitas vezes existem abatimentos que necessariamente danificarão esses sacos de plástico onde o amianto poderá estar isolado. “Achamos que esta é uma das razões pelas quais a diretiva não quer resíduos perigosos em aterros com biodegradáveis, porque há sempre movimentos e o plástico pode romper”, explicou a Zero, acrescentando que “um saco com amianto dentro de um aterro, com toneladas de lixo a fazer pressão, não vai aguentar”. “Ninguém pode, por isso, garantir que o saco esteja sempre fechado”, esclareceu.
Outra das razões que tornam perigosa a deposição de amianto em aterros que contêm biodegradáveis é exatamen- te o facto de a matéria orgânica, ao decompor-se, dar origem a ácidos que atacam o plástico, pondo em causa a sua integridade. “Este plástico degra- da-se com ataques químicos, porque não é igual ao da célula do aterro, que tem uma espessura muito grande”, disse o presidente da Zero.
Agora, a Zero espera uma nova resposta da APA e quer saber qual a lei que permite a deposição de amianto dentro de sacos de plástico.
O ATRASO DE PORTUGAL Este mês, a
Quercus, através da plataforma SOS Amianto, avançou que Portugal “continua a ser um dos países com menos evolução no que respeita à remoção e monitorização do amianto em edifícios públicos já identificados”. E acrescentava que o país não tinha células próprias nos aterros para a deposição destes resíduos, situação diferente da que se verifica na maioria dos restantes Estados-membros da União Europeia. E não só não tem condições como “importa” amianto para que seja depositado em solo nacional – países como Grécia, Croácia, Espanha, Malta e Irlanda enviam estas fibras para Portugal, já que, por aqui, o processo é mais barato.