Apesar da chuva, metade do país (48%) continua em seca severa ou extrema. Só o noroeste de Portugal (12%) está em situação normal e o ministro do Ambiente diz-se “preocupado” com uma situação que face às alterações climáticas se revela “estrutural”. Para lhe fazer frente, João Matos Fernandes diz que “vai haver um novo perfil de utilizadores de água”. Agricultura, campos de golfe e municípios vão ter que “consumir menos água e procurar outras origens a partir de esgoto tratado”. E Espanha? O ministro acredita que está a cumprir
Apesar da chuva, metade do país (48%) continua em seca severa ou extrema. Só o noroeste de Portugal (12%) está em situação normal e o ministro do Ambiente diz-se “preocupado” com uma situação que face às alterações climáticas se revela “estrutural”. Para lhe fazer frente, João Matos Fernandes diz que “vai haver um novo perfil de utilizadores de água”. Agricultura, campos de golfe e municípios vão ter que “consumir menos água e procurar outras origens a partir de esgoto tratado”. E Espanha? O ministro acredita que está a cumprir Para o ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, a seca que continua a afetar quase 90% do país “é um problema estrutural”. Em entrevista ao Expresso, defende que é preciso poupar água, usar águas residuais tratadas e acertar os caudais do Tejo com Espanha. Assumindo que não nos devemos “iludir com a chuva” que agora cai. Está preocupado com a seca que, apesar da chuva, continua a afetar mais de metade do país de forma severa ou extrema? Claro que estou preocupado. O tempo é o da emergência no longo prazo, por isso queremos garantir que vai haver um novo perfil de utilizadores de água, sobretudo no Alentejo (sector agricola) e no Algarve (agricultura e campos de golfe), que vão consumir menos água e que vão procurar outras origens a partir de esgoto tratado. Tem falado muito na necessidade de sermos parcimoniosos no consumo de água, mas sendo os consumidores domésticos responsáveis por apenas cerca de 10% do consumo total de água, não devíamos ser muito mais parcimoniosos no uso de água na agricultura que representa 74-80%?
Acho que isso é absolutamente claro, como referiu a minha colega da Agricultura na conferência de imprensa que demos esta quarta-feira. Não temos nenhum problema de seca a Norte do rio Tejo, até porque estamos no início do Inverno e choveu bastante nos últimos dias, apesar de alguns problemas nas ribeiras do Oeste e na barragem de Penha Garcia. Mas o problema está claramente no sul do Tejo. Temos de subdividir os grandes usos que existem no Alentejo (sobretudo agrícola) e no Algarve (agrícola e turístico, sobretudo associado à rega dos campos de golfe). Falamos numa alteração do perfil de consumo destes dois sectores e também das autarquias como consumidores de água nas fontes e fontanários, na rega de jardins ou na lavagem de ruas. Estão marcadas reuniões para 30 de novembro para durante os meses de dezembro e janeiro estabelecermos um novo perfil de utilizador de água.
Diz que não faltará água na torneira de ninguém. Como o garante?
Nunca faltou água na torneira de ninguém. O Ministério do Ambiente tem o poder de hierarquizar os usos da água e garantir que o abastecimento não faltará nas torneiras. Em novembro de 2017 estávamos bem pior do que estamos hoje – e não faltou. No Algarve, com o reforço da albufeira do Funcho, teremos água para um ano.
Contudo, em setembro, a empresa Águas do Algarve anunciava que só havia água para uso doméstico e agrícola até final do ano.
Na altura não se contava com duas coisas que entretanto foram feitas, como as captações de água a uma cota mais baixa em Odeleite, Beliche ou Odelouca, ou a possibilidade, antes nunca utilizada, de ligar a albufeira do Funcho à ETA que trata a água que vem de Odelouca. Aí temos mais de 60% de volume disponível. Se a situação não se alterar até 7 de janeiro, fecharemos Odelouca e abriremos a ligação a partir do Funcho e com isso garantiremos a perenidade de abastecimento ao Algarve.
Não nos iludamos com a chuva
Este é um problema estrutural e não meramente conjuntural?
O problema é estrutural e não nos iludamos com a chuva que caiu e certamente vai cair. Desde 2015 só em um terço dos meses é que choveu mais do que o normal. E este ano só num quarto dos meses é que choveu mais do que o normal.
Perante os cenários de alterações climáticas que revelam que estas situações de seca são cada vez mais recorrentes, onde estão os planos de seca por bacia hidrográfica?
Os planos de contingência para a seca foram anunciados no ano passado com o compromisso de estarem concluídos no final de 2020. O objetivo é construir um ‘tableau de borde’ para verificar as disponibilidades hídricas que existem, quais os consumos que já hoje conhecemos e os que podem existir, de maneira a percebermos a falta ou a folga que temos consoante a situação em concreto.
Disse na conferencia de imprensa que não faz sentido fazer novas barragens, porque não resolvem a escassez de água em situação de alterações climáticas, mas continua a defender o projeto de uma barragem no rio Ocreza, também conhecida como barragem do Alvito…
Eu continuo a defender que faz sentido estudar a construção de uma barragem no Ocreza. Não lhe chamo Alvito.
Qual a diferença?
A do Alvito era uma pequena albufeira para produção hidrelétrica. E o que estou a falar é de uma albufeira que nem sequer se localizará no mesmo sitio. Estão a ser estudadas várias localizações. Não têm o mesmo objetivo. O de Alvito era essencialmente produzir eletricidade hídrica e o desta é de contribuir para a regularização do rio Tejo.
Mas a ser feita, vai ter produção hidroelétrica?
Não creio que exista em Portugal hoje quem esteja interessado em fazer barragens para fazer eletricidade com água turbinada. O objetivo é a regularização do Tejo, mas repito que devemos fazer este estudo. Não me comprometo com construção alguma, mas sim com chegarmos a junho/julho com um estudo com alternativas, custos, benefícios e a necessidade de bombar água do rio Tejo, quando há mais caudal para poder armazenar. Temos de pré-avaliar os principais impactos ambientais, porque provocará sempre [alguns] naquele local.
E seria custeada pelo Estado?
Naturalmente, sendo que tentaremos encontrar outras fontes de receita. Terei de falar com a Águas do Tejo Atlântico. Poderá servir para novas captações de água, para beneficiar Idanha ou poderá ser utilizada para recreio ou para a colocação de painéis solares para produzir eletricidade.
Mas como temos visto, se Espanha não libertar água, não será uma barragem como essa a salvaguardar a situação do Tejo, se não chover…
Sabemos hoje que o caudal do Tejo tem menos 23-25% de água do que tinha há 20 anos, quando foi assinada a Convenção de Albufeira. Por isso achamos que devemos avaliar com todo o rigor uma albufeira que permita a regularização do rio Tejo. E não só ficarmos menos dependentes, mas termos capacidade de garantir que os usos e o ecossistema Tejo ficam mais defendidos.
Há quem lembre que o problema da Convenção de Albufeira não é uma necessidade de reformulação, mas de aplicação dos dois lados da fronteira.
Não consigo entender essa afirmação. A Convenção de Albufeira tem sido cumprida, com excepção de um ano, 2011/2012, em que não tínhamos responsabilidade governativa.
Mas a própria APA afirmou que Espanha não cumpriu em outubro…
Há duas semanas em outubro em que achamos que Espanha não cumpriu a Convenção. Espanha tem opinião diversa da nossa. E está escrito na Convenção onde é feita essa medição, que é em Cedilho, onde há um contador da água que passa na turbinagem. Vamos acertar esses números no final de novembro, início de dezembro.
O senhor ministro disse que Portugal conversou com Espanha e que esta já começou a turbinar e a passar mais água, já que tinha começado a chover e que, com as projeções de chuva, a situação ficaria regularizada até meados de dezembro. Os espanhóis começaram a soltar essa água de albufeiras a montante de Alcântara e desta para Cedilho, porque Portugal os convenceu ou porque precisavam de turbinar e produzir eletricidade?
Sinto-me injustiçado por dizer que eu esperava que chova. Na carta que escrevi à minha colega espanhola, pedi para que depressa se regularizasse o nível da água na albufeira de Cedilho e Espanha assumiu o compromisso de isso acontecer em meados de dezembro. Neste momento estou muito confortável com o que sei. A albufeira de Cedilho chegou à cota 103 ontem à noite. Está a subir um metro por dia. O seu nível normal é a cota 114, mas a cota 110 já nos satisfaz. Para ter uma ideia, a imagem iconográfica do Cais de Lentiscais pendurado [que passou nas imagens em setembro] já estará na água quando se chegar à cota 106 em Cedilho. E sem chuva, o rio Ponsul ficaria como se viu, se não houvesse qualquer albufeira.
Mas a albufeira de Cedillo existe há 40 anos e quando essas imagens saíram no Expresso e noutros órgãos de comunicação, o senhor ministro não se pronunciou sobre a questão. Começou por dizer que não havia qualquer problema no Tejo e só veio dizer que era inadmissível que Espanha tivesse esvaziado Cedilho deixando o Ponsul naquela situação, já no fim de outubro ou início de novembro. Há aqui alguma contradição?
Limpámos as lamas orgânicas que existiam no Tejo, em Vila Velha de Ródão e Fratel (…).
Nada disso tem a ver com a questão que lhe coloquei…
Quando disse que não falta água no Tejo, foi a seguir ao dia em que vi na televisão ter havido uma mini-cheia no Tejo, porque foi nos dias seguintes à grande descarga feita a partir de Cedilho. Rapidamente se percebeu que a partir do momento em que Espanha esvaziou Cedilho e não compensou a partir de Alcântara, o que nunca tinha acontecido, não era razoável a forma como Espanha tinha cumprido a convenção. Mas não podiam esperar que Portugal dissesse a Espanha para não cumprir a Convenção, para Cedillho ficar com mais água…
Mas não tinham de esvaziar Cedilho daquela maneira, podiam ter compensado com água de Alcantara e de outras barragens espanholas, como estão a fazer agora…
De facto não o fez.
Porque levou quase um mês a reagir a isso?
O ‘delay’ da reação teve a ver com a singularidade na forma como Espanha cumpriu a Convenção de Albufeira ao esvaziar Cedilho, sem compensar a partir de Alcântara. Queremos acreditar que não se voltará a repetir.
A barragem do Fratel, no rio Tejo, deixa passar um hectómetro cúbico de água por dia e Portugal quer que Espanha faça o mesmo na barragem de Cedilho Foto José Fernandes
A barragem do Fratel, no rio Tejo, deixa passar um hectómetro cúbico de água por dia e Portugal quer que Espanha faça o mesmo na barragem de Cedilho Foto José Fernandes
Quando voltam a reunir com Espanha?
Creio que haverá uma reunião no final de novembro e outra no inicio de dezembro. Belver e Fratel estão a bombar 1 hectómetro cúbico de água por dia, o que é muito relevante para a quantidade de água que existe para o ecossistema Tejo e para provar a Espanha que não é um bicho de sete cabeças. Fazemos isto desde junho de 2018. Depois da forma como Espanha geriu o cumprimento da Convenção, sentimos que temos de alterar algumas questões. Tudo isto funciona com mínimos semanais, trimestrais e anuais. E o somatório dos quatro mínimos trimestrais corresponde a 37% do volume anual, ou seja, fica aqui uma folga muito grande para ser transposta à ultima da hora e sentimos que para que haja uma maior regularidade – esses 37% devem corresponder a um valor superior.