energia A central a carvão de Sines, da EDP, chegou a estar 33 dias sem produzir foto Luís BarraElevados custos estão a deixar as centrais de Sines e do Pego “fora de jogo” no mercado elétrico, mesmo com a produção renovável em quedaMiguel PradoAgosto funcionou, inadvertidamente, como um teste ao modelo de descarbonização que Portugal traçou para daqui a uma década: no mês passado, o país esteve 19 dias consecutivos sem qualquer produção termoelétrica a carvão, o que constitui um novo máximo histórico de produção sem carvão. Segundo o levantamento feito pelo Expresso, em dados que vão até ao ano de 1998, o anterior recorde de produção elétrica livre de carvão tinha sido registado em abril de 2010, quando o país esteve 14 dias seguidos com as centrais termoelétricas de Sines e do Pego paradas.O corte na produção elétrica a partir do carvão na Península Ibérica é objeto da mais recente análise do think tank (centro de estudos) E3G, especializado em alterações climáticas. “Pela primeira vez em muitos anos, os sistemas elétricos são confrontados com um período prolongado de uso muito reduzido do carvão para produzir eletricidade, circunstância com que estão a lidar de forma bem sucedida. Um sistema elétrico livre de carvão em Portugal e Espanha está mais perto do que nunca, com os objetivos de abandono [do carvão] de 2023 e 2025, respetivamente, a tornar-se mais realistas”, aponta o relatório, assinado pelos investigadores Artur Patuleia, Jesse Burton e Chris Littlecot.O Expresso confirmou que a paragem das centrais de Sines (a maior do país) e do Pego foi motivada por opções comerciais e não por qualquer restrição técnica. A inatividade de Sines foi mais longa, durando 33 dias, entre 26 de julho e 27 de agosto. A do Pego parou de 19 a 27 de agosto. Fonte oficial da EDP esclareceu que “a paragem deveu-se a questões de mercado”, explicando que, “na Península Ibérica, a produção a gás está com um custo inferior ao da produção a carvão, pelo que se têm mantido as centrais a gás a funcionar enquanto as de carvão têm registado pausas na produção”. Uma explicação semelhante à avançada por Nuno Ribeiro da Silva, presidente da Endesa Portugal (acionista da Tejo Energia, que detém a central do Pego).A paragem prolongada destas duas unidades introduz uma mudança no paradigma do sistema elétrico nacional, que durante décadas contou com as termoelétricas a carvão como produção de base (capaz de gerar elevados volumes de eletricidade a baixo custo, compensando a intermitência das fontes renováveis). As metas de descarbonização que Portugal estabeleceu no Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC) para 2030 contemplam o fecho de ambas as unidades: o Pego deve encerrar em 2023 e Sines deverá fechar até 2029.Relatório do think tank E3G nota que “um sistema elétrico livre de carvão em Portugal e Espanha está mais perto do que nunca”O PNEC prevê que a segurança de abastecimento em Portugal seja garantida pelas centrais de ciclo combinado a gás natural, que em 2030 deverão gerar 20% da eletricidade consumida em Portugal, vindo os restantes 80% das renováveis (muita eólica e hídrica, como hoje, e mais energia solar). E os dados de agosto da REN Redes Energéticas Nacionais comprovam que as centrais a gás tiveram no último mês um papel determinante, assegurando 45% do consumo elétrico. As renováveis abasteceram 40% do consumo e os restantes 15% foram eletricidade importada de Espanha.E, em Espanha, o carvão também teve um contributo residual em agosto, vindo grande parte da eletricidade das centrais nucleares e a gás natural, além das fontes renováveis.E daqui para a frente?Entre 28 e 31 de agosto, Portugal voltou a ter alguma produção a carvão, mas setembro arrancou outra vez com o sistema descarbonizado: pelo menos até esta sexta-feira, 6 de setembro, nenhuma da eletricidade produzida em Portugal foi gerada com carvão.Os produtores continuam a enfrentar elevados encargos nas centrais a carvão, quer com o custo do combustível, quer pelo preço das licenças de dióxido de carbono (que permanece elevado, em torno de €25 por tonelada), quer por outros fatores (em Portugal, estas centrais deixaram de estar isentas de pagar ISP Imposto sobre Produtos Petrolíferos).Por outro lado, o custo do gás natural está relativamente baixo. E isso, associado à expectável subida da produção hídrica e eólica no outono e no inverno, poderá prolongar o período de serviços mínimos das termoelétricas de Sines e do Pego. “É bastante provável”, confirma Nuno Ribeiro da Silva.O relatório do E3G sublinha a particularidade de a central de Sines, a maior do país, ter “hibernado” em pleno verão, quando há um aumento da procura elétrica na região Sul do país. “Isto mostra que a rede elétrica portuguesa pode operar com elevada fiabilidade e resiliência durante uma paragem prolongada de Sines”, refere o documento a que o Expresso teve acesso.