Água & Ambiente Flexibilidade e fiabilidade são atributos-chave para as estações de tratamento face a um contexto de alterações climáticas e crescente exigência nos limites de descarga. No contexto de uma economia circular, as estações de tratamento de águas residuais passarão a ser vistas como “fábricas” que asseguram um conjunto de recursos valiosos, e não apenas como instalações onde se descontaminam efluentes para não poluir linhas de água. A tecnologia acompanha esta visão estratégica e flexibilidade e fiabilidade são critérios que terão cada vez mais peso no futuro. “O paradigma tem de mudar. Temos de olhar para as águas residuais como fonte de matéria-prima, e não como uma água residual de que temos de nos ver livres”, afirma Maria João Rosa, investigadora do Laboratório Nacional de Engenharia Civil. Para além de água tratada, nas ETAR é possível hoje recuperar nutrientes como azoto e fósforo, este último de particular relevância, dado que em 2050 se pers- petiva que dois terços das reservas mundiais estejam concentradas num único país – Marrocos -, gerando um problema geopolítico de difícil resolução. Por outro lado, as entidades gestoras devem ter em conta o saldo energético de cada instalação, através não só de uma utilização eficiente deste recurso, mas também do aproveitamento de oportunidades ao nível da produção. A energia é, de resto, o maior fator de custo a seguir aos recursos humanos nestas unidades.Atualmente, a maioria das estações de tratamento em Portugal dispõem de uma de duas soluções de tratamento secundário: através de processos biológicos em suspensão (lamas ativadas) ou com biomassa fixa (biofiltros e leitospercoladores). A primeira opção assegura uma melhor eficiência na remoção de contaminantes e matéria orgânica, admitindo maiores variações de carga efluente, mas consome bastante energia. A segunda tem eficiências de remoção menores, mas um consumo de energia reduzido.”As obras de engenharia civil e as estações de tratamento em particular têm geralmente uma regra. Quando o custo da construção civil aumenta, é possível descer o custo dos equipamentos; quanto mais equipamento tiver, mais flexibilidade tem, mas também mais energia gasta”, explica João Levy, Presidente do Grupo Ecoserviços. Não há sistemas perfeitos. “Não se consegue ter um sistema económico, com pouca energia e enorme flexibilidade”, resume.Por isso, cada entidade gestora tem de ter em conta questões como o efluente a tratar e a disponibilidade de energia e recursos humanos, assim como a sensibilidade do meio recetor. A fiabilidade e a flexibilidade são atributos cada vez mais relevantes nas estações de tratamento. Por um lado, existem limites de descarga desde os anos 90 – e multas a que Portugal continua exposto por incumprimento. Por outro lado, as alterações climáticas, entre outros fatores, fazem prever maiores variações no efluente em termos de quantidade e qualidade, salienta Maria João Rosa. Por exemplo, estima-se que a precipitação seja cada vez mais concentrada no tempo e no espaço e que se verifiquem episódios de escassez de água mais frequentes no sul da Europa. Isto exige uma maior flexibilidade na capacidade de tratamento e que se considere esta origem alternativa de água “quando pertinente”.REUTILIZAR MAIS ÁGUAO presidente da Ecoserviços destaca também a importância de assegurar a possibilidade de reutilização de água através de tratamento terciário. Portugal, como se sabe, tem um nível de reutilização de apenas um por cento (longe dos dez por cento que teceu como objetivo no PEASAAR II), ainda que, de forma informal “e não controlada”, este facto possa estar subavaliado. Para Maria João Rosa, é também importante que as ETAR assegurem “uma barreira [sanitária] a famílias decontaminantes que não foram contemplados até agora” e que fazem parte do quotidiano da população ocidental, nomeadamente produtos farmacêuticos e cosméticos, cuja acumulação nas linhas de água pode ter consequências na saúde humana. Por isso, a investigadora defende que as unidades sejam equipadas com soluções em contínuo, mas também esporádicas, que possam dar resposta a desafio