Cidadãos até entregaram mais material para reciclagem e resíduos orgânicos para produção de composto, mas em cada dez quilos de resíduos foram queimados 7,5 quilos para produzir energia
Resíduos
A Lipor, sistema intermunicipal que gere os resíduos urbanos (RU) de oito concelhos do Grande Porto, recebeu nas suas instalações, em 2018, quase 533 mil toneladas de lixo. Os números, que representam um aumento de 4% face ao ano anterior, são uma amostra importante de uma tendência que, a confirmar-se no resto do país, significa o falhanço de um dos objectivos nacionais, que passava pela redução da quantidade de resíduos para 4,08 milhões de toneladas em 2020.
O resultado de 2018 da Lipor, expresso no respectivo relatório e contas, disponível no site desta associação de municípios que envolve Porto, Matosinhos, Valongo, Gondomar, Maia, Espinho, Póvoa de Varzim e Vila do Conde, espelha uma realidade já conhecida. Tirando os anos da crise, em que a produção de resíduos baixou, os períodos de crescimento económico estão sempre associados a um aumento de materiais atirados para o lixo. Ou seja, os portugueses não conseguem dissociar o aumento de recursos financeiros de uma menor produção de desperdícios.
Para além disto, no universo Lipor, que envolve um milhão de habitantes, tem-se assistido a um aumento de produção do chamado lixo indiferenciado, o que levou, aliás, a empresa a desenvolver este ano um trabalho de avaliação deste problema, que está em curso. Grande parte destes resíduos não segue para reciclagem e acabam na unidade de incineração da Maia, onde em 2018 foram queimados 7,5 quilos em cada dez quilos de desperdícios, num aumento de 1,6% em relação a 2017.
O administrador-delegado da empresa, Fernando Leite, assinala que os 4% de aumento do total de resíduos verificado em 2018 não correspondem, na totalidade a RU, tendo em conta que o estudo que está a ser levado a cabo detectou também uma presença de mais têxteis, subprodutos de trabalho industrial, em zonas conhecidas pela existência de unidades quase familiares, como a Póvoa de Varzim, resíduos de construção e demolição e de aparelhos eléctricos e electrónicos.
Materiais que espelham um aumento da actividade económica e do consumo das famílias, e que têm fluxos específicos de recolha e encaminhamento para reciclagem que não estão, neste caso, a ser seguidos, acabando, parte deles, queimados.
A incineração, com a consequente produção de energia eléctrica -197,5 MWh, dos quais 170 MWh foram vendidos à rede eléctrica – é uma fonte importante de receitas da Lipor. No ano passado, a empresa recebeu 15,3 milhões de euros por essa via, parte significativa de um volume de negócios que chegou aos 39,6 milhões de euros. Esta opção pela valorização energética, que evita o recurso a aterro, tem sido criticada pelos ambientalistas da Zero, por, na sua perspectiva, desviar esforços – e recursos – daquela que é a prioridade, a nível nacional e europeia: a reciclagem.
Apesar de a empresa beneficiar da taxa paga por tonelada que entra na incineradora da Maia, Fernando Leite assume que os municípios têm um grande trabalho a fazer para desviar da queima boa parte daquilo que, indevidamente, vai lá parar: “Atendendo à caracterização física média dos resíduos indiferenciados produzidos na área de intervenção da Lipor, o potencial para a fracção alvo de reutilização e recuperação existente é ainda muito significativo – representava 66% (informação recolhida na última campanha de caracterização do ano de 2018)”, lê-se no relatório e contas. Ou seja, em cada quilo de lixo que os habitantes da região colocam no lixo indiferenciado, 660 gramas seriam recicláveis.
A Lipor tem como objectivo aumentar a capacidade de incineração, mas desconhece-se se a nova versão do Plano Estratégico para os Resíduos Sólidos Urbanos, o designado PERSU 2020+, ainda não publicado pelo Governo, vai incorporar esse investimento. Em todo o caso, e face a um desvio – obrigatório – de resíduos indiferenciados para reciclagem, a unidade da Maia, que no ano passado foi usada a 94% da sua capacidade, deve ganhar espaço. E este será usado para apoiar os sistemas de gestão de resíduos das regiões envolventes, onde a taxa de recurso ao aterro está acima das metas definidas, e que terá, no máximo, de se fixar nos 10%, em 2035.
O objectivo de minimização do recurso ao aterro é um daqueles em que a Lipor segue à frente de outras organizações congéneres. Mesmo que, em 2018, tenham sido enviados para o designado confinamento técnico 2,3% dos resíduos da região, um aumento de 3,7% face a 2017.
Reciclagem nos 22,3%
Com o grosso dos resíduos entregues de forma indiferenciada, a reciclagem íicou-se pelos 22,3%, se combinarmos a valorização multimaterial de vidro, papel e cartão e embalagens de plástico e metal e a compostagem de bio- resíduos. Ainda assim, esta taxa representa um aumento de 12,1% (na valorização multimaterial) e de 10,9%, na valorização orgânica, face a 2017, um resultado que reflecte já a entrada em funcionamento, em todos os municípios da Lipor, de circuitos de recolha selectiva porta a porta.
Fernando Leite admite que o grande salto na recolha selectiva aconteça no segundo semestre deste ano e no ano de 2020. E a separação de resíduos orgânicos vai, acredita, crescer de forma acentuada. A empresa continua a fazer investimento em equipamentos, e na passada sexta-feira foi aprovada a alocação de dois milhões de euros para contentores de rua para o lixo orgânico, que incluirão um acesso por cartão, limitado aos moradores da envolvente. Destinados a zonas com predominância de habitação colectiva, estes contentores deverão permitir chegar a mais 25 mil casas, ou 75 mil pessoas, estima.
O alargamento aos restantes concelhos da recolha selectiva porta a porta – que a Maia pratica com excelentes resultados há muitos anos – tem sido, como se esperava, “um sucesso”, e em algumas zonas onde já existe, os vizinhos que estão fora das rotas começam já a pedir para serem abrangidos, assume Fernando Leite, argumentando que a questão do conforto, pela eliminação das idas aos ecopontos, possa estar a mexer com a atitude dos cidadãos. A Lipor vai continuar a fornecer baldes de 40 e 140 litros para áreas em que os municípios entendam ser estas as melhores soluções, mas o administra- dor-delegado nota que a empresa está a construir um cardápio de outras opções.
Para os materiais de jardim, por exemplo, vão ser construídos na Póvoa de Varzim, Matosinhos e Gondomar três parques de verdes, onde o material entregue pode ser trocado por um “composto natural” produzido sem resíduos animais. Ao contrário do Nutrimais, feito numa unidade industrial, e que o mercado absorve avidamente, este fertilizante não será vendido, acrescentou.
A redução de resíduos em 2020 é um objectivo que pode estar em causa
533
mil toneladas de resíduos entraram nas instalações da Lipor noano passado, um número que representa um aumento de 4% face ao ano anterior
75
quilos de lixo, em cada dez chegados à Lipor, acabaram incinerados para produção de energia eléctrica. Com estas 400 mil toneladas de resíduos queimados, a empresa gerou 197,5 MWh de electricidade
66%
dos resíduos enviados para incineração, misturados no chamado lixo indiferenciado, tinham potencial para reciclagem. A Lipor registou, nos últimos três anos, um aumento desta fracção não separada
22,3%
do lixo produzido na regiãoem 2018 acabou reciclado. Entram nestas contas a separação de vidro, papel e cartão e embalagens de plástico e metal e o material orgânico que foi transformado em composto
75
mil pessoas vão ter acesso, ao longo dos próximos meses, a contentores de proximidade para deposição de resíduos orgânicos, complementando o sistema de recolha porta a porta já em funcionamento emalgumaszonasdos oito concelhos da Lipor
Estudo avalia aumento de resíduos indiferenciados
A Lipor está a levar a cabo um estudo de caracterização e avaliação dos resíduos indiferenciados que lhe são entregues pelos oito municípios associados, que correspondem, grosso modo, a oito de cada dez quilos do lixo doméstico produzido por cada um do milhão de habitantes que serve. O trabalho ainda está em curso, mas os resultados preliminares permitiram perceber, desde já, que uma fracção importante destes desperdícios não entra na categoria de resíduos urbanos, surgindo indevidamente nos contentores. E que, entre os que são efectivamente Resíduos Urbanos (RU), continua a haver imenso material reciclável.
Os habitantes da região estão convidados a responder, até dia 14 de Junho, a um inquérito online, para ajudar a empresa a perceber alguns dos seus comportamentos e percepções sobre a forma como se deve lidar com os vários tipos de resíduos. Na semana passada, a empresa realizou uma primeira reunião, com técnicos dos municípios e de empresas de gestão de resíduos para discutir alguns dos primeiros resultados obtidos.
Os dados já recolhidos e analisados permitiram perceber que entre têxteis de origem não doméstica e resíduos de construção e demolição há – em percentagens variáveis mas significativas – muito resíduo não urbano que vai parar ao circuito. Alguém questionava, nessa reunião, se não estaremos a cometer um erro, ao disponibilizar para o “lixo” indiferenciado, os contentores maiores, onde cabe tudo, até mesmo materiais volumosos que qualquer câmara reencaminha correctamente, se contactada para tal por um munícipe.
O outro dado é bem conhecido – há demasiado resíduo reciclável no saco do indiferenciado – mas as análises detalhadas de diferentes tipos de circuitos, mais urbanos, rurais ou mistos, com maior ou menos preponderância de outras actividades, deixam perceber que há zonas onde surgem mais restos de jardim do que noutras, por exemplo, ou que, nalguns pontos da região, o nível de reciclagem dos três materiais clássicos é baixíssimo. Cruzado com a análise aos equipamentos de deposição existente e as suas condições, o trabalho realizado vai permitir apontar, ainda este ano, possíveis soluções.
Nessa reunião, o administrador- delegado da Lipor, Fernando Leite, anunciou a realização de uma conferência, no Porto, no Outono, para apresentação dos resultados deste trabalho e apresentação de medidas “que ajudem a mudar radicalmente” este cenário. E uma das áreas onde a empresa considera ser importante apostar é a da comunicação, com o objectivo de ajudar a população a perceber que mais do que lixo, os resíduos são recursos desperdiçados, que têm que, na sua maioria, reentrar no circuito económico.
O plástico, que tem sido alvo de grande atenção mediática devido ao seu impacto nos oceanos e na vida marinha, é um exemplo caro da importância da reciclagem. Produzido com produtos derivados de petróleo, a sua reutilização ou reciclagem permite diminuir a dependência de um material cuja extracção e queima tem um impacto considerável nas emissões de gases com efeito de estufa responsáveis pela crise climática que o planeta está a enfrentar. A.C.