No dia em que o Governo aprovou um pacote de medidas ambientais para celebrar o Dia do Ambiente, o ministro Matos Fernandes, em entrevista ao Expresso, fala da “importância da onda verde que varre a sociedade” e congratula-se com o facto de que “este é o primeiro Governo no mundo” que aprovou um roteiro para ser neutro em emissões de C02 e outros gases em 2050. Com eleições legislativas daqui a quatro meses, calcula que não continuará com esta pasta, mas admite que um Governo socialista apoie medidas do PAN e vice-versa.
Na última entrevista ao Expresso disse não ser um ambientalista. Acha que ser ambientalista é ser fundamentalista?
Não, de todo. Não me considero ambientalista pelo respeito que tenho aos que têm essa militância, que nunca tive. Não lhes chamo fundamentalistas nem parto do princípio de que têm sempre razão. Não sou um ambientalista, com a certeza de que isso não me diminui em nada para defender as causas ambientais que defendo.
Veste a camisola?
Tenho mais que vestida a camisola das causas ambientais. Sou membro de um Governo profundamente comprometido com elas e a prova disso é a aprovação neste Conselho de Ministros do Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050. Este é o primeiro Governo no mundo que o fez.
A Suécia aprovou em 2017 legislação para ser neutra em carbono em 2045…
A Suécia aprovou um compromisso para o crescimento verde, não um roteiro com metas de como lá se chega.
O que pensa da “onda verde” destas eleições europeias?
Temeu-se que a onda fosse nacionalista e o que se sentiu foi uma onda em torno das preocupações ambientais. A onda verde que varreu a sociedade é da maior importância e reforça o espírito do Acordo de Paris e a procura rápida da descarbonização da sociedade.
Como vê o crescimento do PAN?
Os três partidos que tiveram resultados mais positivos nestas eleições foram claramente os mais comprometidos com as causas ambientais: em primeiro lugar o PS, em segundo o BE e em terceiro o PAN. Parece- -me evidente que os da direita saíram perdedores também por se terem divorciado da sociedade ao não valorizarem as causas ambientais e em particular o combate às alterações climáticas.
Vê-se a fazer alianças com o PAN?
Tenho a forte expectativa de que o PS irá ganhar as eleições e, se não tiver maioria absoluta, quererá fazer um Governo o mais sólido possível. O PAN aprovou três dos quatro Orçamentos do Estado e tem tido um conjunto de iniciativas, por exemplo no domínio dos plásticos, que são muito próximas do que é o ponto de vista do Governo sobre estas matérias.
Vão aprovar medidas como as propostas pelo PAN de acabar com a apanha noturna de azeitona para proteger as aves?
Houve medidas propostas pelo PAN que foram aprovadas pelo PS, como a da reciclabili- dade das garrafas de plástico e de alumínio. Entendo como normal que algumas iniciativas que o PAN venha a colocar no futuro (e não me refiro a nenhuma em particular) venham a merecer o apoio do Governo
socialista. Mas o PS não tem de receber lições de ninguém.
Tendo em conta os conflitos com a Agricultura, o que foi alterado no Roteiro para a Neutralidade Carbónica agora aprovado face ao documento que foi para discussão em dezembro?
As metas que estavam previstas para redução de emissões na agricultura e nos outros sectores mantêm-se: uma redução global de 85% das emissões até 2050, o que se reparte em menos 95% de emissões no sector eletroprodutor e na mobilidade, menos 70% na indústria e em torno dos 25% na agricultura.
Previa-se reduzir o número de cabeças de gado entre 25% e 50%. O que acabou aprovado?
Esse número ficou entre os 10% e os 25%. O Roteiro prevê uma redução do gado estabulado, mas não do que está no campo e prevê que as pastagens tenham uma maior função como sumidouro de emissões. Também haverá uma produção mais eficiente e desenvolvimento de novas técnicas associadas à digestibilidade dos bovinos [é na digestão que emitem metano].
O Roteiro é um caminho para reduzir as emissões. Onde estão as medidas de política para alcançar essas metas?
O roteiro não reduz o número de carros a combustão, mas fixa que um terço da mobilidade deve ser elétrica ou a hidrogénio já em 2030 e tem medidas de política para isso. Aprovámos agora as regras para que o sector empresarial do Estado venha a adquirir veículos elétricos e híbridos
plug-in. E para que haja maior utilização de transportes co- letivos reforçámos a oferta de autocarros de elevada performance ambiental e reduzimos o preço dos passes sociais, que é uma medida de cariz ambiental com evidentes ganhos sociais.
Temos passes mais baratos, mas anunciam-se cortes de comboios e não há investimento na ferrovia.
Os financiamentos do Ferrovia 2020 entrarão em funcionamento ao longo dos próximos anos a tempo de dar um contributo para reduzir em 40% as emissões do sector dos transportes até 2030. Nunca senti que houvesse em momento algum um menor compromisso do Ministério das Infraestrutu- ras relativamente a este esforço de descarbonização do país. Dois terços do Plano Nacional de Investimento são dedicados à descarbonização e à adaptação às alterações climáticas.
A oferta não acompanha o aumento de passageiros.
Nas empresas sob a minha tutela a procura tem aumentado sobretudo fora das horas de ponta, o que significa que as pessoas não tinham dinheiro para essa mobilidade. Uma parte muito expressiva do aumento de 30% nos passes na AML é de pessoas com mais de 65 anos. Em algumas empresas a procura aumentou 10-12% em horas de ponta e 15-20% fora das horas de ponta.
Aplaude um roteiro para a descarbonização e ao mesmo tempo prepara-se para aprovar um novo aeroporto e o consequente aumento de aviões. Não é contraditório? Porque
não se aposta em linhas de alta velocidade?
O aeroporto de Lisboa existe para receber passageiros do mundo inteiro e não é o comboio que substitui essas ligações. Quando dizemos que vamos reduzir em 85% as emissões, estamos já a contar com combustíveis muito eficientes para o transporte marítimo e aéreo. Acreditamos que a tecnologia nos vai surpreender positivamente.
Mais gente poderia vir até Lisboa de comboio se houvesse uma ferrovia aceitável?
Uma coisa é a aposta na ferrovia para transporte de passageiros ou de mercadoria à escala ibérica. Disso não tenho a mais pequena dúvida, e os investimentos, coordenados com Espanha, vão ser feitos nos anos mais próximos. Coisa diferente é ter a expectativa de que essa rede ferroviária sirva quem vem de para lá dos Pirenéus. Essa procura seria mínima.
Não é contraditório pensar num novo aeroporto no Montijo numa área em que parte das pistas vão estar em zona inundável?
Temos um aeroporto completamente congestionado e temos de ter uma alternativa. O novo aeroporto do Montijo, vindo a ter avaliação de impacte ambiental positiva, localizar-se-á numa base aérea que já existe e que teria naturalmente que se adaptar em função da subida média das águas do mar.
Que sentido faz aumentar a área de regadio ou apostar em agricultura intensiva no Alentejo perante um cenário de alterações climáticas?
Esse aumento de área de regadio existe em Alqueva numa zona onde não há a mais pequena dúvida de disponibilidade hídrica num longo, longo prazo. O fundamental é termos ações para a fertilização do solo e escolher as culturas agrícolas mais adaptadas à disponibilidade hídrica que temos e estão previstas no plano de ação para a adaptação climática.
Afinal, o que se passa em relação a Fridão? Diz que tem duas cartas da EDP a manifestar desinteresse em fazer a barragem, e António Mexia alega que nunca o manifestou.
Tenho duas cartas da EDP a dizer que Fridão não faz sentido. Numa dizem que as expectativas de consumo de eletricidade não são as que se projetavam quando Fridão foi pensado, e que é possível ter aquela quantidade de eletricidade produzida a partir de fontes renováveis e investindo muito menos. Na segunda, a EDP ensaia uma alternativa a Fridão, com um empreendimento mais pequeno, mas que juridicamente não é possível autorizar.
Se esse desinteresse tinha sido manifestado antes de janeiro, porque não usou esse argumento então?
Porque não tinha o PNEC comigo e não sabia a falta que fazia ou não a barragem de Fridão para cumprirmos a meta de termos 80% de energia elétrica produzida a partir de fontes renováveis em 2030.
Está confiante de que o Estado não terá de devolver dinheiro nenhum?
O recurso aos tribunais é a coisa mais normal do mundo. Sinto que, por não haver interesse da EDP em fazer a barragem, não lhe é devido aquilo que então foi entregue ao Estado [€218 milhões]. Aliás, a EDP prescindiu da devolução no caso de Alvito [€14 milhões]. A EDP não quer fazer Fridão, e o Estado acompanha essa decisão.
DESCARBONIZAR A SOCIEDADE
roteiro Para alcançar a neutralidade carbónica até 2050, o Governo aprovou o Roteiro que tem como meta reduzir as emissões nacionais de gases com efeito de estufa em 50% na próxima década e 85% até 2050. Para lá chegar, todos os sectores darão o seu contributo, em particular o ele- troprodutor e o dos transportes.
2300
milhões de euros é o que Portugal deverá investir entre 2020 e 2030 para executar o Programa de Ação para a Adaptação às Alterações Climáticas, agora aprovado, e reduzir vulnerabilidades a secas, inundações, ondas de calor, incêndios rurais ou erosão costeira
CONTROLAR ESPÉCIES EXÓTICAS INVASORAS
DiRETivA O novo diploma transpõe (com atraso) o regulamento comunitário que permite definir o controlo, introdução na natureza ou repovoamentos com espécies exóticas da flora e da fauna. E lista as que não causam problemas para a biodiversidade e as regras para erradicar as invasoras nocivas.
10% das águas de esgoto tratadas vão passar a ser reutilizadas para rega de jardins, campos agrícolas ou de golfe e lavagens de ruas até 2025. A percentagem duplica em 2030, de acordo com o novo diploma. As regras estão fixadas e abrangem 52 grandes ETAR.
ÁREAS PROTEGIDAS EM COGESTÃO
concretização O decreto-lei que estende aos município a gestão partilhada das 34 áreas protegidas de âmbito nacional tuteladas pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas foi aprovado pelo Governo. O passo seguinte é a discussão parlamentar e a aprovação presidencial. A ideia é descentralizar competências.