Europa sobe obrigação para 65% nos equipamentos elétricos e eletrónicos. Entidades dizem que não é possível
AMBIENTE Portugal vai falhar a nova meta europeia de Reciclagem de Resíduos de Equipamentos Elétricos e Eletrónicos (REEE), que este ano passou de 45% para 65% do peso médio dos resíduos que entraram no mercado nos três anos anteriores, dizem várias entidades ligadas ao ambiente e valorização de resíduos. A associação ambientalista Zero defende depósito pago para incentivar entrega.
“Em 2019, Portugal vai recolher e tratar, no máximo, apenas metade dos 65% dos REEE a que está obrigado”, afirma a associação Zero, que tem procurado monitorizar o setor e lembra que este tipo de resíduos carece de atenção especial por ter contaminantes perigosos.
Também o Eletrão – Associação de Gestão de Resíduos, diz que “a partir deste ano, Portugal entrará em incumprimento” como “consequência do aumento drástico das metas” e de “um normativo de cálculo das metas mais rigoroso que foi implementado”. AERP, outra entidade gestora de resíduos, considera que o novo objetivo “só será possível de concretizar com o envolvimento de todos”.
Na empresa Ambicare, em Setúbal, Costa de Almeida conta que investiram em equipamentos inovadores e têm capacidade para tratar 3000 toneladas de lâmpadas por ano, mas só recebem “300 toneladas”. Por isso, têm até importado algumas de Espanha e Dinamarca, para rentabilizar a maquina
ria. Neste resíduo, “praticamente sem valor comercial”, a recolha é insuficiente e o país “não está preparado” para a meta. Em Tondela, a Interecycling está aquém da capacidade e vai despedir (ver reportagem).
2019 AINDA SEM DADOS
O Ministério do Ambiente revela que, com a nova meta, em 2019, o país terá de recolher “cerca de 103 066 toneladas” de REEE, mas não avança que quantidade já conseguiu até ao momento. Os últimos dados são de 2017, quando se recolheram 70 mil toneladas. A Agência Portuguesa do Ambiente explica que tem vindo a “identificar obstáculos”, que é preciso “incentivar” a recolha e “aumentar a eficiência de tratamento ao nível dos operadores”.
Rui Berkemeier, da Zero, propõe, entre outras medidas, a “introdução de um depósito pago pelo consumidor no ato de compra, que seria devolvido mediante entrega do REEE para tratamento” e pede “mais fiscalização” para assegurar o cor- reto tratamento dos resíduos. O Eletrão diz que “sem o papel reforçado das entidades gestoras no acesso aos equipamentos, sem uma fiscalização implacável à ativi- dade ilegal e sem a implementação de standards de recolha e tratamento será difícil termos, enquanto país, outro tipo de resultados ambientais”. Para a ERP, é fundamental combater o “mercado informal”, dado que “equipamentos que têm materiais valorizáveis são constantemente vandaliza- dos e roubados”.
SABER MAIS
Como funciona?
O produtor é responsável pela gestão do resíduo, que pode assumir diretamente ou transferir. Em Portugal há três entidades gestoras: Eletrão, ERP e Weeecycle (desde janeiro). Recolhem e encaminham os REEE para tratamento em empresas próprias.
Onde entregar?
Há ecopontos em lojas, escolas, quartéis e ruas. A ERP tem no site um motor de busca que indica o depositrão mais perto. E a Eletrão criou o site ondereciclar.pt que identifica os locais pelo código postal.
E há perigo?
Há REEE com contaminantes perigosos: mercúrio nas lâmpadas fluorescentes, PCB em condensadores, CFC e gases de refrigeração em frigoríficos, etc.
O que é o Ecovalor?
Os equipamentos que entram no mercado têm incluído um ecovalor para reciclagem. A Zero quer que suba pois não é “insuficiente” para tratar bem. A Ambicare diz que, nas lâmpadas, são 7 cêntimos e não chega.
Queixa à DE
A Zero detetou “discrepâncias” nos dados de entidades do sistema de reciclagem e diz que há resíduos encaminhados para empresas sem “condições”. Duvida do cumprimento da meta em 2017 e fez queixa à Comissão Europeia.
Empresa vai ter de despedir por falta de resíduos
Interecycling Tem capacidade para reciclar 76 toneladas/dia, mas está a trabalhar a 50%
TONDELA Nasceu há 19 anos em Santiago de Besteiros, Tondela, para reciclar resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos (REEE). A Interecycling – Sociedade de Reciclagem, SA foi a primeira a surgir na Península Ibérica.
Dentro do edifício e nos parques exteriores há uma imensidão de televisões, frigoríficos, máquinas de lavar, uma pilha de máquinas mul- tibanco. Mas o que parece muito, é pouco. Nos últimos quatro anos, a empresa tem vindo a receber cada vez menos REEE. As consequências estão à vista: “A Interecycling que até janeiro
deste ano tinha 70 trabalhadores, dispensou 15 pessoas e até dezembro, face às expectativas, equacionará dispensar mais um conjunto entre 12 a 15 pessoas”, adianta Ricardo Vidal, diretor-ge- ral da empresa.
Este ano, até agora, deram entrada na empresa 1466 toneladas de REEE. “É um recorde mínimo. No ano passado deram entrada mais de cinco mil toneladas (5158)”. Isto numa altura em que as metas estão longe de ser cumpridas. “Atualmente estamos a reciclar 1% dos resíduos elétricos e eletrónicos que o país deveria reciclar”, afirma o responsável.
“Isto é o resultado de decisões comerciais. Os motivos dessa decisão comercial não são conhecidos e seria bom serem divulgados”, acrescenta.
PROCURAR ALTERNATIVAS
A empresa – com capacidade instalada para reciclar 76 toneladas por dia de equipamento de frio, monitores, televisores e desmontagem manual e que consegue reciclar 85% destes resíduos- está a trabalhar a 50%.
Para seguir em frente, teve de encontrar alternativas, como reciclar cabos elétricos e misturas plásticas, des- viando-se do objetivo inicial. Ricardo Vidal espera que o negócio cresça e possa recuperar os 30 postos de traba
lho que deverá perder até ao final deste ano.
“É altura de dizer se o país quer ou não uma cultura industrial de reciclagem e, se quiser, tem de assumir que é uma prioridade”, defende. Na Interecycling já foram investidos 20 milhões de euros, mas Ricardo Vidal diz que as regras comerciais entretanto implementadas tornaram-se opostas à qualidade em que a empresa apos- tou. E deixa um recado: quem apresentar preços mais baixos, não está a cumprir as melhores práticas. “Para nós não vai ser surpresa nenhuma que vamos continuar a estar fora deste mercado”, sublinha, referindo- -se ao facto de as entidades gestoras preferirem “o preço mais barato”.
O diretor-geral considera que este critério pode ser “um início mau para toda a Europa e em especial para Portugal”. “Qualquer operador que se industrialize, se prepare e se modernize e fique no pelotão do melhor, vai estar de fora comercialmente”.
Na prática, significa que se as empresas não apresentarem um preço baixo, não ganham os resíduos. “Mas para terem preços baixos não podem fazer investimentos na qualidade e aqui o custo [de reciclar] representa mais ambiente”. E conclui: “Sem par, não podemos dançar”.