Carlos Moedas Comissário europeu para a Investigação, Ciência e Inovação
“Quase esquizofrénicos”, é como Carlos Moedas descreve o modo como se desenrolam hoje alguns processos entre as instituições europeias e os Estados- -membros. O comissário português falou ao Expresso sobre o futuro da União durante o Win- terCEmp, um fim de semana de reflexão em Ílhavo para pensar a Europa. O social-democrata acha que a União Europeia tem um papel fundamental nas políticas ambientais para mitigar as alterações climáticas: tem de ser rápida a decidir.
Fala-se mais no intervencionismo da União Europeia do que no sentido positivo da regulação. Como se enraizaram estes clichés?
Quando se desenhou a estrutura da União Europeia, ela foi feita para estar por trás do palco. Não conseguimos, por isso, formar quadros com uma linguagem simples que a expliquem pela positiva. Nós não explicamos o papel da UE, por exemplo, em relação ao ambiente e ao combate às altera
ções climáticas, em que tem um papel não só europeu como mundial. As pessoas não sabem que, se temos em Portugal o tratamento de água residual e a qualidade da água nas torneiras, tudo isso se deve a dire- tivas europeias que chegaram numa altura em que Portugal estava longíssimo delas. Esta é uma capacidade de influência positiva da Europa que é pouco falada. Com o ‘Brexit’ pode perguntar-se: se o Reino Unido sair, quer dizer que pode ter um nível diferente de qualidade do ar? Pode. Os próprios britânicos não fizeram essa reflexão.
Quais são os desafios à União que se seguem?
O combate às alterações climáticas é o grande desafio. No início, o objetivo era a paz na g Europa, mas hoje o que interessa é saber como mantemos o planeta, não daqui a dez anos. O ex-vice-presidente Al Gore dis- se-me que dentro de cinco anos haverá zonas do Médio Oriente com temperaturas médias de 85 graus centígrados. Vão ser áreas do planeta em que ninguém poderá viver e é a primeira vez na história em que as temperaturas
altas vão tornar a vida impossível. Que desafio é maior do que salvar a Terra?
Em dez anos desapareceu o que nasceu com o Protocolo de Quioto?
Sim, mas houve o fenómeno da COP 21 [Acordo de Paris
para o Clima, 2015, com 195 signatários]. É interessante ver que, num mundo em que as organizações multilaterais estão em crise, ainda se obtêm resultados muito interessantes no âmbito de uma organização multilateral diferente. Ali estavam países, organizações não governamentais e pessoas. Pode ser uma boa maneira de olhar para um novo tipo de multilateralismo no momento em que a ONU está em crise. É um momento para pensar como refazer estas organizações internacionais que funcionaram a seguir à II Guerra Mundial e que deixaram de funcionar porque as pessoas sentem que não participam e porque os Estados não representam as suas populações.
O que explica este grau de complexidade na UE?
Forno tornando-nos cada vez mais democráticos e a democracia levou à complexidade. Temos instituições capazes de nos garantir saúde, educação, defesa, mas tornaram-se de tal maneira complexas que se afastaram dos cidadãos. A pergunta é: como é que nós, com a tecnologia, podemos mudar as instituições no sentido contrário da distância?
Os jovens pré-universitários acabam de dar uma lição manifestando-se pelo clima. Lançam uma dúvida sobre a autoridade dos adultos?
Talvez mais sobre a incapacidade que os adultos têm tido de tomar decisões difíceis. No sistema institucional que temos, os adultos não têm mecanismos para tomar decisões radicais. As instituições democráticas foram criadas, e bem, com sistemas de controlo e balanço que permitem que as más decisões não possam ser tomadas integralmente, mas que também impedem as boas. Há uma espécie de baia democrática, que impede que as decisões radicais sejam tomadas. Ora, para salvarmos o planeta vamos ter de tomar decisões radicais rapidamente e isso pode ser uma oportunidade política para esta geração de decisores.
E que resposta aos interesses da indústria dá a UE?
As grandes indústrias querem atrasar a transição sabendo que ela vai acontecer e que as energias fósseis vão ter de desaparecer. Retardam o processo por lucro e, aí, o Estado tem de ter coragem. Na UE temos falado muito no facto de não podermos continuar a subsidiar as energias fósseis, temos de passar a subsidiar as renováveis. A coragem política vem do conforto que a população dá ou não à classe política e estes jovens estão a dá-lo e este vai ser um dos temas grandes da campanha para as europeias.
Defende que os partidos políticos têm de evoluir para plataformas de ideias. Quer explicar?
Imagino que os partidos políticos, como instituições, vão ter de passar de um mundo em que o partido era a fonte de informação para passarem a ser uma plataforma de interação entre as pessoas e as políticas.
Sublinha também a distância das elites, o que é fácil de reconhecer nos britânicos mas menos nos outros europeus?
Essa estratificação é diferente hoje no mundo digital e o que se passa hoje em Inglaterra talvez tenha que ver com isso. A estratificação que existia implodiu por dentro. O que representam hoje os deputados no Reino Unido? É o que as pessoas querem? E que pessoas? Acho que são questões muito importantes para o nosso futuro, sobretudo relativamente à democracia inglesa que é tão antiga e está neste estado… É um indicador do que pode vir aí…
Será uma forma de sancionara União Europeia?
O ‘Brexit’ foi uma decisão tomada por pessoas sem informação, ou dispondo de informação que era desinformação. A base da decisão dos eleitores foi “eu quero estar dentro, eu quero estar fora” quando a questão deveria ter sido “eu quero estar dentro a que preço, eu quero estar fora a que custo”. O custo de estar fora é muito maior do que o de estar dentro, portanto, a decisão decorreu de uma campanha feita por populistas propositadamente com pouca informação. Logo, a decisão foi tomada por uma grande parte da população inglesa que votava desconhecendo o preço daquilo que escolhia. Vemos agora que é muito alto.
O que vê como o otimista que é?
Tudo aquilo que fizemos pela ciência, €100 mil milhões, é uma vitória deixarmos um programa muito maior. Pena que não se conte o que se faz de bom já que os melhores exemplos empresariais e a melhor ciência que vi foi na Europa.
“Governo cumpre à risca”
Apesar das críticas de Paulo Rangel, cabeça de lista do PSD às europeias, o social-democra- ta Carlos Moedas elogia a política europeia de António Costa. Quanto à liderança do partido, responde: “Fui aceitando os desafios quando apareceram”.
Enquanto mandatário nacional do PSD às eleições europeias, qual considera ser um resultado aceitável nas urnas?
Um resultado aceitável é ter mais votos e mais deputados eleitos do que nas eleições europeias de 2014- De forma mais geral, uma grande vitória para todos os partidos seria reduzir substancialmente o nível de
abstenção nas eleições europeias. É para mim um paradoxo que quanto mais poderes tem o Parlamento Europeu, maior é a abstenção.
Como tenciona usar em Portugal o capital político ganho como comissário europeu?
Ainda tenho tanta coisa em mãos até ao final do meu mandato, que finda a 1 de novembro deste ano, que ainda não consegui pensar bem no dia a seguir.
E uma possibilidade concorrer à liderança no pós-Rui Rio?
Nunca fui uma pessoa de fazer projetos a longo prazo. Fui aceitando os desafios quando
apareceram e tentei sempre dar o meu melhor. Quando vejo o meu nome aparecer como um dos potenciais candidatos, interpreto isso apenas como um sinal de reconhecimento do meu trabalho.
Concordou sempre com a política europeia do Governo?
Como comissário europeu, não tenho que concordar ou discordar. O que verifico é que este Governo tem uma atitude construtiva de diálogo com Bruxelas e cumpre à risca os compromissos assumidos previamente. A política europeia deste Governo ficou imune aos efeitos do acordo parlamentar.