As experiências do Reino Unido e na Suécia mostram que, com uma lei do clima, o compromisso político do Governo aumenta, os parlamentos passam a escrutinar a política climática e a sociedade civil tem mais voz. Com o ‘Brexit’ e “sem uma lei, o clima
Ana FernandesLurdes Ferreira Uma Lei do Clima, emanada do Parlamento com o apoio de todos os partidos, que sobreviva aos ciclos eleitorais e ajude a indústria a planear investimentos a longo prazo, é o caminho que países como o Reino Unido, a Suécia e o México fizeram, em 2008, 2017 e 2012, respectivamente. Mais populares Especialistas britânicos e suecos estiveram na Assembleia da República, na terça-feira passada, numa iniciativa promovida pela comissão parlamentar de Ambiente e pela associação ambientalista Zero, a explicar o que um país ganha com uma lei do clima. Acreditam que Portugal, subscritor do , com um e um Plano de Energia e Clima, mas ainda sem a força de uma lei, também ganharia. Em conversa com o PÚBLICO, Alina Averchenkova, investigadora do Grantham Institute que integra a London School of Economics, Adrian Gault, economista-chefe do secretariado da Comissão para as Alterações Climáticas do Reino Unido (CCC, na sigla inglesa), e Fredrik Hannerz, chefe de unidade de clima da Agência de Protecção Ambiental da Suécia, explicam que, além de garantir que as medidas tomadas sobrevivem à sucessão de governos, uma legislação própria para o clima permite que a sociedade escrutine melhor as acções dos diversos executivos levando-os à barra dos tribunais em caso de desrespeito pela lei, como já aconteceu. Por outro lado, o sector económico investe com estabilidade, sabendo que metas concretas tem de cumprir, em vez de vogar ao sabor das diferentes sensibilidades políticas de quem governa. “Antes, o Governo britânico tinha metas para a redução das emissões, mas não havia necessariamente um compromisso de todos os departamentos do Governo em relação a esse objectivo. Com a lei, a exigência de cumprir as metas aumentou. Porque aumentou o compromisso político”, diz Adrian Gault. “A Lei do Clima foi adoptada pelo Parlamento sueco por uma grande maioria – 85% dos deputados. A adopção da lei levou a um amplo compromisso em praticamente toda a sociedade, que se alinha em relação a estas metas. Por exemplo, a indústria e as empresas adoptaram os seus próprios roteiros para serem [tecnologicamente] livres de carbono, e isso não existia antes. Antes tínhamos discussões difíceis com estes sectores”, exemplificou, por seu lado, Fredrik Hannerz.Mas há ainda um ponto relevante, em que faz diferença ter, ou não ter, uma legislação que compromete todos: o poder que é agora dado à sociedade civil de pedir contas aos seus governos. “Assim que os países têm a sua lei do clima, criam a oportunidade para outros actores sociais, como a sociedade civil, interporem acções legais, se o Governo não estiver a implementar a política climática como deveria”, aponta Alina Averchenkova. Um dos casos mais conhecidos é o Urgenda, na Holanda, onde organizações não-governamentais colocaram o Governo em tribunal, por considerarem que as medidas que este estava a pôr em prática não eram suficientemente ambiciosas à luz dos acordos internacionais.O papel das organizações não-governamentais tem-se revelado essencial neste caminho. No caso da Grã-Bretanha, a Lei do Clima nasce da sociedade civil: “A iniciativa partiu das ONG, foi agarrada pela oposição na altura, que eram os conservadores, a indústria apoiou porque gostou da ideia de haver uma estabilidade legislativa, de saber quais eram as suas metas. O Governo da altura decidiu que aceitava. E acabou por haver um grande consenso entre partidos, indústria e ONG”, adianta Adrian Gault.Nos dois países considerados dereferência na Europa, em termos de governação na área do clima, os parlamentos passaram a ter um papel fundamental de escrutínio da acção do Governo. O parlamento sueco “fez a lei e obriga o Governo a mostrar-lhe que as suas políticas estão no caminho certo” e com “uma ligação muito clara entre política climática e política orçamental, o que é importante – uma ferramenta para que o trabalho transversal necessário [ao Governo] seja efectivo. É responsabilidade de todos os ministros, claro que o ministro do clima é claramente responsável, mas é uma responsabilidade de todo o Governo”, refere Fredrik Hannerz. No Reino Unido, país onde as emissões caíram 40% desde 1990, “enquanto a economia continuou a crescer”, uma parte da monitorização da acção do executivo é feita através da CCC, órgão independente e de aconselhamento do Governo, criado com a Lei do Clima e com um papel relevante na execução da política climática. “Todos os anos reporta ao Parlamento se o Reino Unido está no caminho certo para atingir as metas. E o Governo tem de responder no Parlamento. Nós informamos o Parlamento, que é quem escrutina o Governo. É uma obrigação anual da nossa parte”, explica Adrian Gault, citando que a CCC faz também recomendações ao Governo sobre os níveis das metas desejadas de redução.Um trabalho específico de monitorização da CCC é “o cumprimento dos orçamentos de carbono que limitam as emissões por períodos de cinco anos”, prefigurando médias intermédias. “Isso é essencial, porque não é permitido aos governos que se atrasem na sua acção, há metas intermédias que têm de ser cumpridas. Se olharmos para o ‘Brexit’ e para o que estamos a passar no momento, sem uma lei facilmente o clima cairia para o fundo da agenda”. Assim, o Governo “não pode ignorar que tem estas metas, que têm de ser cumpridas.”Todos incluídosNa Suécia, o processo de adopção da lei do clima começou com o Governo a criar uma comissão de ambiente, para a qual foram convidados todos os partidos, peritos, académicos, representantes da indústria, das empresas e ONG, como conta o responsável da congénere sueca da Agência Portuguesa do Ambiente. “Eram 50 pessoas, foi um processo intencionalmente muito inclusivo e transparente, de modo a dar aos deputados a informação necessária, o encorajamento por parte da academia e das ONG. Durante este tempo, autoridades como a Agência de Protecção Ambiental da Suécia mostrou aos deputados que acções eram realmente exequíveis e que reduções de emissões podiam vir daí”. Ao fim de três anos, “tornou possível aos deputados, como grupo, propor a lei e as metas climáticas”.E Portugal? Francisco Ferreira, , considera que a discussão feita no Parlamento “é um sinal”, num país que tem um roteiro de descarbonização já até 2050, mas sem a força de lei. “Temos vindo a falar sobre isso nos últimos meses com os deputados da comissão de Ambiente e com os partidos. É um começo. Não queremos que demore demasiado, mas não queremos apressar. Queremos algo que assegure as futuras gerações e a necessidade de acções de mitigação e adaptação. E que sobreviva aos futuros governos. Tem de envolver a sociedade e o Parlamento para que seja diferente de mais uma resolução de Conselho de Ministros”.Fredrik Hannerz sublinha que, “apesar de Portugal não ter uma lei do clima, tem mostrado liderança climática” e, para a Suécia, o país “é um aliado importante quando se trata da ambição sobre o clima na UE. Gostaríamos que Portugal desse um passo na direcção de ter uma lei do clima”.Em Dezembro, depois da apresentação do roteiro, o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, considerava que os compromissos com a União Europeia e com acordos internacionais tinham força suficiente para serem cumpridos.Quanto às directivas europeias para o sector da energia e clima, que impõem obrigações aos Estados-membros, para o perito sueco não bastam, são insuficientes. “Sim, há compromissos na legislação europeia, até 2020/2030, que são obrigatórios, mas se queremos mudar os investimentos na indústria, na produção eléctrica, nas infra-estruturas de transporte, é preciso uma perspectiva de longo prazo”, responde Fredrik Hannerz. Além disso, considera que os compromissos da UE “são muito frouxos” as metas do Reino Unido e da Suécia ultrapassam-nos e “não estão alinhados com o Acordo de Paris.”Mais aspectos são valorizados na experiência dos dois países. Para o economista da CCC, “aumentou o poder do Ministério do Ambiente junto de todos os departamentos do Governo” e, “havendo uma base legislativa, não está em causa quão difícil é fazer, mas o temos de fazer isto'”. O responsável da congénere sueca da Agência Portuguesa do Ambiente destaca, por seu lado, o significado real de uma maioria ampla do Parlamento a aprovar a lei. “As coisas começaram a acontecer desde que o sinal político é tão forte”. Diz ainda que “os compromissos de longo prazo e uma ampla maioria de apoio do Parlamento e o processo inclusivo permitiu uma nova base para a acção sobre o clima na Suécia. Agora já não temos de discutir mais sobre as metas. Em vez disso, podemos discutir sobre as acções”.Mil e quinhentas leis no mundoO Grantham Institute, que rastreou todas as leis do clima no mundo, estima que haja actualmente 1500 leis relacionadas com as alterações climáticas, sendo que “a maioria dos países tem, neste momento, alguma forma de legislação sobre o clima ou com este relacionada”. Um exemplo é a China que, “não tendo tradição de legislar, tem políticas de governo muito fortes, e até está neste momento a desenvolver uma lei do clima de modo a reforçar os seus objectivos”, comenta Alina Averchenkova. Aponta também o caso do México, que adoptou a respectiva legislação no final da presidência Calderón. O Governo que se seguiu “mostrou uma atitude diferente sobre a protecção ambiental, mas tinha de continuar com a política plasmada na lei do clima”. Esta é uma das principais razões pelas quais, diz Averchenkova, “os países pelo mundo estão a considerar leis do clima para ajudar a implementar o Acordo de Paris”.Fredrik Hannerz é conterrâneo de a exigir mais acção dos líderes políticos. “É uma iniciativa fantástica, uma vez que as gerações mais velhas falharam na resolução do problema” e expressa a “esperança que as gerações mais novas desenvolvam acções, que forcem as sociedades a tomar medidas.” Continuar a ler