A EPAL abastece 2,8 milhões de consumidores na área da grande Lisboa. O presidente da companhia, José Sardinha, defende a importância da EPAL de ter um tarifário social, e revela que as águas residuais tratadas vão ser cada vez mais importantes em Portugal.
André Cabrita-MendesInês Pinto MiguelPúblico ou privado, o setor das águas precisa é de boa gestão, defende o presidente da EPAL. Em entrevista ao Jornal Económico, José Sardinha, considera que o setor das águas em Portugal não corre o risco de privatização e revela que a empresa está a realizar estudos para implementar mais soluções de reutilização de águas residuais nas suas maiores estações de tratamento.Recentemente, a coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, visitou a EPAL e à saída defendeu que deveria haver um regime automático de atribuição da tarifa social da água como existe com a eletricidade, que poderia abranger 760 mil famílias. Esta ideia do Bloco de Esquerda faz sentido?Já temos um tarifário social, que implementámos em 2013, tem estado a funcionar e dá descontos de 91%. Portanto, é um desconto muito significativo. Segue as recomendações da entidade reguladora. Isto foi adotado em 2013 numa altura em que o país estava numa profunda crise e nós demos o nosso contributo. Em 2015, tivemos as nossas tarifas aprovadas por cinco anos, portanto existe um decreto lei até 2020 onde está a nossa tarifa social. O nosso tarifário social é de aplicação universal, por isso, qualquer pessoa se pode dirigir às nossas lojas.Quantos beneficiários tem esta tarifa social? Temos um total de cerca de seis mil beneficiários de tarifários sociais e de tarifários de famílias numerosas. [A EPAL conta com mais de 1.900 beneficiários da tarifa familiar de água, e com mais de 4.000 beneficiários da tarifa social da água]Considera que autarquias ou empresas de venda de água em baixa deveriam seguir o exemplo da EPAL e aplicar este tarifário social? Eu julgo que a grande maioria delas tem. No último levantamento que fizemos ao nível do tarifário social, eu julgo que dos 34 municípios à volta de Lisboa todos tinham [o tarifário social]. Os valores são diferentes, as condições são diferentes, e fizemos não só na zona norte, nós distribuímos apenas na zona norte, também na zona sul do Tejo, portanto na zona metropolitana da área, a ideia que tenho é que todos têm.Não faria sentido fazer uma lei para obrigar todo o país a aplicar a tarifa social na água? Nós não nos pronunciamos, somos gestores, não fazemos leis. As leis competem aos políticos e, portanto, não me compete.Sendo o gestor de uma empresa pública no setor das águas, considera que existe algum risco de o setor vir a ser privatizado. Falou-se nesta questão há uns anos, hoje em dia, está fora da discussão pública, mas como é que analisa esta questão? Não acho que haja nenhum risco. A água, nos termos da lei portuguesa, é pública. Portanto, estamos perfeitamente confortáveis com esse domínio. Existe espaço para as empresas privadas, naturalmente, e elas existem no país. Existem várias concessões no país. Que fazem o seu caminho, mas, de facto, não está em cima da mesa qualquer tipo de privatização, acho que não há qualquer risco de privatização na água. Existe é a prestação de serviços, que é diferente da privatização e faz sentido atribuir estas concessões a empresas privadas ou não? Deveriam estar sempre nas mãos de empresas públicas, por exemplo ? Ou dentro do setor público?Eu agora vou pegar nas suas palavras, eu sou gestor e estou como gestor nesta empresa, e aqui estas são as condições, o meu mandato é para esta empresa. O que faz sentido é que cada um dos decisores tome a melhor decisão com a informação correta, portanto, essa é a informação que compete a cada uma das autarquias, e elas saberão o que é melhor para elas. Há, contudo, uma coisa feita por todos, e a escala aqui é importante. Muitas vezes, uma autarquia sozinha não tem a dimensão suficiente, e aí têm de reunir esforços, vontades e congregar meios com outras autarquias para ganhar dimensão: as comunidades intermunicipais, por exemplo. Mas, enfim, se ficam depois sob a gestão pública ou privada, essa é uma opção que não nos compete responder. Respondo apenas por esta [a EPAL], que é uma gestão pública, mas posso acrescentar que se trata de gestão, e a gestão não tem cor, a gestão não é publica nem é privada, ou é boa ou não é boa. O nosso objetivo é boa gestão, pura e simplesmente.Há uns anos houve a fusão de alguns sistemas, entretanto houve a reversão. Isso fazia sentido?Lá está, é de cariz que compete a cada um dos governos. A nós compete-nos gerir aquilo que nos pedem para gerir, e obtivemos bons resultados sem agregação, obtivemos bons resultados com uma agregação de um determinado tamanho. Tal como tivemos bons resultados com uma agregação de outra dimensão, porque foi sempre isso que nos pediram: bons resultados. Portanto, se a dimensão é esta ou é aquela, é matéria que compete ao decisor político e não propriamente ao gestor.Em relação às águas residuais tratadas. No caso de Israel, por exemplo, 80% das águas residuais tratadas são utilizadas na agricultura nos campos de golfe. Faria sentido fazer isto em Portugal? Como é que olham para esta questão? Um exemplo. Nós temos, a gestão delegada da Águas de Vale do Tejo que tem abastecimentos até 100 mil litros. E temos vindo a incentivar cada vez mais a utilização das águas residuais em usos compatíveis. Desde logo, nas nossas próprias instalações: em vez de utilizarmos água potável usamos água residual tratada, desde a lavagem de equipamentos e de arruamentos, até à rega. Um exemplo que eu gosto de dar, que se localiza em Évora, tem a ver com um grande produtor de vinho que exporta grande parte da sua produção para mercados tão exigentes como os EUA, para cadeias e grandes distribuidoras de hipermercados dos EUA. Hoje, grande parte da vinha no Alentejo é regada, e isto permite manter, de alguma forma, a qualidade e ser mais imune às alterações climáticas. Em 2017, num ano de seca, tudo o que eram recursos desse produtor de vinho, que tem muitos hectares, começaram a esgotar-se. Então contactou-nos, no sentido de nós, através de uma das nossas ETAR [Estação de Tratamento de Águas Residuais] que temos na região, fornecermos água residual tratada para que pudesse regar as suas vinhas.Este projeto teve sucesso?Para ter uma noção, a capacidade instalada é de 100%, ou seja, 100% da água residual tratada produzida pela aquela ETAR é encaminhada para rega das vinhas desse grande produtor. É um sistema que foi implementado em tempo recorde, também com autorizações em tempo recorde, que isto carece de um grande conjunto de autorizações ambientais e tudo mais, e de facto está implementada e é um excelente exemplo.Outros produtores de vinho já analisaram este projeto?De tal maneira que é um excelente exemplo que esse produtor tem sido visitado por outros produtores de vinho do país de outras regiões, precisamente porque querem promover o que ele está a fazer com as águas residuais, com o sistema de rega e como é que implementou. Nós falamos uns com os outros dentro do setor, mas os setores económicos também falam uns com os outros e procuram as boas práticas. E portanto, num país em que a produção agrícola tem aumentado significativamente e em que é geradora de riqueza, numa coisa tão importante como o vinho, com um valor acrescentado, muitíssimo significativo, é importante que um grande produtor que entra em mercados tão exigentes como os EUA em que a certificação ambiental é uma condição para conseguir passar as fronteiras e entrar em cadeias tão grandes como a Sears, grandes distribuidores nos EUA, de facto esta nossa parceria é muito importante. É um bom exemplo, mas há mais exemplos de municípios que nos contactam para, no fundo, eles próprios utilizarem a nossa água residual tratada, por exemplo para a rega de espaços verdes e, portanto, temos aí um conjunto de iniciativas muitíssimo significativas. Naturalmente, que isto carece em alguns investimentos, e naturalmente que isto é um negócio de escala. Portanto, para incentivar o uso da água residual tratada importa o quê? Importa focar-nos essencialmente nas grandes instalações e com grandes utilizadores, como os produtores de vinhos, e também nos municípios na rega de espaços verdes, mas também outros exemplos, noutras empresas do grupo.Para lavar as ruas? Por exemplo.Em Lisboa já são aplicadas essas águas residuais? Em Lisboa, o grupo Águas de Portugal tem uma empresa que hoje faz esse tipo de atividades e, de facto, já é utilizada assim.Qual é que é o peso da agricultura no consumo da água total no país? É seguramente acima dos 80%. Neste setor, a água residual tratada para aplicações agrícolas acaba por ter efeitos muitíssimo significativos, que há alguns nutrientes, portanto, tudo isto conta.Mas as águas residuais tratadas não são para beber, certo?Não. É usada só para usos compatíveis: essencialmente lavagens, lavagens de equipamentos, lavagens de ruas, rega, rega de espaços verdes, rega agrícola. O essencial.É seguro utilizar esta água para estes usos compatíveis? Completamente. Hoje, as águas, seja para que produtos forem, são completamente controladas. Estas águas residuais podem ser aproveitadas. Perfeitamente. São completamente desinfetadas e controladas em termos de qualidade, com inúmeras análises.No Algarve, por exemplo, pode ser utilizada para regar campos de golfe?Estão a ser feitos projetos nesse sentido, tal como na península de Setúbal.Estão a desenvolver mais projetos nesta área?Nós temos estudos e estamos a fazer estudos para implementar mais soluções de reutilização nas maiores ETAR.