O presidente da associação que agrega as empresas privadas ligadas ao ambiente, incluindo águas e resíduos, defende um aumento no preço da água, não para reduzir o consumo, mas para tornar os sistemas sustentáveis, de maneira a que possa existir uma recuperação integral dos custos.
André Cabrita-MendesA Associação das Empresas Portuguesas para o Setor do Ambiente (AEPSA) foi criada em 1994, para representar e defender os interesses coletivos das empresas privadas com intervenção na área ambiental. Eduardo Marques, engenheiro e presidente desta associação, revela em entrevista ao Jornal Económico, o papel determinante da eficiência hídrica no setor, bem como as soluções para o futuro da água em Portugal.O setor das águas devia ser privatizado ou mais aberto às empresas privadas? Em relação à baixa, a legislação existe, as provas estão dadas, basta olhar para os indicadores do regulador para ver a eficiência, a flexibilidade de gestão e os níveis de desempenho. Diria que o país só tem a ganhar com um aumento do número de concursos para os privados poderem dar o seu know-how a esses novos municípios. Entendemos que não faz muito sentido estar as Águas de Portugal na baixa, sobretudo, discordamos integralmente quando não é por decreto e não há concorrência. Em relação à alta, não veríamos com bons olhos. Obviamente que isso obrigaria a uma legislação que neste momento não permite que as Águas de Portugal fossem privatizadas, no seu conjunto ou em partes.O regulador ERSAR divulgou um documento que indica que as empresas vão poder subir o preço da água em períodos de seca e maior procura. Faz sentido esta medida? Do ponto de vista conceptual, se estivermos numa situação de escassez hídrica há que arranjar mecanismos, digamos de poupança. Em termos de eficiência hídrica, o país ainda está numa situação onde tem muito que evoluir. Temos perdas significativas em muitos municípios, portanto, entendemos que primeiro deve ser feito o caminho da eficiência, que será seguramente com melhores resultados do que a penalização pela tarifa. Até porque essa penalização pode ser difícil de controlar e tornar-se estacionário. As tarifas são da competência dos municípios, com regulação pela ERSAR, como é que isso se vai fazer, e quando, parece-me difícil de operacionalizar.A ERSAR também quer que as tarifas para famílias mais numerosas sejam obrigatórias em todo o país. Faz sentido?O entendimento que existe já em muitas concessões privadas é terem tarifas especiais para agregados familiares maiores. A tarifa variável da água é por escalões, é evidente que se for uma família só com uma pessoa fica com o mesmo escalão, se for uma família com quatro ou cinco pessoas vai ter escalões em que a água é efetivamente mais cara. Isso faz sentido, mas tem que ser ajustado no negócio da entidade, seja ela pública ou privada.O Governo anunciou que as autarquias têm 25 anos para regularizarem as suas dívidas no setor das águas e do saneamento de águas residuais, com uma taxa de juro de 3%. Concorda com a medida? Por um lado, é preciso resolver o problema e às vezes resolver o problema, nem sempre é a melhor solução. Por outro lado, não concordamos porque, para todos os efeitos, estamos a beneficiar o incumpridor, que vai ter condições de pagamento mais favoráveis.A média nacional de perda de água na rede de distribuição é acima dos 30%. Que medidas tem o setor privado para reduzir estas perdas?As perdas de água em média em Portugal não são aceitáveis. Em média, estamos nos privados com perdas na ordem dos 15%, enquanto a média nacional é na ordem dos 30%. O que quer dizer que o setor público, tem cerca de 34%, sendo que as empresas privadas têm cerca de 20% do serviço em baixa. Não faz sentido nós termos ainda municípios com 70% de perdas. É escandaloso, porque não há qualquer justificação hoje em dia, quer do ponto de vista do know-how e tecnológico para não se ter perdas mais baixas. Em termos de perdas reais, em Portugal temos cerca de 17 mil metros cúbicos/hora, o equivalente a encher 12 piscinas olímpicas por hora, de perdas reais nas nossas condutas em baixa. Se o país conseguir passar dos 34% para os 15%, não é fácil de um dia para o outro, demora em média quatro a cinco anos para se conseguir este objetivo. Tínhamos uma economia nas perdas reais na ordem dos 60 milhões de euros por ano e nas perdas comerciais um aumento de faturação um pouco acima dos 40 milhões. Melhorando a eficiência hídrica dos sistemas temos uma economia nacional de mais de 100 milhões de euros por ano. Isto dá para fazer em média dois mil quilómetros de condutas por ano, ou em alternativa dá para baixar as tarifas em 15%.O setor privado também está preocupado com o estado das condutas?Em termos médios, diz-se que uma conduta dura 50 anos, o que quer dizer, que para estarmos com condutas num estado aceitável, devíamos renovar cerca de 2% de condutas por ano. No ano passado reabilitámos em água e saneamento 0,4%. Para reabilitar os tais 2% são precisos 200 milhões de euros por ano. A eficiência hídrica permite gerar dinheiro para ter capital para 50% da reabilitação necessária. Se não houver uma reabilitação preventiva, os investimentos vão ser brutais, sobretudo nos grandes centros urbanos, onde as condutas são mais idosas. Temos um problema grave, não de imediato, mas a médio-longo prazo, se não forem tomadas medidas atempadamente.O Bloco de Esquerda quer um regime automático para a tarifa social na água, o que irá permitir a 760 mil famílias economicamente vulneráveis terem descontos. Concorda?Às vezes, as pessoas não têm muito bem a noção das coisas. Para lá das situações de carência financeira, que existem sempre e que têm de ser tratadas, devemos ser solidários para com o nosso país, sem água ninguém consegue viver. E quando falo da água, refiro-me também ao saneamento. O custo da água e saneamento numa família média portuguesa corresponde entre 6% e 8% do custo global. Um garrafão de cinco litros de água pública, em média, só custa um cêntimo. O custo médio para uma família em água e saneamento corresponde a 0,60 cêntimos por dia, para termos água em qualidade e quantidade numa família de três pessoas. Não podemos dizer que é um custo marginal, esses 0,60 cêntimos ao fim de um mês dá 18 euros, e para muita gente 18 euros já é muito dinheiro, mas felizmente para a maioria da população ainda é um custo aceitável. Para essas pessoas mais carenciadas deve haver tarifas sociais que normalmente são encargos suportados pelas câmaras municipais, através dos seus serviços sociais, porque a tarifa social por norma é mais baixa, dependendo do escalão, e se tem tarifa fixa ou não.Só 1,2% das águas residuais tratadas são reutilizadas em Portugal, metade da média da União Europeia. Devíamos apostar mais neste tipo de reutilização? É uma inevitabilidade a curto-médio prazo haver um aumento da reutilização das águas. É evidente que isso tem sempre o fator económico associado, portanto, só se vai reutilizar mais água quando essa reutilização for mais económica. Não nos podemos esquecer que as alterações climáticas estão cá e nós já estamos a senti-las, tivemos a seca em 2017. Há, de facto, uma grande probabilidade de termos fenómenos extremos no ponto de vista climático. É preciso repensar muito bem as políticas no ponto de vista da redundância de sistemas, da capacidade de armazenamento, etc. Obviamente, também, se o custo assim o permitir, a reutilização da água das ETAR para ter mais recursos hídricos.Os campos de golfe consomem muita água potável. Estas águas podem ser usadas nestes espaços?Perfeitamente. Aí é um problema de investimento necessário para levar essa água até aos campos de golfe.Falou nas alterações climáticas. A dessalinização da água pode ser uma solução para o futuro?Seguramente será. A dessalinização há uns anos era extremamente cara, hoje em dia, já começa a ser economicamente viável. O problema é que a dessalinização, normalmente, só resolve o problema de quem está próximo da costa e a água desce para a costa, digamos assim. Dessalinizar a água e levá-la depois para a montanha tem custos energéticos muito elevados. Numa situação de grande escassez será uma potencial alternativa ainda que com custos extremamente elevados, mas inevitavelmente será o futuro até porque já muitos países no mundo recorrem à dessalinização.O preço da água devia ser aumentado para reduzir o consumo?Não. Deve-se aumentar para os sistemas serem sustentáveis. Neste momento, em Portugal, as concessões privadas obviamente que têm de ter uma recuperação total de custos e algum lucro, senão os acionistas não estavam cá a pôr o dinheiro para nada. Têm que pagar uma renda ao concedente e amortizar os investimentos que fazem. E há concessões com investimentos superiores a 100 milhões de euros no município. No setor público muitas delas são sustentáveis, mas mais de 50% das entidades gestoras em baixa não recupera custos operacionais. Só os custos operacionais são superiores aos proveitos. Ora, obrigatoriamente, esses municípios vão ter de aumentar as tarifas, porque estão a incumprir do ponto de vista legal com as diretivas da Comunidade e terá que haver aumento para haver uma recuperação integral de custos.Na atual fatura da água, surgem também outros indicadores como esgotos e saneamento. Não seria mais prático separar as faturas?Normalmente, o que vem na fatura da água é o custo nas componentes fixas e variável. Chega o saneamento na tarifa variável e fixa, que grande parte também vai para o tratamento em alta, muitas vezes da Águas de Portugal. Para a entidade gestora que gere a água e saneamento do que nós pagamos na nossa fatura só vai menos de metade. Ou seja, paga 20 euros, menos de 10 euros são para a entidade gestora, o resto é para a alta, os impostos, os resíduos. lConteúdo reservado a assinantes. Para ler a versão completa, aceda aqui ao JE Leitor