Regulador quer alteração de tarifas em período de maior escassez. Agregados a partir de cinco pessoas terão direito a desconto
Empresas podem subir preço da água em período de seca
Durante a seca severa de 2017, bombeiros abasteceram populações com água levada em camiões-cisterna
A fatura da água e do saneamento poderá aumentar em tempo de seca. Os municípios e as entidades gestoras terão liberdade para alterar as tarifas “em função do período do ano”, em caso de “escassez de recursos hídricos” ou de “flutuações elevadas da procura de ordem sazonal”. A medida está inscrita no projeto de regulamento tarifário dos serviços de águas. O documento, elaborado pela Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), está em consulta pública até 15 de março. Deverá ser publicado este ano e as novas regras vigorarão a partir de janeiro de 2021.
A subida da tarifa da água foi aflorada em novembro de 2017, com o país em seca extrema e algumas zonas do território a serem abastecidas diariamente por dezenas de camiões-cis- terna. Na altura, o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, garantiu que o preço não subiria. Certo é que o decréscimo dos caudais dos rios encarece e torna mais complexo o tratamento da água. É comum no verão, mas agrava-se substancialmente em período de seca. Nas regras de fixação dos tarifários da água e do saneamento, a ERSAR prevê que as entidades gestoras sejam compensadas pelos custos adicionais. “Em tempo de seca, quase catástrofe, pode haver uma diferenciação tarifária. São casos de força maior, mas prevê-se a possibilidade de alteração das tarifas”, explica Alexandra Gonçalves Cunha, diretora dos sistemas de água da ERSAR, sublinhando que já existe uma recomendação nesse sentido. Passará a ser letra de lei.
Essa diferenciação tarifária poderá refletir-se na fatura e simultaneamente nos preços da água e do saneamento, como prevê o projeto de regulamento. Ambos poderão aumentar. A produção de águas residuais continuará a ser calculada em função do consumo de água. No entanto, qualquer alteração do tarifário terá de acompanhar a primeira fatura subsequente à decisão e terá de ser publicitada na página de Internet dos municípios ou das empresas gestoras, antes da entrada em vigor.
TARIFAS BI HORÁRIAS COMO NA LUZ
À semelhança do que sucede com a eletricidade, que dispõe de tarifas bi-horárias, o regulador também autoriza as empresas a definirem preços distintos consoante o horário do consumo, permitindo que a água seja mais barata nos períodos em que a procura é mais reduzida. A introdução da mudança esbarra, porém, na falta de contadores inteligentes. A generalidade dos equipamentos existentes nas casas e nos negócios dos portugueses não regista o momento de consumo. Só contabiliza o volume de água utilizado.
As novas regras incluem uma clarificação do estatuto do alojamento local e dos condomínios em prédios habitacionais. O consumo de água das casas que acolhem turistas e dos condomínios passará a ser tributado como utilizador não doméstico, o que fará disparar a fatura. A única exceção será concedida aos proprietários que têm morada fiscal na habitação, embora seja usada também para alojamento local. Lisboa e Porto já aplicam as tarifas comerciais e industriais ao alojamento local, o que tem motivado dezenas de queixas e desencadeado um conflito jurídico. Na capital e na Invicta, um utilizador doméstico paga 0,4055 euros e 0,5615 euros por mil litros de água no primeiro escalão, respetivamente. Já um utilizador não doméstico desembolsa o triplo: 1,7846 euros em Lisboa e 1,9451 euros por cada mil litros gastos.»
Tarifas distintas serão proibidas
A ERSAR quer uniformizar os tarifários da água e do saneamento. Além das tarifas sociais, há concelhos que estabelecem preços distintos para hospitais, bairros ou instituições de solidariedade. A distinção será proibida. O regulador recomenda a criação de tarifas sociais. De resto, apenas poderá existir duas outras categorias: utilizadores domésticos e não domésticos, com o mesmo preço fixado para todos.
Câmaras podem subsidiar faturas
Embora não possam fixar preços distintos dentro das categorias de utilizadores doméstico e não doméstico, a ERSAR não impede que as câmaras criem formas de subsidiar as entidades, quando entendem dar-lhes desconto. Mas têm de pagar a diferença com dinheiro do orçamento municipal.
Cobrar ligação ao ramal será ilegal
As empresas serão proibidas de cobrar a ligação ao ramal da rede pública de água aos moradores, desde que fique a menos de 20 metros da propriedade. Há várias entidades que cobram essa ligação, o que, para a ERSAR, ajuda a justificar a insatisfatória taxa de adesão à rede pública de água em Portugal.
Tarifas familiares serão obrigatórias em todo o país
Regulador entende que é preciso introduzir equidade. 35,3% dos municípios não faz diferenciação
ambiente A criação de tarifas para famílias numerosas será obrigatória no abastecimento de água e no saneamento, a partir de 2021. Data em que as novas regras tarifárias deverão entrar em vigor. A Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) defende a medida por uma questão de “equidade” no tratamento das famílias em todo o país.
Uma centena de municípios (35,3%) em Portugal continental não dispunha de tarifas de consumo de água para famílias alargadas no final de 2017. O cenário é ainda pior no saneamento e no lixo. Os tarifários municipais mostram que 113 câmaras não possuem preços específicos nos serviços de saneamento para os agregados de maior dimensão. Já nos resíduos urbanos, a maioria dos concelhos (183) não faz diferenciação na tabela de preços.
O último relatório anual dos serviços de águas e resíduos mostra que Lisboa é a região mais atenta às necessidades das famílias alargadas. O Norte é a região “onde os concelhos sem tarifário familiar têm maior peso [48%]”, tanto na água como no saneamento.
O regulador quer que todo o país tenha tarifas para famílias numerosas. Impõe essa alteração, embora não o faça em relação ao tarifário social (pensado para clientes com carências económicas). Nesse caso, apenas recomenda a cobrança de valores mais baixos.
5 ELEMENTOS, NÃO SÓ FILHOS
“O tarifário para famílias numerosas não é um tarifário social. São tarifas proporcionais às dos agregados com um número tradicional de pessoas. É uma questão de equidade”, esclarece Alexandra Gonçalves Cunha, diretora dos sistemas de água da ERSAR, assinalando que essa tarifa aplicar-se-á a partir do quinto elemento.
As famílias com quatro membros pagarão o mesmo pela água e pelo saneamento do que os restantes utentes. A partir do quinto membro, terão direito a escalões mais alargados. O projeto de regulamento tarifário estabelece que se alargue os escalões da tarifa variável em dois metros cúbicos (m3) por cada membro da famílias acima dos quatro elementos.
Por exemplo, o custo da água é calculado em quatro escalões. O primeiro escalão de consumo vai de 0 a 5 m3 para uma família tradicional. Se for um agregado com cinco elementos, esse escalão de consumo passará a ser de 0 a 7 m3. Se forem seis elementos, o primeiro escalão vai até 9 m3. E não precisam de ser filhos. Consideram-se como “membros do agregado familiar” alargado “todos os residentes com domicílio fiscal na habitação”.»