ERSAR. Entidade reguladora encomenda estudo sobre radioatividade
Entidade assinou um contrato com o Instituto do Ambiente, Tecnologia e Vida onde pede que seja realizado um estudo para avaliar o risco da radioatividade na água em Portugal
Estará a água das torneiras contaminada? A questão foi levantada em Portugal no ano passado, quando os Estados Unidos da América divulgaram um relatório que revelava que a água da zona da Base das Lajes, nos Açores, estava contaminada – depois de terem sido detetados produtos químicos e metais pesados acima dos valores indicados para consumo humano. Militares norte-americanos e a Força Aérea Portuguesa chegaram mesmo a aconselhar a população a beber apenas água engarrafada. O assunto, que se tornou polémico na altura, parecia ter sido rapidamente esquecido mas, afinal, não foi bem assim. A qualidade da água é algo que continua a preocupar a entidade responsável pelas águas do país. Em novembro do ano passado, a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) celebrou um contrato com o Instituto do Ambiente, Tecnologia e Vida para que este realizasse um estudo para avaliar o risco da radioatividade na água em Portugal – estudo esse que, segundo o contrato, custará um total de 24 447 euros.
Contactada pelo í, a ERSAR não mencionou quaisquer situações de risco que a tenham levado a pedir este estudo. Segundo a entidade, “nunca foi feito no passado” um estudo semelhante. Mas como lhe compete “coordenar e apoiar as entidades gestoras na aplicação do regime legal da qualidade da água para consumo humano”, a ERSAR considerou ser importante “contemplar no plano de atividades de 2019 a realização de um estudo nacional sobre a avaliação do risco da radioatividade da água em Portugal”.
Este estudo servirá maioritariamente para definir “um mapa de risco radiológico nas origens da água do território” português, mapa esse que será construído “a partir de uma avaliação do risco”, de maneira a poder dar apoio às “entidades gestoras nesta responsabilidade e sustentar as autoridades de saúde e a ERSAR nas suas decisões”, explicou a entidade, acrescentando ainda que o estudo servirá como base para saber se deve reduzir ou aumentar as análises feitas às amostras de água, consoante o risco.
PROBLEMAS NA REDE DE VIGILÂNCIA Nuno Sequeira, membro da direção nacional da Quercus, afirmou ao i desconhecer o porquê de este estudo ter sido pedido: “Não sabemos, desconhecemos porque é que esse estudo terá sido pedido. Não temos conhecimento de uma situação anómala. Contudo, há problemas que têm sido detetados ao nível da qualidade da água e têm a ver exatamente com o funcionamento das centrais nucleares espanholas.”
É no rio Tejo que são libertadas as águas de refrigeração da central de Almaraz, em Espanha – que fica muito próxima de Portugal -, explica, acrescentando que também existem algumas fontes de contaminação em território português: as antigas explorações de urânio que ainda não estão requalificadas ou que estiveram muito tempo sem o ser.
Além destas duas fontes de contaminação, o especialista afirmou ao i que as medidas de monitorização amais são limitativas, o que se pode traduzir num problema Em Portugal existe “uma rede de vigilância da radioatividade no ambiente”, gerida pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), reiterou.
Para medir a radioatividade no ar existem 14 estações fixas. Mas para a água, o caso muda de figura: só há uma estação fixa em todo o país – localizada na Barragem de Fratel – que faz a monitorização da radiação na água. Além desta estação “existe uma monitorização radiológica através de amostras que é feita de forma regular”, elucidou.
A monitorização na estação fixa é feita na hora. “No caso de existirem valores anormais é gerido um alerta por parte desta rede de vigilância”, explicou.
“Achamos que é limitativo existir apenas uma estação fixa”, disse Nuno Sequeira ao i. E continuou: as monitorizações feitas através de amostras de água são feitas não só no Tejo, mas também no Zêzere, Douro, Mondego e Guadiana, razão pela qual o número de estações fixas deveria ser alargado a outras zonas do país – algo que considera trazer mais eficiência para a monitorização da água.
“Esta rede de estações fixas devia ser alargada a algumas destas linhas de água e púnhamos como principais prioridades o Mondego, o Zêzere e o Douro (…) – pelo facto de na zona de Salamanca estarem previstas várias explorações mineiras de urânio”, admitiu.
Quanto às zonas de maior risco, o responsável diz que as que ficam mais perto da fronteira com Espanha e a zona do Mondego – devido à exploração de minério feita durante vários anos na zona centro do país – são as mais vulneráveis.
Para combater este problema, Nuno Sequeira diz que numa primeira fase se deveria continuar a reabilitar as minas de urânio, por serem “uma fonte de possível contaminação do solo e das minas de água”. Além disso, “do ponto de vista político, Portugal deve continuar a bater-se para que os pontos nucleares em Espanha deixem de existir, nomeadamente pelo encerramento da central de Almaraz”, e ainda “vincar a sua posição de que não devem ser abertas explorações a céu aberto na zona de Salamanca, junto à fronteira”.
As medições também deveriam ser reforçadas, considera, para assegurar que “não existe risco para o ambiente e para a população”. Mas deixou claro que estudos feitos pela ERSAR sobre a qualidade da água têm comprovado que os materiais radioativos presentes são baixos. “Não há situação de alarme, segundo a última documentação”, completou.
A radioatividade tem efeitos graves na saúde humana Segundo um artigo da Organização Mundial da Saúde (OMS), publicado em março do ano passado, cerca de 14 pessoas morrem por dia com doenças causadas pelo consumo de água poluída. Na mesma publicação, a OMS refere que a contaminação da água com produtos químicos ainda é uma preocupação.
“A radiação em si é uma fonte de problemas de saúde que vão desde problemas genéticos – malformações que depois são transmitidas geneticamente – ao aparecimento de vários tipos de cancros de pele, pulmões e tiroide. A radioatividade é um problema muito sério”, afirmou ao i Nuno Sequeira.
Nesse sentido, para controlar este problema, em 1998 foi aprovada uma dire- tiva europeia que tinha como objetivo “proteger a saúde humana dos efeitos nocivos resultantes de qualquer contaminação da água destinada ao consumo humano, assegurando a sua salubridade e limpeza”. Em 2013 foi aprovada outra diretiva que estabelecia “requisitos para a proteção da saúde do público em geral no que diz respeito às substâncias radioativas presentes na água destinada ao consumo humano”. Contudo, em 2016, Portugal publicou em Diário da República um decreto-lei que ultrapassa a diretiva europeia. O diploma estabelece “requisitos para a proteção da saúde do público em geral no que diz respeito às substâncias radioativas presentes na água destinada ao consumo humano, fixando os valores paramétricos, frequências e métodos aplicáveis para o seu controlo”. Foi com este decreto-lei que as entidades gestoras passaram a controlar a radioatividade da água das torneiras.